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sábado, 6 de dezembro de 2025

100 anos do comunista Clóvis Moura

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“O racismo é atualmente uma ideologia de dominação do imperialismo em escala planetária e de dominação de classes em cada país particular.” – Clóvis Moura

Blanca Fernandes e André Molinari | Frente Negra Revolucionária (FNR)


ESCRITORES DO POVO BRASILEIRO – A formação histórica-econômica e o desenvolvimento da luta de classes no Brasil têm como alicerce a violência e a luta racial. A escravidão colonial europeia sequestrou milhões de negros e negras do continente africano e os submeteu a um regime de trabalho explorador, violento, humilhante e mortal, à selvageria. A questão racial marca, assim, toda a história da classe trabalhadora brasileira.

Diversos autores se debruçaram sobre a questão. Entre eles, um se destaca pela sua argumentação científica, atividade comunista e coerência ideológica: o jornalista, historiador, sociólogo e comunista Clóvis Moura.

Ele dedicou a vida a desvendar a formação do Brasil, a origem da exploração e opressão do povo negro brasileiro e seu corajoso legado de luta e rebelião. Neste mês de novembro, mês da Consciência Negra, façamos uma homenagem por seu centenário de nascimento.

Argila da Memória

Nascido no dia 10 de junho de 1925, na cidade de Amarante (PI), Clóvis Steiger de Assis Moura tem entre seus antepassados um barão prussiano, Ferdinando Von Steiger, seu bisavô materno, e, pelo lado paterno, a bisavó Carlota, uma mulher negra escravizada por um português. Essa contradição no seio de sua família foi um dos combustíveis de seu processo de reflexão sobre escravização e miscigenação no Brasil.

Jovem, foi se vinculando aos debates da cultura brasileira, como mostra em seu livro de recordações de infância, Argila da Memória. Aos 14 anos, em Natal (RN), participou do movimento estudantil no grêmio do seu colégio e fundou o jornal O Potiguar, inaugurado com um artigo sobre a Inconfidência Mineira. Iniciava, assim, sua longa lista de escritos a respeito da luta popular.

Em 1941, aos 16, muda-se com sua família para a Bahia, onde estabelece contato com diversos intelectuais com os quais passaria a trocar correspondência constantemente. Essa aproximação com antropólogos, escritores e comunistas iniciou seu processo de radicalização.

Com grande sensibilidade e inquietação frente à desigualdade econômica e social no país, Clóvis, poucos anos depois, passa a compor as fileiras da luta socialista. Debaixo da ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945), ingressa no PCB e contribui para a luta com um jornalismo revolucionário, usando de sua profissão para construir jornais com denúncias políticas e propaganda da luta popular. Em meio a suas publicações, desenvolve um profundo estudo da luta de classes no sistema escravagista do Brasil Colonial, apoiado na teoria marxista.

Rebeliões da Senzala

No processo de estudo da formação do Brasil, Clóvis formula a tese marxista de que as rebeliões dos escravizados, a destruição de engenhos e construção dos quilombos eram parte fundamental da luta de classes da sociedade escravagista. As lutas travadas eram a resposta organizada de uma classe superexplorada pela elite colonial, e não uma mera reação ao preconceito racial. A raça seria a aparência de uma luta que era, em essência, de classe.

Com um estudo profundo sobre rebeliões e quilombagem no Brasil, foi mostrando, a partir de exemplos históricos, a capacidade e a determinação do povo negro em resistir de maneira firme contra os colonizadores. Criou uma noção mais completa sobre o quadro geral da luta de classes no Brasil com as diversas formas de luta da população negra.

A partir disso, Clóvis desferiu um golpe decisivo contra as deformações teóricas a respeito da questão racial brasileira. Desmentiu o mito de “democracia racial”, que afirmava que a solução para essa questão seria a miscigenação entre brancos e negros, e que, aos poucos, isso faria desaparecer pacificamente a desigualdade e violência racial. Junto a isso, combateu o mito da “passividade” do negro frente aos senhores de escravizados, concepção defendida em especial por teóricos liberais burgueses, como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda.

Clóvis desenvolveu esses estudos tanto em obras sobre o período escravocrata quanto do pós-abolição: “Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas”; “A Encruzilhada dos Orixás: problemas e dilemas do negro brasileiro”; “Sociologia do Negro Brasileiro”; “Dialética Radical do Brasil Negro”; e outras tantas obras e artigos.

Arma ideológica de dominação

Entre textos sobre a Guerra de Canudos, a Comuna de Paris e a Guerrilha do Araguaia, Clóvis escreve um de seus artigos intitulado “O Racismo como Arma Ideológica de Dominação” (1994). Nele elabora que o racismo não é fruto de uma desavença natural entre diferentes “raças” ou um acidente histórico. Do ponto de vista da luta internacional entre nações, a ideologia racista serviu de tática da nascente burguesia europeia para se diferenciar das populações africanas, supor uma superioridade em relação a elas e, assim, justificar sua superexploração escravista, o roubo de suas riquezas e de seus territórios.

“O racismo não é uma conclusão tirada dos dados da ciência, de acordo com pesquisas de laboratório que comprovem a superioridade de um grupo étnico sobre outro, mas uma ideologia deliberadamente montada para justificar a expansão dos grupos de nações dominadoras sobre aquelas áreas por eles dominadas ou a dominar”, nas palavras do autor.

Observando também as relações econômicas internas dos países colonizados, em especial do Brasil, Clóvis mostrou que o racismo assumia o papel de justificar a própria economia escravista. Os senhores de engenho, munidos de teorias a respeito de uma “superioridade branca”, escravizavam e exploravam os trabalhadores negros, os forçavam a um cotidiano brutal de trabalho não pago e humilhações, com os lucros e riquezas por eles produzidos sendo apropriados por essa elite.

Tendo o Brasil passado de um modo de exploração para outro, do colonialismo para o capitalismo, Moura deixa nítido que a miséria, os baixos salários, a superexploração, as humilhações e a violência policial enfrentadas pelo negro hoje são aspectos da divisão de classes brasileira, semelhante ao processo a dominação racista colonial. O racismo seria, então, uma arma de dominação e uma ideologia do colonialismo, apropriado pelos modelos de exploração que vieram depois.

O legado

Um dos grandes feitos desse teórico comunista foi ter nos ajudado a desvendar o processo de formação do Brasil desde a colonização até a consolidação do capitalismo. Colocou em evidência que um dos primeiros formatos da luta de classes nesse país se deu entre brancos donos dos meios de produção e negros trabalhadores. Assim, desatou o nó que envolvia o debate racial, as confusões a respeito da origem e fim do racismo, demonstrando que o racismo não é um elemento paralelo, mas um pilar da configuração das classes econômicas brasileiras.

Sua teoria combateu as ideias racistas de democracia racial, meritocracia, cordialidade do negro e afins, e nos mune contra as atuais teses que defendem a possibilidade de se resolver o racismo sem destruir a estrutura econômica que dele se beneficia, o capitalismo. Nos esclarece o porquê de não ser por meio de reformas pontuais no Estado, ou por um “empreendedorismo negro”, ou uma mera valorização da cultura negra, que se acabará com a desigualdade racial.

“Devemos partir de uma posição crítica radical, através da reformulação política, da modificação dos polos de poder, especialmente das áreas do chamado Terceiro Mundo. É uma situação que ficará sempre inconclusa se não a analisarmos como um dos componentes de um aparelho de dominação econômica, política e cultural”, já nos alertava Moura.

Seus estudos são a prova de que a crítica ao capital e o uso do materialismo dialético e histórico são ferramentas fundamentais para entender o passado colonial brasileiro e o caminho radical a ser percorrido pela luta antirracista. A teoria fundada por Marx e Engels, brilhantemente utilizada por Clóvis Moura, provou seu poder revolucionário contribuindo com os vários processos de libertação e revolução na América Latina, África e Ásia, inspirações para a luta socialista em nosso país.

O comunista Clóvis Moura não se apegou a fórmulas prontas e, por conta desse imenso trabalho, deixou-nos um grande acúmulo para a luta revolucionária e antirracista. Resgatemos a história de resistência de nosso povo – das primeiras confederações indígenas, dos quilombos, da luta no campo, de Canudos, das lutas operárias. Assim, veremos que a luta de classes no Brasil sempre foi intensa.

Se nos armarmos de maneira decidida e viva de uma teoria tão poderosa quanto o marxismo-leninismo, com toda a experiência de luta de nosso povo, seremos imbatíveis e vitoriosos. Que o legado de Clóvis Moura siga nutrindo de conhecimento e rebeldia as atuais e futuras gerações de revolucionários.

Soneto

Dá-me a mochila, meu fuzil, meu pente

de balas para a luta, companheira…

Estrada afora, como chama ardente,

levarei no fuzil nossa bandeira.

 

Sou soldado da paz, em minha frente

o horizonte é uma chama verdadeira.

Meus braços são de luta e minha mente

sonha cantá-la pela vida inteira.

 

E na mochila ponha o livro e o pão,

uma sonata de Chopin, a rosa

e um mapa feito com o teu coração…

 

Depois me espere: voltarei um dia

nos feitos rubros e na luz radiosa

que o novo mundo rubro prenuncia!

Clóvis Moura, 23 de abril de 1955

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