Legalizar o aborto para proteger a vida das mulheres

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Agência Brasil - ABr - Empresa Brasil de Comunicação - EBC

Nas últimas semanas, o tema do aborto ocupou grande destaque nos noticiários devido à morte de duas mulheres no Rio de Janeiro após tentarem interromper a gravidez em clínicas clandestinas.

Jandira Magdalena dos Santos Cruz, de 27 anos, e Elisângela Barbosa, de 32 anos, assim como milhares de outras mulheres brasileiras, perderam e continuam perdendo suas vidas precocemente porque o aborto ainda é considerado crime no Brasil e o debate sobre sua legalização é boicotado pelos setores mais reacionários do país.

Aborto inseguro

O aborto inseguro é aquele feito por um indivíduo sem prática, habilidade e conhecimentos necessários ou em ambiente sem condições de higiene. No Brasil, de acordo com o DataSUS, o aborto inseguro é a quinta causa de morte materna, vitimando uma mulher a cada dois dias. Na Europa, onde a interrupção voluntária da gravidez é permita pela maioria dos países, 90% dos abortos são seguros.

Na maioria dos casos, as mulheres pobres são as principais vítimas de problemas decorrentes de abortos inseguros. “Existe uma diferença entre aborto clandestino e inseguro. O aborto clandestino não é necessariamente inseguro. Ele pode ser feito em clínicas clandestinas, porém com todas as condições de higiene, por médicos treinados, quando a mulher tem dinheiro para pagar”, afirma Jefferson Drezett, ginecologista e obstetra representante do Grupo de Estudos do Aborto (GEA).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de um milhão de abortos ocorrem por ano no Brasil, ou seja, mesmo sendo proibido, as mulheres não deixam de recorrer ao procedimento. Logo, se queremos que casos como os de Jandira e Elisângela não ocorram mais, é preciso debater seriamente e sem preconceito o tema da legalização do aborto e o direito da mulher em decidir sobre seu corpo, pois estamos falando de um problema de saúde pública e da vida de milhões de mulheres.

É o que defende o presidente do Conselho Federal de Medicina, Roberto Luiz d’Ávila. Segundo o médico, “não podemos fingir que não está acontecendo nada. As mulheres decidem interromper a gravidez hoje, decidiram ontem e vão decidir sempre. Enquanto as que podem pagar estiverem protegidas e fazendo esse aborto com segurança – e são as filhas de juízes, médicos e advogados muitas vezes –, ninguém vai se preocupar com aquelas que são de cor negra, pobres e não podem fazer essa interrupção da gravidez com segurança”.

Dito de outra forma, para as mulheres ricas, o aborto já é, de certa forma, legalizado, visto que pode ser feito em condições seguras e não sofre nenhum tipo de discriminação hipócrita da sociedade, ao contrário do que acontece com as mulheres pobres, a maior parte delas negras.

Países legalizaram aborto

Apesar de ainda ser um tabu no Brasil, o tema do aborto já foi abordado por uma série de outros países, que legalizaram a prática e garantiram às mulheres condições seguras de interromper a gravidez.

É o caso do Uruguai, que, desde que legalizou o aborto, em 2012, não registrou mais nenhuma morte materna em decorrência da interrupção consciente da gestação. Ao mesmo tempo, o país vizinho implementou uma política séria de planejamento familiar, educação sexual e atenção à mulher, que levou à diminuição do número de abortos de 33 mil para 4 mil por ano, derrubando o argumento dos defensores da criminalização do aborto de que, uma vez legalizado, a prática se tornaria corriqueira e generalizada.

Na verdade, em todos os países em que o aborto não é crime, como Holanda, Espanha e Alemanha, a taxa de mortalidade vem diminuindo ano após ano, bem como o número de interrupções, pois a legalização do aborto é acompanhada de uma política efetiva de planejamento reprodutivo e educação sexual.

Por que legalizar o aborto?

Hoje, a legislação brasileira só permite a interrupção da gravidez para fetos anencéfalos (em que não ocorreu formação do cérebro), em situações onde as mulheres correm risco de vida caso a gravidez continue e em casos de violência sexual. A mulher que fizer o aborto fora destes critérios pode responder a processo e até ser presa.

Essa proibição leva milhares de mulheres a procurar clínicas clandestinas de aborto ou simplesmente realizá-lo em casa, muitas vezes, sem as condições necessárias para garantir a segurança da gestante, daí o número tão grande de mortes.

Defender a vida das mulheres é defender seu direito a decidir sobre seu corpo, garantir melhores condições de vida e trabalho, uma rede de atendimento de saúde de qualidade e uma política de planejamento familiar e sexual que efetivamente funcione.

Chega de hipocrisia!

Os mesmos setores que defendem com unhas e dentes a criminalização do aborto com o argumento de que estão defendendo a vida, são os primeiros a virarem as costas à mãe e à criança pobre, que deverão enfrentar sozinhas e sem nenhum amparo do Estado todas as dificuldades impostas pelo sistema capitalista existente em nossa sociedade.

Logo, devemos lutar por uma política nacional de educação sexual para prevenir a gravidez indesejada, o uso de contraceptivo para não engravidar e a legalização do aborto para acabar com a morte de tantas Jandiras e Elisângelas pelo país.

Gabriela Gonçalves é professora no Rio de Janeiro