Presos políticos do Equador necessitam de solidariedade
Durante os últimos anos, no Equador se vive o enfraquecimento das garantias e direitos contemplados na Constituição.
Segundo informes dos organismos de direitos humanos e da Defensoria do Povo do Equador, em 2011 houve 129 defensores dos direitos humanos processados pelo governo e por empresas privadas, assim como 31 ativistas políticos processados ou condenados. Seus casos são pouco conhecidos, o que obriga a uma ação mais firme da parte de quem se sente comprometido com os direitos humanos e com a consequente luta para que esses direitos sejam respeitados em todo o mundo. Deve-se assinalar que no Equador não existe nenhuma organização de caráter terrorista, embora haja cerca de 200 pessoas acusadas desse crime. Os segmentos sociais têm recorrido às tradicionais formas de luta e protesto – como ocupação de praças, fechamento de rodovias, mobilizações e marchas – que são reprimidas com uma força policial e militar desproporcional. Para o regime, segundo sua primeira proposta de novo Código Penal, uma pessoa que fecha uma rodovia sem permissão merece a mesma punição que um torturador.
Os dez de Luluncoto
Em março deste ano as principais organizações sociais do país, como a Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie), a Frente Popular (que agrupa organizações de professores, estudantes, moradores de bairros, pequenos comerciantes, camponeses, mulheres e uma central sindical), a Frente Unitária dos Trabalhadores (que agrupa quatro centrais sindicais) e muitos outros coletivos populares convocaram a “Marcha por Água, Vida e Dignidade dos Povos”, que percorreu quase todo o território do país entre 8 e 22 de março deste ano. A resposta do governo foi um discurso violento, discriminatório e racista, de incitação ao ódio, carregado de ataques e desqualificações aos diversos atores sociais, a que chamou de “desestabilizadores da democracia” e de “golpistas”.
Entretanto, como sabe todo o país, a marcha se realizou pacificamente, mostrou sua plataforma reivindicativa de direitos e esvaziou o argumento do governo. Os setores populares organizados se somaram de distintas maneiras e foram muitos os intelectuais que expressaram publicamente seu apoio, realizaram eventos para debater a situação e contribuíram para desmascarar o extrativismo e a criminalização da luta social.
Invasão de domicílio
No dia 3 de março passado, dez equatorianos (sete homens e três mulheres), todos eles trabalhadores, estudantes e funcionários públicos, líderes sociais conhecidos, reuniram-se numa atividade pacífica para discutir a “Marcha por Água, Vida e Dignidade dos Povos”, que estava para começar. De acordo com a polícia, portavam apenas fontes de consulta, como a Constituição da República, o jornal oficial El Ciudadano, vários meios de comunicação, livros e panfletos sobre filosofia do Direito e o documento “Defesa da democracia” elaborado pelo governo, entre outros. A reunião foi realizada num apartamento do conjunto Casales, no bairro de Luluncoto, ao sul de Quito.
No apartamento, os sete homens e as três mulheres que participavam da reunião foram abordados violentamente por cerca de 50 agentes da Unidade de Luta contra o Crime Organizado (Ulco) e do Grupo de Intervenção e Resgate (GIR). A ação policial violou expressas normas legais, pois invadiu um domicílio sem mandado judicial, e, além disso, a polícia não tinha em mãos nenhuma ordem de prisão, não foram lidos para os detidos os seus direitos nem lhes foi informado o motivo de sua detenção. Para completar, não havia a prática de nenhum delito (a polícia admite que apenas estavam reunidos e conversando), de maneira que não poderiam ser presos em flagrante.
Os membros dos grupos especiais da polícia submeteram os detidos a tratamento degradante e cruel, pois os algemaram e os retiraram do apartamento, colocando-os numa escadaria onde permaneceram quatro horas ajoelhados. Fadua Tapia, jovem de 18 anos, grávida, informou sua condição, porém foi violentamente empurrada ao chão e algemada. Golpearam contra a parede o rosto do engenheiro afro-equatoriano Javier Estupiñan, quebrando um de seus dentes, como consta na perícia.
Enquanto os homens permaneceram fora do apartamento, as mulheres foram colocadas em um dos quartos; Os pertences pessoais dos detidos (documentos, celulares, cadernos e agendas, computadores, cédulas e moedas, mochilas e carteiras) foram manipulados por agentes policiais, que foram repreendidos por Cristina Campaña, que protestou ao ver que introduziam material impresso em sua mochila.
Os dez cidadãos permaneceram, arbitrária e ilegalmente, retidos por cerca de sete horas, das 16 horas (hora da prisão) às 23 horas, momento em que foram levados à Polícia Judicial para, depois de uma hora, ou seja, à meia-noite, supostamente ser formalizada a detenção num boletim de ocorrência tão malfeito que até foi datado de 3 de março de 2011, ou seja, um ano antes da prisão). De acordo com a lei, todo esse procedimento deveria ter sido realizado imediatamente após a detenção. Apenas na Polícia Judicial seus direitos finalmente foram lidos e lhes foi permitido fazer uma ligação telefônica a seus familiares.
Ingerência do governo na Justiça
No dia seguinte, às 14 horas, os detidos foram retirados repentinamente das celas da Polícia Judicial, sem conhecimento de seus familiares e advogados, e conduzidos para a audiência de instrução em outro lugar, na Unidade de Vigilância de Carapungo, localizada ao norte de Quito. Invocando a segurança do Estado, as autoridades declararam a audiência reservada e exibiram as supostas provas – cédulas de identidade, celulares, carteiras, cadernos e agendas, dinheiro, anotações e computadores –, mas ocultando documentos como a Constituição da República, o jornal El Ciudadano, o documento do governo “Defesa da democracia” e outros meios de comunicação.
Os detidos acusam a polícia de haver “plantado” textos supostamente ligados aos GCP (Grupos de Combatentes Populares GCP). Nessa mesma hora ficou-se sabendo que o ministro do Interior havia convocado uma entrevista coletiva com o propósito de exibir os detidos como supostos desestabilizadores da democracia, o que não aconteceu pela chegada dos familiares e advogados. Antes de terminar a audiência, o pessoal da polícia tinha até mesmo um cartaz com o título “GCP” e as fotos dos detidos algemados, evidenciando uma trama que tinha o claro propósito de criar na opinião pública uma corrente pela condenação.
Ao invadir o apartamento, as forças policiais não informaram aos dez cidadãos as razões de sua prisão; apenas na Polícia Judicial lhes foi dito que eram acusados de ser “terroristas”. Na audiência de instrução do caso, a promotora Diana Fernández, em uma incongruente intervenção diante do juiz Juan Pablo Hernández, que se mostrou distraído durante todo o tempo, os acusou de crime contra a segurança do Estado e expediu contra eles uma ordem de prisão preventiva, motivo pelo qual estão privados da liberdade há mais de cinco meses.
Em 26 de abril, ou seja, 53 dias depois da prisão ilegal, durante a madrugada foram realizadas invasões aos domicílios de familiares dos detidos, em várias cidades do país simultaneamente, violando-se novamente os direitos humanos. Usando um volume desproporcional de forças policiais, elementos fortemente armados e mascarados irromperam nas casas, criando terror entre crianças, mulheres e idosos, numa ação destinada a atemorizar os familiares, que durante todo o tempo foram a público exigir a liberdade dos dez detidos.
A promotora Diana Fernández justificou esse ato violento ao argumento de que haviam sido encontradas novas evidências. Essas “provas” eram livros de Direito Constitucional, panfletos de várias organizações sociais, cadernos da Universidade Central, livros de Ciências Sociais de autores como Agustín Cueva, a Enciclopédia Universal Ilustrada, DVDs de filmes como O último rei da Escócia, O exorcista etc., CDs de música de protesto (como as do cantor equatoriano Jaime Guevara), fotos como as da filha de um dos detidos que tinha ao fundo uma imagem de Che Guevara e computadores, instrumentos de trabalho e estudo dos outros membros da família.
Esse processo, que nasceu contraditório, atropelado e violador de direitos fundamentais, apresenta como justificativa o fato de que, na marcha indígena e popular de março, estavam elementos desestabilizadores da democracia. O governo encontrou, na reunião desses trabalhadores e jovens estudantes, a oportunidade de contar com um “bode expiatório”. A enorme campanha publicitária oficial para deslegitimar a “Marcha por Água, Vida e Dignidade para os Povos” terminou saturando a população e não teve os efeitos esperados.
Entretanto, e em que pese o que há de inconstitucional e ilegal no processo, a ingerência do governo na atuação da promotora e dos juízes foi notada desde o início (na audiência de instrução do processo estava presente o vice-ministro do Interior, Javier Córdova). Uma semana após a detenção, o presidente Rafael Correa criticou a imprensa por não ter dado a devida importância àquilo que ele entendia que o caso possuía. Na contramarcha organizada pelo governo, no dia 22 de março, o presidente fez referência aos detidos em seis discursos, qualificando-os como “desestabilizadores”; já o ministro José Serrano fez ameaças contra quem assumiu a defesa dos detidos. Tudo isso mostra o interesse de conseguir uma condenação por um crime inexistente que eles não foram capazes de provar.
Essas detenções se mostram como ilegais e violadoras dos direitos humanos e da Constituição do Equador, que garante o direito de todos os cidadãos a participar do espaço público como local de deliberação, nos assuntos de interesse público, como o bem-estar, a educação, a saúde, o trabalho e a moradia, o direito de opinar e expressar seu pensamento livremente e em todas as suas formas, a liberdade de consciência, de associação, reunião e mobilização de forma livre e voluntária. O exercício desses direitos não pode se constituir em delito contra a segurança do Estado. O que faziam esses jovens estudantes e trabalhadores era exercer seus direitos.
Os dez detidos em Luluncoto são presos políticos, aos quais se causa um grave dano: vários deles perderam seus empregos, tiveram seus estudos prejudicados, foram separados de suas famílias e amigos e impedidos de ter uma vida normal.
Os familiares recorreram aos organismos de direitos humanos e à Defensoria do Povo, conversaram com o juiz espanhol Baltazar Garzón para que viabilize um processo justo e livre das claras pressões políticas do governo, que busca uma condenação a qualquer custo.
A condição de um preso político demanda a resposta da comunidade internacional, povos e pessoas democráticas e comprometidas com os mais elevados valores humanos. Por isso, os familiares dos dez presos políticos de Luluncoto solicitam uma ação imediata, dentro e fora do país, que impeça a continuação dessa injustiça e a ameaça de uma prisão de anos que destrua a vida desse grupo de jovens – e de suas famílias.
“O que queremos é justiça, o cumprimento do devido processo e das leis do país, suspensão da perseguição e das ameaças do governo, o fim do uso da imprensa para exercer um ‘linchamento midiático’, e que o sistema judicial atue com independência. Se a justiça se expressar, os familiares vítimas dessa montagem sairão livres de maneira imediata e se impedirá que casos como este se repitam uma e outra vez”, declarou a A Verdade Ramiro Vinueza, representante do comitê pela liberdade dos 10 presos políticos de Luluncoto.
Liberdade para os presos políticos do Equador !
Da Redação