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quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

O Socialismo Científico – Parte II

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O conflito entre o regime da produção e o regime da propriedade

Em que consiste esse conflito?

Antes de sobrevir a produção capitalista, isto é, na Idade Média, dominava, com caráter geral, a pequena indústria, baseada na propriedade privada do trabalhador sobre seus meios de produção: no campo, a agricultura corria a cargo de pequenos lavradores, livres ou vassalos; nas cidades, a indústria achava-se em mãos dos artesãos. Os meios de trabalho – a terra, os instrumentos agrícolas, a oficina, as ferramentas – eram meios de trabalho individual, destinados unicamente ao uso individual e, portanto, forçosamente, mesquinhos, diminutos, limitados. Mas isso mesmo levava a que pertencessem, em geral, ao próprio produtor. O papel histórico do modo capitalista de produção e seu portador – a burguesia – consistiu precisamente em concentrar e desenvolver esses dispersos e mesquinhos meios de produção, transformando-os nas poderosas alavancas produtoras dos tempos atuais.

Esse processo, que a burguesia vem desenvolvendo desde o século XV e que passa historicamente pelas três etapas da cooperação simples, a manufatura e a grande indústria, é minuciosamente exposto por Marx na seção quarta de OCapital. Mas a burguesia, como fica também demonstrado nessa obra, não podia converter aqueles primitivos meios de produção em poderosas forças produtivas sem transformá-los de meios individuais de produção em meios sociais, só manejáveis por uma coletividade de homens. A roca, o tear manual e o martelo do ferreiro foram substituídos pela máquina de fiar, pelo tear mecânico, pelo martelo movido a vapor; a oficina individual deu o lugar à fábrica, que impõe a cooperação de centenas e milhares de operários. E, com os meios de produção, transformou-se a própria produção, deixando de ser uma cadeia de atos individuais para converter-se numa cadeia de atos sociais, e os produtos transformaram-se de produtos individuais em produtos sociais. O fio, as telas, os artigos de metal que agora saíam da fábrica eram produto do trabalho coletivo de um grande número de operários, por cujas mãos tinha que passar sucessivamente para sua elaboração. Já ninguém podia dizer: isso foi feito por mim, esse produto é meu.

Mas onde a produção tem por forma principal um regime de divisão social do trabalho criado paulatinamente, por impulso elementar, sem sujeição a plano algum, a produção imprime aos produtos a forma de mercadoria, cuja troca, compra e venda permitem aos diferentes produtores individuais satisfazer suas diversas necessidades. E isso era o que acontecia na Idade Média. O camponês, por exemplo, vendia ao artesão os produtos da terra, comprando-lhe em troca os artigos elaborados em sua oficina. Nessa sociedade de produtores isolados, de produtores de mercadorias, veio a introduzir-se mais tarde o novo modo de produção. Em meio àquela divisão elementar do trabalho, sem plano nem sistema, que imperava no seio de toda a sociedade, o novo modo de produção implantou a divisão planificada do trabalho dentro de cada fábrica; ao lado da produção individual surgiu a produção social. Os produtos de ambas eram vendidos no mesmo mercado e, portanto, a preços aproximadamente iguais. Mas a organização planificada podia mais que a divisão elementar do trabalho; as fábricas em que o trabalho estava organizado socialmente elaboravam seus produtos mais baratos que os pequenos produtores isolados. A produção individual foi pouco a pouco sucumbindo em todos os campos e a produção social revolucionou todo o antigo modo de produção. Contudo, esse caráter revolucionário passava despercebido; tão despercebido que, pelo contrário, se implantava com a única e exclusiva finalidade de aumentar e fomentar a produção de mercadorias. Nasceu diretamente ligada a certos setores de produção e troca de mercadorias que já vinham funcionando: o capital comercial, a indústria artesanal e o trabalho assalariado. E já que surgia como uma nova forma de produção de mercadorias, mantiveram-se em pleno vigor sob ela as formas de apropriação da produção de mercadorias.

Na produção de mercadorias, tal como se havia desenvolvido na Idade Média, não podia surgir o problema de a quem pertencer os produtos do trabalho. O produtor individual criava-os, geralmente, com matérias-primas de sua propriedade, produzidas não poucas vezes por ele mesmo, com seus próprios meios de trabalho e elaborados com seu próprio trabalho manual ou de sua família. Não necessitava, portanto, apropriar-se deles, pois já eram seus pelo simples fato de produzi-los. A propriedade dos produtos baseava-se, pois, no trabalho pessoal. E mesmo naqueles casos em que se empregava a ajuda alheia, esta era, em regra, acessória, e recebia freqüentemente, além do salário, outra compensação: o aprendiz e o oficial das corporações não trabalhavam menos pelo salário e pela comida do que para aprender a chegar a ser mestres algum dia. Sobrevém a concentração dos meios de produção em grandes oficinas e manufaturas, sua transformação em meios de produção realmente sociais. Entretanto, esses meios de produção e seus produtos sociais foram considerados como se continuassem a ser o que eram antes: meios de produção e produtos individuais. E se até aqui o proprietário dos meios de trabalho se apropriara dos produtos, porque eram, geralmente, produtos seus e a ajuda constituía uma exceção, agora o proprietário dos meios de trabalho continuava apoderando-se do produto, embora já não fosse um produto seu, mas fruto exclusivo do trabalho alheio. Desse modo, os produtos, criados agora socialmente, não passavam a ser propriedade daqueles que haviam posto realmente em marcha os meios de produção e eram realmente seus criadores, mas do capitalista. Os meios de produção e a produção foram convertidos essencialmente em fatores sociais. E, no entanto, viam-se submetidos a uma forma de apropriação que pressupõe a produção privada individual, isto é, aquela em que cada qual é dono de seu próprio produto e, como tal, comparece com ele ao mercado. O modo de produção se vê sujeito a essa forma de apropriação apesar de destruir o pressuposto sobre o qual repousa. Nessa contradição, que imprime ao novo modo de produção o seu caráter capitalista, encerra-se em germe, todo o conflito dos tempos atuais. E quanto mais o novo modo de produção se impõe e impera em todos os campos fundamentais da produção e em todos os países economicamente importantes, afastando a produção individual, salvo vestígios insignificantes, maior é a evidência com que se revela a incompatibilidade entre a produção social e a apropriação capitalista.

(Extraído do livro Do socialismo utópico ao socialismo científico de F. Engels)

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