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sábado, 27 de julho de 2024

Livro Travessias torturadas, de Dermi Azevedo, é lançado em Belém

Livro Travessias torturadas, de Dermi Azevedo, é lançado em BelémO jornalista e ex-preso político Dermi Azevedo lançou em Belém, na noite do útlimo dia 06, o livro Travessias torturadas – Direitos Humanos e ditadura no Brasil, uma autobiografia que se propõe a “reforçar a esperança em um Brasil justo, fraterno e solidário”, segundo as palavras do autor.

O lançamento ocorreu na Livraria Fox e contou com a presença de amigos, parentes e militantes de movimentos sociais em Belém.

Dermi Azevedo foi preso político em 1968, no XXX Congresso da UNE em Ibiúna, e em 1974, em São Paulo. É anistiado político e participou como um dos representantes da sociedade civil brasileira na II Conferência Mundial de Direitos Humanos da ONU, em Viena (Áustria), em 1993.

No livro, Dermi expõe uma carta a Manoel Lisboa e Emmanuel Bezerra, dirigentes do Partido Comunista Revolucionário, responsáveis pelo seu recrutamento ao PCR na época em que militou no movimento estudantil em Natal – RN.

Transcrevemos aqui o teor da carta:

Camaradas Emanuel e Manoel Lisboa,

Faz tempo que nós não nos encontrávamos pessoalmente. Estivemos juntos em São Paulo, durante o governo de Luiza Erundina, quando seus corpos foram trasladados para o Nordeste. Foi cumprido, assim, o ritual exigido pelos homens e mulheres justos de todos os tempos: o cerimonial que indica para toda a sociedade um parâmetro eterno e imprescritível, o da dignidade humana. Confesso que chorei discreta e copiosamente ao ver aqueles ossos e aquelas sandálias carcomidos pelo tempo. Misteriosamente, os ossos se juntaram e surpreenderam os carcereiros e seus chefes, certos que estavam de que vocês tinham sido esmagados para sempre…

Emanuel e Manoel: eles entenderam tudo errado. Não foram capazes de compreender que, mais cedo ou mais tarde, vocês sairão novamente pelas ruas, plenos de vida, como líderes de uma nova sociedade de homens e mulheres livres. Aliás, camaradas, vocês sabem muito bem que os corpos podem ser triturados inumeráveis vezes; a vitória dos inimigos do povo poderá ser proclamada em decretos, discursos e festejada em orgiásticas manifestações. Mas ninguém será capaz de aprisionar e de matar a chama de vida permanentemente acesa no coração de cada criança, de cada menina, de cada menino, de cada jovem, de cada mãe, de cada pai…

Depois de todo esse longo período voltei a encontrá-los em Belém do Pará, no ato público organizado pelo PCR. Reencontrei-os na pessoa de Cajá. Fazia tempo que nós não nos víamos, mas voltou a ocorrer, nessa noite, o que acontece entre verdadeiros amigos: os assuntos estão sempre na ordem do dia, como se a reunião anterior tivesse acontecido na véspera…

Anotei na minha memória que a marca registrada do ato em Belém foi a da simplicidade. Vocês sabem, aliás, que foram homens e mulheres simples todos os grandes revolucionários: Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Zumbi, Che Guevara, Ho Chi Minh, Ben Bella, Agostinho Neto, Luiz Carlos Prestes, Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Gregório Bezerra, Djalma Maranhão, Pedro Pomar, Amaro Luís de Carvalho, frei Tito, irmã Dorothy Stang, Margarida Maria Alves, Vladimir Herzog, entre tantos outros nomes de heróis e heroínas na história da humanidade.

O nosso último encontro pessoal, camaradas, aconteceu numa tarde de sábado de 1967, numa tosca escadaria entre a Cidade Alta e a Ribeira, em Natal. Refletimos sobre a terrível conjuntura que se abatera no Brasil, desde que o Estado policial, repressivo e torturador se abateu sobre a Nação em nome da “segurança nacional”. Nessa reunião, discutimos o que poderia ser a melhor estratégia para o movimento estudantil naquele momento histórico. Você, Manoel, resumiu didaticamente a orientação do Partido: o nosso movimento deveria empenhar-se na luta para desgastar a ditadura e na formação de quadros para a Revolução.

Antes desse sábado, eu me encontrara com você, Emanuel. E você confiou-me a primeira tarefa: estudar e fazer um resumo do livro “Princípios fundamentais de Filosofia”, do filósofo marxista francês Georges Politzer. Lembro-me muito bem o que você me disse naquele momento: “Procure ler e estudar esse livro com espírito revolucionário e não burocrático. Estude sempre e tenha sempre em mente o projeto que move a nossa vida, que é o de construir, na luta, um mundo livre da exploração do ser humano”. Ao registrar essas memórias, quero enfatizar que tenho bem presente, em todo o meu ser, o significado de todo um processo existencial. Nele, aprendi as lições de simplicidade e ternura dos meus pais José e Amélia; de engajamento e de firmeza ideológica de Emanuel Bezerra, Manoel Lisboa de Moura e de outros companheiros de luta contra a ditadura; de honestidade e de espírito científico de professores como Paulo Sérgio Pinheiro e Benjamin de Souza Netto; de compromisso evangélico de Antônio Henrique Pereira Neto, Paulo Evaristo Arns, Pedro Casaldáliga, Tomás Balduíno e Sumio Takatsu; de engajamento revolucionário de Ana Lobo e de sua filha Elsa, de Eliana Rollemberg, de Isabel Peres e de Maria Sala; de consciência de classe de Valdemar Rossi, Nelson Martinez, José Luiz Brum, Brás Joison, Nilson, Gaúcho; de engajamento em favor dos direitos humanos de Roberto Monte, Nilmário Miranda, Perly Cipriano, Nilda Turra e Marga Rothe. Aprendi também que não basta dizer-se de esquerda para proclamar-se militante. Em muitos casos, sobretudo com respeito à condição feminina, as violências acontecem mais no campo progressista.

Em todas essas andanças, sempre tentei ser amoroso. Fracassei muitas vezes. Mas continuo pensando que, sem amor, a vida se esteriliza. O amor verdadeiro exige um exercício permanente de busca, paciência e de recomeço. Poder-se-ia perguntar: como é possível falar em amor depois de ter vivido e de relembrar tantas tragédias? Responderia que o ser humano não é uma pedra jogada no espaço. Sua primeira vocação é a de amorizar o mundo. Isto significa lutar por relações humanas autênticas e construir um espaço vital inspirado na liberdade, na igualdade e na fraternidade. Significa também eliminar todos os fatores que levaram a sociedade a ser um recanto de bem-estar para poucos e de miséria para bilhões de seres humanos.

Se fosse preciso recomeçaria a luta outra vez. Voltaria às ruas de Natal para participar de passeatas estudantis. Reencontraria outros militantes para a partilha de leituras e de estudos. Se fosse preciso, pediria de novo o apoio e o refugio a outros militantes. E continuaria a sonhar como um mundo novo, de homens e de mulheres novos.

Emerson Lira

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