No último dia 7 de setembro, Goiânia amanheceu com uma nova ocupação urbana na região central, denunciando o déficit habitacional e erguendo a bandeira do socialismo. Em homenagem a Pedro Nascimento, morto há 20 anos no massacre da Ocupação Sonho Real. Novamente, o Estado burguês aponta suas armas para o povo pobre e realiza despejo ilegal.
Igor Collaço e Redação GO
LUTA POPULAR – O dia 7 de setembro marca a data da Independência formal do Brasil, uma data que deveria simbolizar a liberdade política do nosso país. Porém, com um déficit habitacional de mais de 6 milhões de domicílios e com famílias despendendo mais de um terço da renda com aluguel, não podemos afirmar que existe independência e nem soberania a serem comemoradas. Por isso, o Movimento de Lutas nos Bairros, Vilas e Favelas realizou 18 ocupações em 15 estados nesta data, incluindo a sua primeira ocupação em Goiás: a Ocupação Pedro Nascimento – Seu Sonho Continua Real!
Escravidão do aluguel e déficit habitacional
Em junho de 2025, Goiânia registrou um aumento de 1,42% no preço do aluguel residencial, o segundo maior entre as capitais brasileiras, número muito maior do que a inflação do período (0,24%). A situação do déficit habitacional também é alarmante: mais de 27 mil moradias!
De acordo com o relatório de 2022 do Ministério das Cidades, o estado de Goiás atinge um déficit habitacional de 211.743 de moradias, representando 8,13% das moradias no estado. Para além disso, o ônus excessivo (quando o aluguel demanda mais de 30% da renda familiar) atinge cerca de 130 mil moradias. Esses dados ainda estão muito abaixo da situação concreta da realidade, como afirma a porta voz da ONG Habitat Brasil Raquel Luquenir, pois não incluem a população em situação de rua e pessoas ameaçadas de despejo.
Continuando o sonho e a luta de Pedro Nascimento

Em revolta à falta de dignidade e impossibilidade de se ter uma vida digna no capitalismo, cerca de 20 famílias da Ocupação São Marcos, organizadas no MLB, e dezenas de militantes do Movimento Correnteza, Movimento de Mulheres Olga Benario e da União da Juventude Rebelião ocuparam um prédio abandonado há mais de oito anos no Setor Oeste, próximo ao Lago das Rosas, fundando a Ocupação Pedro Nascimento na região central de Goiânia.
O homenageado Pedro Nascimento foi um dos grandes líderes da luta por moradia em Goiânia. No dia 16 de fevereiro de 2005, durante a reintegração de posse da Ocupação Sonho Real, no Parque Oeste Industrial, ele foi brutalmente assassinado pelo Estado brasileiro enquanto erguia uma bandeira branca pedindo paz.
Em poucas horas, os ocupantes realizaram a limpeza do primeiro andar do prédio e dos banheiros, garantindo o local da dormida e da creche para as crianças. Na primeira manhã da Ocupação, já se iniciava o cerco policial. O MLB convocou uma plenária para ler a carta de reivindicações, que incluía os pontos:
- Abertura Imediata de Negociação: Requeremos que a Prefeitura de Goiânia e o
Governo de Goiás iniciem imediatamente um processo de negociação com os
representantes da Ocupação Pedro Nascimento para encontrar uma solução definitiva
de moradia para as famílias aqui acampadas, começando pela desapropriação deste
imóvel por descumprimento de sua função social.
2. Regularização da Ocupação São Marcos: A suspensão imediata de qualquer ameaça
ou processo de despejo contra os moradores da Ocupação São Marcos e a
apresentação de um cronograma definitivo e acelerado para a regularização fundiária
completa de todas as famílias da comunidade.
3. Fortalecimento do MCMV Entidades: A destinação prioritária e ampliada de
recursos do orçamento municipal, estadual e federal para o programa Minha Casa,
Minha Vida Entidades, garantindo que os movimentos populares tenham acesso aos
meios para construir suas próprias moradias.
Estado realiza violento despejo ilegal e prisões racistas
Durante todo o período da ocupação, uma equipe de advogados populares mediou as negociações com o Poder Público, impedindo o despejo imediato e buscando um acordo que garantiria moradia digna para as famílias da São Marcos, constantemente assediadas e ameaçadas de despejo pelo Estado.
Já nas primeiras horas do dia 07/09, a Polícia Militar cercou a ocupação com mais de 12 viaturas, bloqueando ruas e impedindo o acesso a alimentos, água e doações. Inicialmente, ainda existia a intenção de negociação, com representantes do MLB e parlamentares municipais participando de uma mesa que poderia resultar em uma desocupação pacífica. No entanto, a situação rapidamente se transformou em uso desproporcional e ilegal da força:
A polícia mobilizou cerca de 50 viaturas, um helicóptero, drone e cerca de 200 policiais fortemente armados ao redor do quarteirão e da ocupação. Tornando uma violência ainda mais desproporcional. Tropas de choque invadiram a ocupação sem ordem judicial, estourando cadeados e expulsando famílias. O aparato utilizado incluía helicópteros, viaturas blindadas, motos do Giro, caminhão de bombeiro e policiais armados com cassetetes e spray de pimenta, uma operação militar que não vemos o Governo Fascista de Ronaldo Caiado aplica sequer contra facções criminosas.
As famílias foram forçadas a entrar em um ônibus, supostamente para retorno à São Marcos, mas foram encaminhadas à central de flagrantes com o claro objetivo de amedrontar e constranger uma vez que não passariam por nenhuma ação naquele local. Lideranças do MLB e da Unidade Popular foram presas arbitrariamente durante a desocupação: Guilherme Darques (coordenador do MLB), Gabryel Henrici (presidente da UP Goiás) e Guilherme Martins (militante da UP).
O truculento despejo mostrou a face de um Estado que protege a propriedade privada e interesses do capital em detrimento do direito à vida e à dignidade humana.
Violação de Direitos e Abusos
O episódio apresentou múltiplas violações de direitos:
• Ausência de ordem judicial para desocupação, tornando o despejo ilegal.
• Violação do direito de negociação, já que a mesa estava em andamento quando a tropa de choque invadiu.
• Restrições ao acesso de advogados populares, impedindo a assistência jurídica às famílias e lideranças.
• Condições desumanas para quem aguardava notícias na delegacia: exposição ao sol, falta de alimentação e água, spray de pimenta e intimidação policial.
Tudo isso evidencia o uso da força estatal como mecanismo de repressão social, protegendo interesses privados e negando direitos básicos, como moradia, segurança e dignidade.
Solidariedade e Resistência
Apesar da repressão, o episódio também evidenciou a força da mobilização social:
• O apoio de entidades estudantis, movimentos sociais e mandatos parlamentares foi fundamental para assegurar a soltura das lideranças presas.
• A solidariedade popular e a articulação política demonstraram que a luta por moradia é também uma luta de classe, envolvendo toda a sociedade civil em defesa de direitos negados.
O despejo da Ocupação Pedro Nascimento não foi apenas um episódio isolado de violência policial, mas um sintoma da crise estrutural habitacional e da criminalização da pobreza no Brasil. Ele expõe como o Estado, alinhado aos interesses do capital, reprime quem luta por direitos básicos enquanto deixa imóveis vazios e famílias sem teto.
A resistência do MLB, das famílias e da sociedade civil demonstra que a luta por moradia é uma luta de dignidade, justiça e vida, e que a solidariedade coletiva é a única arma real contra a arbitrariedade do poder.
Este episódio, registrado com todos os abusos e violações, deve servir como alerta e denúncia contra o Estado que nega o direito à moradia, e como inspiração para continuar a luta por um mundo onde ninguém seja deixado sem teto e sem dignidade.