Em meio a vitória da União Soviética, que perdeu mais de 27 milhões de vidas para esmagar o nazismo de Hitler, a contribuição dos comunistas brasileiros é parte da história muitas vezes esquecida.
Guilherme Arruda | Historiador
HISTÓRIA – Neste ano, a humanidade celebra os 80 anos da vitória sobre o nazifascismo. Nos esforços dos povos do mundo para derrotar a ameaça de Hitler, a pátria socialista comandada pelo Partido Bolchevique ofereceu os maiores sacrifícios: mais de 27 milhões de cidadãos soviéticos, entre civis e militares, morreram na Segunda Guerra Mundial. Só quando o Exército Vermelho finalmente adentrou em Berlim, impondo pesadas baixas à Alemanha, é que a besta nazista se rendeu.
Nessa luta, tomaram parte também trabalhadores e revolucionários de diversos outros povos que deram uma destacada contribuição para o esforço de guerra contra o Eixo, a aliança militar composta pelas potências fascistas (Alemanha, Itália e Japão). É o caso do Brasil.
Em nosso país, a agitação antifascista do Partido Comunista do Brasil (PCB) foi determinante para que o governo de Getúlio Vargas finalmente declarasse guerra à Alemanha, em agosto de 1942, após três anos de vacilação. Além disso, vários militantes comunistas se voluntariaram para fazer parte da Força Expedicionária Brasileira (FEB), contingente de 25 mil soldados enviado à Europa para lutar contra as tropas alemãs e italianas.
Ao comemorar os 80 anos da vitória contra o nazifascismo, é indispensável que relembremos a contribuição do povo brasileiro – e dos comunistas – para essa luta, que salvou a humanidade e manteve viva a esperança de um futuro socialista para os operários e camponeses de todo o mundo.
Pressão contra o Governo Vargas
Às portas da Segunda Guerra Mundial, o Brasil vivia debaixo de uma ditadura chamada de Estado Novo, que havia se iniciado após um golpe de Estado, em 1937. Desde 1935, o país já vivia sob um estado de sítio, utilizado pelo presidente Getúlio Vargas para reprimir a classe trabalhadora e os comunistas. Porém, após a decretação do Estado Novo, o regime político começou a caminhar para o fascismo. Foram canceladas as eleições, o Congresso Nacional foi fechado e se outorgou uma Constituição de inspiração nitidamente fascista. Vargas se aproximou politicamente da Alemanha e da Itália e copiava os gestos de Adolf Hitler e Benito Mussolini, líderes daqueles dois países.
Nesse contexto, quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu, em 1939, o presidente do Brasil se recusava a tomar posição contra as agressões dos Estados fascistas, que subjugavam uma nação atrás da outra sob a justificativa da suposta “superioridade racial” e com o objetivo de anexar cada vez mais territórios para sua esfera imperialista. Vivíamos uma “neutralidade” conivente com os crimes contra a humanidade.
Em 1941, Hitler declara seu objetivo de acabar com a União Soviética e de escravizar seu povo. As tropas nazistas invadem a nação socialista. Com isso, forçar o Governo Vargas a declarar guerra à Alemanha se tornou uma das prioridades dos comunistas brasileiros, mesmo nas difíceis condições da ilegalidade. Recorreram, então, à sua principal arma: a mobilização das massas.
Fundada na década de 1930 por uma aliança entre jovens comunistas, como Irun Sant’Anna e outros estudantes democratas e antifascistas, a União Nacional de Estudantes (UNE) foi protagonista de uma ampla movimentação na sociedade pelo rompimento das relações diplomáticas com a Alemanha, a Itália e o Japão. A campanha envolveu panfletagens, passeatas e também a ocupação do Clube Germânia, entidade da comunidade alemã no Brasil, simpática ao nazismo. A sede do clube se transformou na sede da UNE, uma conquista da luta. Mais detalhes sobre essa história podem ser lidos no livro “O Poder Jovem”, de Arthur Poerner. Ao fim, Getúlio Vargas acabou encurralado pela forte pressão social e declarou guerra à Alemanha em agosto de 1942.
Comunistas na FEB
Após a declaração de guerra, os comunistas não se deram por satisfeitos com essa primeira vitória política. Seguiram insistindo que o Brasil também deveria colaborar materialmente com o esforço de guerra, por meio do envio de tropas para o front. Para isso, mobilizaram seu aparato de agitação e propaganda, buscando convencer os brasileiros da importância de contribuir. Seja em revistas legais, como a Seiva, ou jornais clandestinos, como A Classe Operária, nenhum número da imprensa comunista ia às ruas sem um apelo para a criação de uma divisão nacional para enfrentar Hitler.
Assim dizia o editorial do nº 18 da Seiva, lançado em julho de 1943: “A participação direta do Brasil no conflito, com o envio de tropas para a frente de batalha, será […] uma das condições essenciais para ganharmos a paz”. No mês seguinte, os comunistas e seus aliados antifascistas foram vitoriosos mais uma vez. Em agosto daquele ano, foi criada a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que, no segundo semestre de 1944, chegou à Europa para dar combate aos exércitos fascistas. Seus participantes ficaram conhecidos como “pracinhas”.
Muitos jovens e operários do Partido Comunista se alistaram na FEB, mas seu número exato não é conhecido. Por segurança, eles não declaravam sua militância em uma organização ilegal. No entanto, sabe-se de dois importantes dirigentes comunistas do nosso país que integraram a Força: o voluntário Jacob Gorender, que havia sido secretário de redação da Seiva, e o tenente Salomão Malina. Este último foi condecorado com a Cruz de Combate de Primeira Classe por sua bravura. Dando sua contribuição para a derrota final do Eixo, as tropas brasileiras se destacaram nas batalhas de Monte Castello e Montese, na Itália.
Comunistas na resistência
Além dos membros da FEB, houve ainda outros comunistas brasileiros que combateram o nazismo na Europa de armas na mão. Isso porque, antes mesmo do início da Segunda Guerra Mundial, o Partido Comunista organizou o envio de voluntários (alguns deles militantes, outros apenas simpatizantes da causa antifascista) para lutar na Guerra Civil Espanhola.
Desde 1936, a Espanha vivia um conflito iniciado por uma tentativa de golpe de Estado fascista. Em solidariedade à República, dezenas de milhares de militantes de todo o mundo constituíram as Brigadas Internacionais para enfrentar as tropas do general golpista Francisco Franco, que era apoiado por Alemanha e Itália. Segundo as pesquisas da historiadora Thaís Battibugli, 16 deles eram brasileiros – a maioria deles, participantes do Levante de 1935 em nosso país.
Lamentavelmente, em 1939, a República foi derrotada e um regime fascista – que só acabaria em 1975 – foi instaurado na Espanha. Os bombardeios criminosos da força aérea alemã, que atingiam intencionalmente civis inocentes, como as vítimas do massacre de Guernica, registrado na célebre pintura do comunista Pablo Picasso, foram a principal arma dos fascistas para destruir a democracia espanhola.
Derrotados, os membros das Brigadas Internacionais foram transferidos para campos de concentração na França, também conquistada pela máquina de guerra nazista. Contudo, desejosos de seguir lutando, dois comunistas brasileiros fugiram do confinamento e se somaram à Resistência Francesa. Um deles, o tenente cearense David Capistrano, foi rapidamente preso. Por sua vez, Apolônio de Carvalho tornou-se um grande líder dos maquis, os guerrilheiros antifascistas franceses.
Legado da luta antifascista
As cerca de três mil baixas, entre mortos e feridos, da FEB e da Força Aérea na Segunda Guerra Mundial foram a cota de sacrifício do povo brasileira em prol da libertação de milhões de homens e mulheres em todo o mundo. Quando retornaram ao Brasil, muitos pracinhas se filiaram ao Partido Comunista, convencidos que ficaram da importância de lutar contra a injustiça por todos os meios. “Vencida a mais terrível das guerras, trazíamos um novo mundo de esperanças”, lembra Apolônio de Carvalho em sua autobiografia “Vale a pena lutar” (1997).
Todas essas histórias demonstram que o povo brasileiro também colaborou com a destruição do nazismo, principal inimigo da humanidade daquele período. Demonstram ainda que os comunistas tiveram um papel decisivo para que esse esforço antifascista chegasse até as últimas consequências, de armas na mão. Como explica mais uma vez Apolônio, seja no Brasil seja na União Soviética, esteve no centro desse protagonismo “uma orientação político-partidária que irmanava os programas de luta de nossos povos – objetivos semelhantes, os mesmos inimigos – numa mesma trincheira comum”. Passados 80 anos, é preciso seguirmos fiéis ao programa comunista de luta para derrotar, mais uma vez, os fascistas que ameaçam a liberdade e a vida da classe trabalhadora.
Matéria publicada na edição impressa nº320 do jornal A Verdade