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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Myrian Villalba: “Estamos com toda a família em refúgio, não temos mais familiares no Paraguai”

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Myrian Villalba, 45 anos, faz parte de uma família paraguaia, de origem humilde, camponesa, e que, há algumas décadas organiza o povo de seu país para lutar por uma pátria livre da opressão capitalista. Devido a isso, em 2020, sua filha (Lilian) e uma de suas sobrinhas (María Carmen) foram mortas numa emboscada de forças policiais e capangas dos latifundiários. Sua outra sobrinha (Elizabeth – Lichita) foi sequestrada e permanece desaparecida desde então.

Três companheiras militantes (Carmen e Laura Villalba e Francisca Andino) estão, atualmente, num presídio de segurança máxima, que mais se parece com um campo de concentração nazista devido às condições de crueldade e tortura permanentes. Uma campanha internacional de solidariedade está em andamento, e também A Verdade vem se somando a esses esforços.

Rafael Freire | Redação


A Verdade – Qual é, hoje, a situação política e econômica no Paraguai? Em que condições se desenvolve a luta das classes no país?

Miryan Villalba Bem, o Paraguai é um país que tem um pouco mais de 6 milhões de habitantes, além de outros milhões fora do país, como na Argentina e na Espanha. A maior parte dos trabalhos é do tipo subemprego e existem muitos desempregados. As universidades normalmente são privadas porque as públicas são apenas quatro a nível nacional. Então a população mais jovem se vê obrigada a imigrar para se sustentar ou para seguir seus estudos. Cerca de 80% das terras estão em mãos de 2% da população.

No governo segue o Partido Colorado. Estamos falando de um partido que nasce um pouco antes da ditadura de Alfredo Stroessner, que esteve no poder por 35 anos [1954 – 1989]. Só que houve um pequeno recesso, com a vitória do Monsenhor Fernando Lugo, mas que foi rapidamente destituído por um julgamento político. Então, estamos falando de um país muito rico em recursos naturais, mas extremamente pobre, por falta de educação, falta de saúde, falta de emprego, de oportunidades para a população.

Esse é atualmente o Paraguai. Mas lendo os relatórios ou as comunicações que fazem os meios de imprensa, parece um país próspero. Por que razão isso? Porque é um país onde está muito enraizado o cultivo da monocultura da soja, do girassol, a pecuária. Estamos falando de grandes extensões de terra que estão destinadas à pecuária, grandes extensões de terra para a monocultura, para o cultivo de sementes transgênicas. E tudo isso, obviamente, não contribui para que cresça a economia no país, mas sim apenas para crescer as contas desses grandes proprietários de terras, contas que estão no exterior.

E a outra grave doença que atravessa o Paraguai é a corrupção. A corrupção está muito enraizada em todas as instituições, que, obviamente, funcionam como foi estipulado pelo ditador Alfredo Stroessner. Todas as instituições funcionam com o mesmo estilo.

Também não podemos esquecer o narcotráfico. Toda a política oficial é financiada pelo narcotráfico. Estamos falando, por exemplo, do ex-presidente Horácio Cartes, que dirigia os três poderes do Estado. De fato, todos, não somente o Partido Colorado, mas também o Partido Liberal e todos que possuem um cargo, tanto no Poder Legislativo quanto no Executivo, ou em outras instituições, são financiados diretamente pelo narcotráfico.

Nesse contexto, que ações o movimento social, os partidos políticos, o Exército do Povo Paraguaio têm desenvolvido contra essa situação?

Em relação aos partidos políticos, como já disse, se conformam com ocupar um cargo, não há muita oposição. Uma oposição verdadeira não existe. Isso se pode ver perfeitamente lendo os meios de comunicação hegemônicos.

Em relação às organizações camponesas, estão muito atacadas. Como já disse, todas as instituições têm muito enraizado o gerenciamento estabelecido pela ditadura. Essas instituições não registram as denúncias. Por exemplo, há casos de dirigentes camponeses que foram assassinados e há também muitos outros camponeses assassinados por se oporem ao cultivo de transgênicos, aos despejos violentos, às ocupações por parte dos fazendeiros de grandes extensões de terra, que, legalmente, deveriam estar à disposição dos camponeses, que são os verdadeiros sujeitos da reforma agrária.

Em relação ao Exército do Povo Paraguaio, esta é uma organização marxista-leninista, que nasceu em 2008, justamente em uma zona rural, abrangendo o departamento de Conceição, São Pedro e outros. Nasceu da necessidade de enfrentar os assassinatos, as execuções de camponeses, os despejos violentos, formada por jovens que sonhavam com um Paraguai melhor.

E essa situação foi justamente o motivo pelo qual nossa família está passando por uma perseguição de mais de 20 anos. Tenho uma irmã que está privada de liberdade há mais de 20 anos, presa com sentença cumprida, que é Carmen Villalba.

Ela, em seu início de militância, fez parte do movimento de esquerda e do Partido Pátria Livre. Este partido praticamente foi aniquilado pelo governo. Desse processo, nasceu o Exército do Povo Paraguaio, e que teve em seu comando meu irmão mais novo, Osvaldo Villalba, morto em outubro de 2022, em um enfrentamento com forças policiais.

CARMEN VILLALBA. Transferência ilegal para outro presídio. Foto: Reprodução

Qual é a situação de Carmen e dos outros presos políticos?

Carmen [51 anos] e Laura Villalba [40 anos] e Francisca Andino [65 anos], além de outros tantos, como Rubem Villalba, estão nessa condição de presos políticos. As três companheiras foram arbitrariamente transferidas, em 12 de outubro de 2024, para o Presídio de Segurança Máxima de Minga Guazú. Nós o chamamos de Guantánamo Paraguaio, pelo fato de que é uma cópia fiel do presídio estadunidense em Cuba.

Foi uma transferência arbitrária, sem nenhum tipo de explicação nem razão. Pelo Código de Execução Penal, as três companheiras estudavam, trabalhavam, tinham uma conduta impecável, ou seja, não havia justificativa de indisciplina para a transferência. Na verdade, foram as primeiras mulheres que se instalaram nesse presídio de segurança máxima, que estava destinado para albergar pessoas de sexo masculino. Ou seja, estão numa parte do presídio masculino, isoladas, incomunicáveis 24 horas, em uma cela de dois metros por um e meio.

Na cela só tem uma cama de cimento, um colchão e uma latrina, além de uma torneira, que não é própria para consumo porque a água é muito salgada. As companheiras não têm energia elétrica, nem nenhum tipo de outros equipamentos que lhes possam ser úteis. Elas usavam essa torneira para abrandar o calor de 45 graus do Paraguai, porque não havia outro modo, e para se higienizar, mas isso também foi cortado. Já as noites, são muito frias. Ou seja, é um ambiente preparado para torturar as companheiras durante 24 horas. E outra coisa: elas sempre denunciam que estão passando fome e sede!

Por tudo isso, a campanha internacional em solidariedade à família Villalba mobilizou companheiros e companheiras para irem até o presídio para levar alimentos e água para que as companheiras possam consumi-los. Mas isso chega até o presídio, é recebido por eles mesmos, e não chegava até as companheiras, ficava na metade do caminho. No presídio, a comida é de má qualidade e muito pouca.

Esses fatos foram denunciados, e o advogado Salvador Sánchez, que defende as três companheiras desde sua transferência a esse presídio, solicitou Habeas Corpus, que foram rejeitados ou ignorados. Recentemente, foi rejeitado o pedido de transferência para Francisca Andino, uma pessoa com 65 anos, diabetes e outros tipos de doenças. Ela está tendo muitas complicações nesse lugar de reclusão e, por razões humanitárias, foi solicitado a transferência para um presídio comum, mas o governo a rejeitou, alegando bom estado de saúde.

Já Carmen é asmática e está com muita crise porque é um lugar sem ventilação, sem janela, sem absolutamente nada.

Não é possível visitá-las?

Essa é outra questão importante. No presídio de segurança máxima só permitem a entrada de familiares diretos, uma pessoa a cada 15 dias. Como, atualmente, estamos com toda a família em refúgio, não temos mais familiares no Paraguai. Por essa razão, com muita insistência e com muitos pedidos, conseguimos que organizações de direitos humanos e organizações sociais possam entrar. O que ainda estamos sustentando, mas eles querem cortar, querem que as companheiras fiquem incomunicáveis o tempo todo. Mas precisamos nos comunicar com elas para poder escutar suas reclamações, seus pedidos. Ultimamente, até o advogado estava tendo dificuldades para entrar, pois pediam agendamento com pelo menos 15 dias de antecedência para visitar as companheiras.

“Eu acho que a única coisa que nos vai salvar é a solidariedade internacional.”

Como tem se desenvolvido a mobilização internacionalista pelo aparecimento da menina Lichita? 

Vou falar sobre os três casos: minha filha, Lilian Mariana, uma menina de 11 anos, assim como a filha de Laura, María Carmen. Lichita é filha de Carmen Villalba. Tanto em relação ao duplo infanticídio [Lilian e María Carmen] quanto ao desaparecimento forçado de Lichita, no Paraguai, não se fez absolutamente nada. Tudo continua sem investigação. Não existe pessoa processada nesse caso, salvo Laura Villalba, mãe de María Carmen, que foi condenada a 31 anos de prisão.

Ou seja, em princípio, a acusam de violação do dever de cuidado e educação. Acusam de ser uma mãe ruim e que, por essa razão, os policiais e os militares capturam, torturam e executam a menina. Nesse primeiro caso, a condenaram a três anos. E, como é pouco, armaram uma acusação por terrorismo de Estado e a condenam a mais 25 anos e seis anos em regime de segurança máxima. Esse julgamento foi, na verdade, abafado, foi exagerado, um escárnio por parte da “Justiça” do Paraguai porque as testemunhas que declararam contra Laura foram os mesmos que assassinaram nossas filhas e fizeram desaparecer Lichita.

O caso de Lichita corre a mesma sorte. No Paraguai não se fez nenhuma investigação. O caso está aberto como um caso de tráfico, no qual a acusada sou eu, pois eu tinha a guarda de Lichita. Ou seja, desapareceram forçadamente com ela, o caso não foi investigado no Paraguai, não existe nenhuma causa e é o que estamos lutando para que mudem de caráter. É o que já recomendou, por três vezes, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

No caso do duplo infanticídio, nós conseguimos, neste ano, com o Comitê para a Infância, em Genebra, que emitiu uma resolução responsabilizando o Estado do Paraguai por esses crimes. E também o fez, antes, a organização Human Rights Watch, mas o Paraguai, como se fosse absolutamente nada, nada fez. Mesmo assim, isso não nos debilita, não nos desencoraja, ao contrário, nos fortalece para continuar lutando, para continuar denunciando tanto o duplo infanticídio quanto o desaparecimento forçado de Lichita.

Atualmente, toda a nossa energia, todas as nossas atividades, estamos colocando nas três companheiras que estão em privação de liberdade, porque estão em uma situação de extrema gravidade. Eles estão matando nossas companheiras a conta-gotas.

Mesmo assim, em 2024, por exemplo, no dia 02 de setembro e no dia 30 de novembro, realizamos mobilização para ambos os casos, tanto o duplo infanticídio quanto a desaparição forçada. E temos uma campanha internacional de solidariedade com a família Villalba, que está bastante fortalecida, muito ampliada.

Estão se somando organizações do Brasil, temos organizações do Uruguai e do próprio Paraguai, apesar do medo, pois a perseguição é implacável lá. É muito fácil inventar acusações falsas no Paraguai e isso também impõe obstáculos. Também estamos vendo a possibilidade de denunciar também nos países europeus e outros países para que realmente se conheça essa situação, para que se rompa esse cerco midiático, para que caia a máscara do governo do Paraguai, que quer vender a ideia de que se trata de um país democrático, um país respeitoso dos direitos humanos.

Estamos falando de duplo infanticídio. Estamos falando de desaparecimento forçado. Estamos falando de um presídio de segurança máxima que não reúne os padrões internacionais para albergar pessoas privadas de liberdade.

Qual foi a situação que vocês enfrentaram na Argentina? E como estão agora?

Nós estávamos vivendo na Argentina desde 2007, em Misiones [fronteira com o Brasil], mas depois do duplo infanticídio, assim como do desaparecimento forçado, nos vimos obrigadas a ir a Buenos Aires e solicitar refúgio político, coisa que o governo anterior imediatamente nos concedeu. Mas, em 12 de abril de 2024, cerca de 70 homens fortemente armados invadiram nossa casa, apontando armas para nossos filhos. Somos cinco mulheres adultas (incluindo a minha mãe, de 80 anos) e 12 menores de idade, meninos, meninas e adolescentes.

Nesse dia, detiveram tanto a mim, minha irmã e uma sobrinha. A ordem de captura estava em nome de minha mãe, de 80 anos, sob a acusação de terrorismo armado. Nós já com refúgio estabelecido em Buenos Aires, nos armam uma denúncia no Paraguai e pedem nossa extradição. Obviamente, o governo de Javier Milei [presidente da Argentina] e de Patrícia Bullrich [ministra de Justiça], disse que iriam nos extraditar. Eles tentaram fazer isso, mas, ao nos deterem e notarem que contávamos com refúgio na Argentina, não teve outra opção senão ordenar nossa liberdade.

Mas já não nos sentíamos seguras na Argentina, porque eles estavam por todos os lados, inclusive viajaram para o Paraguai fazendo lobby para que nos transferissem, para que nos extraditassem. Há um ano, em maio de 2024, tivemos que abandonar a Argentina.

Há um mês, obtivemos oficialmente refúgio na Venezuela. E aqui estamos toda a família: os 12 meninos, meninas e adolescentes e as cinco mulheres adultas, tentando levar uma vida normal, onde os meninos possam seguir seus estudos, coisas que perderam no ano passado. E, bom, sonhar com um lar longe da nossa pátria, mas, pelo menos, onde contamos com segurança jurídica, que é o que nos está concedendo o Governo da Venezuela.

E, para encerrar, com um histórico de luta internacionalista tão grande, de resistência que sua família e sua organização têm desenvolvido, qual é a mensagem que deixa para os leitores de A Verdade?

Eu acho que a única coisa que nos vai salvar é a solidariedade internacional. E os meios de imprensa alternativos cumprem uma função muito importante de quebrar esse cerco. Dizer que vale a pena nos solidarizarmos com os países que estão lutando, vale a pena abraçá-los, porque é o que vai realmente nos salvar de toda essa repressão capitalista, imperialista e podemos falar de uma nova forma de ditadura. Estamos falando, novamente, de um Plano Condor de aniquilamento das organizações, dos dirigentes, e a solidariedade internacional me parece o primordial nesses casos. Estou me ferindo à própria carne, pois não podemos dar assistência às companheiras que estão privadas de liberdade, e os companheiros e companheiras dos movimentos internacionalistas é que estão fazendo esse trabalho por nós. Estão sendo nossos braços para poder abraçar as companheiras. O governo fascista, patriarcal, misógino do Paraguai realmente está tentando, a todo custo isolá-las, mas não vão conseguir.

Quero agradecer ao jornal A Verdade por esse espaço. Muito obrigada por dar-nos espaço nessa mídia alternativa, que é muito importante para romper o bloqueio midiático e para ampliar e aprofundar toda a campanha porque as três companheiras realmente precisam muito da solidariedade internacional.

Entrevista publicada na edição n° 313 do Jornal A Verdade.

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