O jornal A Verdade entrou em contato com Neilda Pereira da Silva, coordenadora-geral da Cáritas Diocesana e coordenadora-executiva da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) pelo Estado de Pernambuco, para falar sobre a transposição do Rio São Francisco. “As obras do Projeto São Francisco estão em andamento e apontam mais de 43% de avanço. Estão em construção túneis, canais, aquedutos e barragens, conforme dados atualizados em 24 de junho do Ministério da Integração Nacional”. Neilda é formada em Filosofia, com especialização em Gestão Pública e Controladoria.
A Verdade – Que avaliação a ASA faz sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco?
Neilda Pereira da Silva – A ASA acredita que o Semiárido precisa é da descentralização dos recursos hídricos e do aproveitamento da água da chuva que costuma ser desperdiçada. O Semiárido brasileiro é o mais chuvoso do mundo. Em anos com precipitação normal, chove de 300 a 800 mm/ano. Por isso que a ASA defende e implementa ações que descentralizam a água para as famílias agricultoras que vivem na zona rural de todo o Semiárido. Só através desta descentralização, da criação de uma infraestrutura hídrica colocada na propriedade de cada família agricultora, é que se superará a dificuldade do acesso à água na região.
O Tribunal de Contas da União diz que o projeto não beneficiará o número de pessoas propagandeado. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) observou que pelo menos 30% da água se perderia por evaporação. Por isso, acreditamos em políticas que, de fato, cheguem até as pessoas considerando suas especificidades.
De acordo com o Governo, esta obra vai assegurar oferta de água para 12 milhões de habitantes de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Qual a opinião da ASA sobre os dados apresentados pelo Governo?
Estudos apontam que o projeto de transposição do Rio São Francisco atingirá apenas 5% do território do Semiárido brasileiro e 0,3 % da população, ou seja, 66 mil pessoas. Enquanto isso, as ações da ASA já alcançaram 1.076 municípios e mais de 2,5 milhões de pessoas. Apenas 4% da água do São Francisco, transportada a um custo altíssimo, será destinada à chamada população difusa – público direto do trabalho das organizações da ASA. Ao passo que 26% do volume transportado será para uso urbano e industrial e 70% para irrigação (carcinicultura – criação de camarão –, floricultura e hortifrutigranjeiros) de produtos para exportação.
O custo da transposição é de R$ 8,2 bilhões. A ASA Brasil chegou a avaliar quais ações poderiam ser feitas para beneficiar a população urbana e rural do Semiárido, de modo a ter uma convivência com este clima?
A ASA tem pautado em vários espaços um conjunto de propostas na linha da convivência com o Semiárido, entre elas, podemos citar: acesso à terra, segurança hídrica e alimentar, acesso a mercado, assistência técnica e outros. Acreditamos que o Semiárido brasileiro é rico, porém precisamos pensar em políticas públicas adequadas ao clima.
O Semiárido brasileiro corresponde a 86,48% dos Estados do Nordeste. Pessoas afirmam que uma das principais dificuldades para o desenvolvimento da região é a cerca e não a seca. Existe algum estudo sobre a concentração de terras nesta região?
Esse trocadilho serve e não se refere somente à questão da terra no Nordeste, mas também à água. Os reservatórios acima do São Francisco acumulam 10 bilhões de metros cúbicos. O Ceará acumula 80% deste manancial. Os 70 mil açudes da região perdem 95% de água por evaporação. Por isso que a solução para o Semiárido, onde “chove pra cima” três vezes mais do que para baixo, não são as grandes obras, que acumulam grande volume de água. Com relação à concentração de terra, fazendo uma retrospectiva dos últimos anos, não temos avançado em nada no debate da reforma agrária.
Ao que parece, a transposição será muito importante para as grandes empresas de fruticultura irrigada (agronegócio) em toda sua cadeia (empresas de adubos, agrotóxicos, máquinas e equipamentos de irrigação, etc.). Na sua avaliação, após a conclusão dessa obra, que benefícios concretos ficarão para a população pobre do Semiárido?
Essa obra está consumindo dos cofres públicos R$ 8,2 bilhões. Enquanto a ASA, desde o seu início, em 2003, até o 2011, investiu R$ 677 milhões (8,25% do total estimado com a transposição) em ações que construíram uma malha hídrica descentralizada em todo o Semiárido, através de parcerias com o Governo Federal, empresas privadas e entidades de cooperação internacional.
Hinamar A. Medeiros, Recife