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terça-feira, 7 de outubro de 2025

AMAN: a casa do fascismo brasileiro

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A condenação de Bolsonaro e de vários militares ligados a alta cúpula das formas armadas brasileiras jogou luz sobre o passado golpista e antidemocrático em nosso país. Aqui, um relato pessoal de quem conviveu dentro da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), exatamente no período do governo do fascista Jair Bolsonaro. 

Gideão Gomes | RJ


CARTA – Este é um relato pessoal dos meus cinco anos de formação militar como oficial da ativa do Exército Brasileiro. Abordando a profunda e persistente influência da extrema direita e do fascismo na instituição, onde evidenciei a relação intrínseca entre o contexto político-econômico brasileiro e a doutrinação ideológica nas Forças Armadas. É preciso um debate público e uma profunda reforma acadêmica nas forças armadas brasileiras, que definitivamente, não servem ao nosso país.

Ingressei na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx) e já no concurso de admissão, percebi um favorecimento de filhos de militares e de camadas sociais mais abastadas, um mecanismo das elites para perpetuar seu domínio. As matérias acadêmicas e militares são permeadas por uma doutrina que glorifica o fascismo, influenciada pela doutrina norte-americana do pós-Guerra Fria.

Canções de Treinamento Físico Militar (TFM) com letras que incitam a violência contra indígenas, guerrilheiros (identificados como comunistas) e pessoas periféricas são exemplos dessa doutrinação. O objetivo é moldar os alunos para se tornarem oficiais dispostos a “implementar a ideologia da extrema-direita, guerrear contra o povo e os povos, pela elite”.

Uma das Canções descreve a violência contra o inimigo, com frases como “A pele do inimigo eu pus no mastro da bandeira / Por isso eu sou chamado de faca na caveira”. Outra canção, ainda mais violenta, fala sobre interrogatório e brutalidade: “Eu pego o inimigo e dou porrada até morrer / Arranca a cabeça e joga ela no mar”. A deturpação dos direitos humanos é constante.

Em 2016, a EsPCEx, a AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras) e o Exército em peso se tornam um epicentro que glorificava o impeachment da então Presidenta Dilma Rousseff. Apesar de ser a Comandante das Forças Armadas por lei, ela era constantemente difamada por instrutores, que a classificavam como “bandida” e “guerrilheira”. No dia da votação do golpe, a EsPCEx foi tomada por um frenesi, com gritos e celebração a cada voto “sim”. O momento mais marcante foi quando o deputado Bolsonaro glorificou o torturador Ustra. A partir daí, os oficiais o colocaram em um pedestal, consolidando sua figura como o “escolhido” pelas Forças Armadas para assumir o poder.

A entrada de mulheres nas fileiras combatentes foi recebida com desaprovação geral, revelando uma cultura patriarcal e retrógrada. Na AMAN, o machismo contra as mulheres que ingressaram em 2017 era enraizado, e muitas eram forçadas a aceitar a doutrina fascista e patriarcal e ser machista para sobreviver.

Após o impeachment, o objetivo era articular para que as Forças Armadas assumissem o poder por “meios democráticos”, e os alunos eram bombardeados com essa ideia.

​Ao ingressar na AMAN, o “curso básico” era caracterizado por matérias acadêmicas e militares intensas, campos de treinamento exaustivos e uma rotina opressiva. A presença de professores PTTC (militares da reserva aposentados que retornam para lecionar), a maioria com experiência na ativa durante a ditadura militar. Matérias de humanas como Filosofia, Sociologia e História eram ensinadas de forma distorcida, crucial para a perpetuação da ideologia de extrema-direita.

A campanha do então Comandante do Exército, General Vilas Boas, e o apoio ao candidato Jair Bolsonaro eram evidentes. A GLO (Garantia da Lei e da Ordem) era exaltada como a única solução para a criminalidade no Rio de Janeiro e no Brasil, com o Exército como o “organizador”. A missão no Haiti (BRABHAT/MINUSTAH) era glorificada, escondendo “a verdade da missão, todos os erros, problemas e questões desumanas”.

​Ao ingressar na “arma”, minha especialidade, percebi a consolidação da mentalidade de extrema-direita na AMAN, implementada desde o Alto Comando do Exército. Durante o período eleitoral, apesar de proibida pelo estatuto militar, a política era massivamente presente. Palestras tendenciosas eram proferidas, inclusive com a presença do então interventor do Rio de Janeiro, General Braga Netto, um dos protagonistas da tentativa de golpe de Estado de 08 de janeiro de 2023. Nesses eventos, celulares eram proibidos e barbaridades eram proferidas contra as periferias do RJ e as favelas.

​Até a imprensa burguesa era vista como inimiga, e a narrativa de que só o “bem” (personificado por Bolsonaro) venceria o “mal” era internalizada pelos cadetes. A liberação para viajar e votar no primeiro e segundo turno, com o intuito de levar a ideologia para as urnas, demonstrou a forte politização da instituição. A vitória de Bolsonaro foi comemorada como a volta do país ao seu “rumo” em toda AMAN.

No primeiro ano do governo Bolsonaro a doutrina e o preparo do Exército passaram a ser controlados por normas diárias do COTER (Centro de Operações Terrestres), em Brasília. A partir do governo Bolsonaro, o dia 31 de março (data do golpe) passou a ser “comemorado” com palestras e festividades opulentas, homenageando ditadores e torturadores do período, inclusive há na AMAN um auditório nomeado em homenagem ao General Médici, com pinturas que o glorificam como herói.

As SIESPs (Seções de Instrução Especial) são descritas como formações criadas por militares e forças especiais desde 1957. Essas instruções, implementadas por “Kids Pretos”, visam preparar os cadetes para uma guerra contra o povo pobre e contra o socialismo e comunismo, ensinando a “eliminar, neutralizar, prender e torturar sem remorso”.

O ano de formatura foi marcado pela pandemia de COVID-19, mas dentro da “bolha” da AMAN, o governo de extrema direita buscava esconder a situação. A aprovação do uso de máscaras foi demorada, as aulas e instruções permaneceram inalteradas. A segunda metade do ano foi caracterizada por nosso envio para diversos locais do país, para cursos e estágios, consolidando a formação. Como cadetes do último ano, nos tornamos a “ponta da lança”, a “engrenagem principal do extremismo” que em 2021 iria para a tropa.

Foram ministradas palestras com figuras como o então ministro Tarcísio e, por dois dias, o Presidente, Vice e ministros (Bolsonaro, Mourão, Braga Netto, Ramos) na AMAN, com falas de que o governo não sairia do poder a qualquer custo e que os “comunistas” não iriam vencer foram proferidas pelo então presidente Bolsonaro para um público de mais de 3 mil pessoas.

​As Forças Armadas Brasileiras, desde 1945, e de forma mais acentuada a partir de 1964, são permeadas por uma ideologia de extrema direita. O Exército brasileiro se considera “detentor da nação e do Estado brasileiro”, mas tem demonstrado uma inclinação antidemocrática e um compromisso com a defesa de interesses específicos, distanciando-se de um papel verdadeiramente nacional e popular.

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