A empresa alemã Fraport, responsável pelo Aeroporto de Fortaleza, planeja construir o projeto “Aeroporto Cidade”, um complexo imobiliário de luxo que pode destruir parte da Mata Atlântica até 2030. O empreendimento, baseado na especulação imobiliária, ameaça expulsar moradores da Serrinha e causar graves impactos ambientais.
Renan Azevedo | Fortaleza (CE)
A Fraport, empresa alemã que faz a gestão dos aeroportos internacionais de Fortaleza e Porto Alegre, pode destruir a Mata Atlântica na capital cearense caso seu projeto “Aeroporto Cidade” siga adiante. A proposta pretende construir no entorno do Aeroporto Internacional Pinto Martins um complexo imobiliário de luxo em até 5 anos. Ou seja, transformará a Mata Atlântica em hotéis e shoppings até 2030.
Os planos do Aeroporto Cidade não são negociados por baixo dos panos. Ao contrário: estão presentes nos relatórios financeiros da Fraport. No momento, esse projeto está em fase de captação de investidores. Isto significa que interessados em todo o mundo podem investir no projeto e lucrar com esta empreitada.
Este tipo de negócio, no qual os donos do capital internacional decidem lucrar em nosso país, já é bem conhecido na história. É uma nova forma de colonização, por vezes, chamada de neocolonialismo. Significa a dominação de territórios da América Latina, entre outros, para obter consumidores para os negócios europeus. É desta forma que o imperialismo, agora do século XXI, consegue lucrar cada vez mais ao explorar trabalhadores em outros lugares.
Este projeto do Aeroporto Cidade é mais uma demonstração de como a burguesia domina outras populações. Enquanto a classe trabalhadora não tomar para si seu dever histórico – o dever de libertar a humanidade da exploração –, estes abusos continuarão. Afinal, se nenhum CEO jamais ergueu uma viga ou concreto, por que eles ficam com toda a riqueza? É exatamente isto que acontece no que foi apresentado.
A insanidade dos números
De acordo com o último relatório fiscal da Fraport, a empresa lucrou € 91,5 milhões em 2024 com os dois aeroportos brasileiros. Isso significa que mais de R$ 6 bilhões foram para os bolsos dos investidores estrangeiros. É importante dizer que estes valores já descontaram os prejuízos com as enchentes no RS. Ou seja, é lucro absoluto. Ainda assim, a Fraport anuncia prejuízo, pois os ganhos deste ano são menores do que os do ano passado, mesmo que o saldo seja positivo.
Além disso, o contrato que autoriza a Fraport a explorar a estrutura aeroportuária de Fortaleza, firmado em 2017, pelo governo Michel Temer, também incluiu os valores que a empresa deveria pagar à União: R$425 milhões em até 30 anos. Portanto, apenas com os ganhos de 2024, a Fraport recuperou treze vezes o valor de seu investimento, enquanto os lucros obtidos entre 2018 e 2023 teriam sido completamente direcionados aos investidores da empresa. A empresa alemã investiu pouquíssimo para ganhar bilhões.
Vendo esses números, fica claro como a privatização só beneficia os mais ricos. O Aeroporto Internacional de Fortaleza foi construído pela INFRAERO, na década de 1970, com investimento público. Em 2017, durante o governo de Michel Temer, a concessão foi leiloada para a Fraport que pagou “troco de bala” pelo complexo – incluindo a Mata Atlântica ao seu redor.
Desta forma, é possível entender como a Fraport pode lucrar ainda mais com o projeto do Aeroporto Cidade: ela apresenta um projeto faraônico que se fundamenta na especulação imobiliária. Quem paga a conta, como sempre, será a população mais pobre.
Impactos pela especulação imobiliária
A população pode ser afetada de diversas maneiras por conta da especulação imobiliária. Uma delas é pelo aumento dos aluguéis, por conta da inclusão de uma estrutura luxuosa no terreno. Isso pode encarecer o valor da moradia própria ou de aluguel do seu entorno.
Outro impacto do Aeroporto Cidade se dá sobre o bairro da Serrinha, que fica ao sul do Aeroporto de Fortaleza. A Serrinha tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado muito baixo. Dentre as razões, está a falta de saneamento básico e de sistemas de coleta de esgoto. Então, como pode um bairro sem estrutura ficar com o aluguel elevado? A explicação é simples: a falta de estrutura de saneamento força a saída dos moradores daquela região; em seguida, os territórios são adquiridos pelos donos do capital, as reformas urbanas público-privadas começam e o terreno é valorizado. O projeto imobiliário de luxo também se torna um projeto para remover trabalhadores de suas residências.
Há também impactos ambientais graves. Parte da Mata Atlântica, a vegetação na área do Aeroporto de Fortaleza, abriga diversos animais silvestres e plantas nativas que só existem naquele ecossistema. Por consequência, sem a Mata Atlântica, os lagos naturais que existem no bairro da Serrinha podem secar, animais silvestres e plantas nativas podem ser extintas e o clima da capital cearense como um todo pode ser afetado.
Para a empresa, não é um bom negócio destruir a Mata Atlântica nativa por completo, embora por outras razões. O discurso liberal, que defende o crescimento do lucro dessa empresa, tentará também defender a construção de prédios luxuosos naquela vegetação. Contudo, a preservação da Mata Atlântica no entorno do Aeroporto Cidade a ser construído pode ser uma estratégia. Essa defesa da preservação se torna conveniente, pois protege a valorização imobiliária. Ela impede a construção de outras edificações próximas, o que garante a exclusividade do espaço. Como diz o ditado, o diabo mora nos detalhes.
O Estado é o balcão de negócios das empresas
Tudo o que foi explicado até agora está exposto nos projetos da Fraport e em documentação oficial – tanto de Fortaleza, quanto da União. É importante destacar que estas negociações só são possíveis por conta das privatizações do governo Michel Temer.
Em contrapartida, há parlamentares que buscam frear este avanço de alguma forma. Por exemplo, o vereador Gabriel Aguiar (PSOL/Fortaleza) tem um projeto de lei que procura transformar a Mata Atlântica ao redor do aeroporto em uma unidade de conservação. De acordo com o projeto de lei por ele proposto, a ARIE (Área de Relevante Interesse Ecológico) do Aeroporto teria 346 hectares – o que equivale a mais de 300 campos de futebol. Contudo, até o momento da redação deste texto, a Câmara de Vereadores de Fortaleza não fez qualquer menção para discutir a criação da ARIE. Claramente, o desinteresse da maioria dos parlamentares brasileiros é de interesse dos empresários alemães.
Devemos garantir nossa liberdade!
É sempre impressionante ver como estas formas de dominação da burguesia se repetem na história. Quando Engels escreveu “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, em 1845, ele tinha a perspectiva de que seria superado o cenário que ele testemunhava: cidades abarrotadas de pessoas, trabalhadores morando em casas de péssima qualidade, sem saneamento básico e cheios de doenças.
Aquele cenário da cidade de Manchester no século 19 é muito parecido com o que vemos nas cidades brasileiras no século 21. Nos dois casos, a classe trabalhadora é escanteada para que os donos do capital possam enriquecer. A diferença é que, em nossos dias atuais, estes processos se tornaram mais rápidos e com muitas garantias legais para a burguesia. Uma empresa europeia explorando os trabalhadores na América latina é uma história que se repete há mais de 500 anos.
Infelizmente, enquanto a burguesia for a classe dominante, o Estado sempre protegerá seus interesses. Isto ficou evidente com o processo de privatização dos aeroportos de Fortaleza e Porto Alegre por Temer, e continua evidente quando os vereadores de Fortaleza não impedem a destruição da Mata Atlântica para atender a projeto da Fraport. O capitalismo é um sistema que busca um lucro infinito: sem finalidades e sem fim para acabar. Mesmo que custe a humanidade, os donos do capital querem apenas ganhar mais. Esta é uma sociedade que não é para fazer sentido, mas para fazer lucros. Portanto, superar o capitalismo não se trata mais de justiça social, mas sim de um compromisso com a humanidade.