O Jovem Karl Marx

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O filme O Jovem Karl Marx, lançado no Festival de Cinema de Berlim, no início deste ano, e ainda sem lançamento oficial no Brasil, acaba de ser “lançado” no YouTube nos últimos dias de setembro numa versão com legendas em português.

Antes de poder ser visto pelo público brasileiro, as resenhas críticas sobre o filme na Europa davam conta, em geral, de que se tratava de uma obra sobre a amizade entre os revolucionários alemães Karl Marx e Friedrich Engels, ou sobre o contexto histórico-filosófico em que Marx iniciou sua trajetória intelectual e política. De fato, estas questões são bastante presentes no filme, mas, nem de longe, são seu centro.

O diretor do longa-metragem, Raoul Peck, 64 anos, nasceu em Porto Príncipe, capital do Haiti. Fugiu com sua família para o Congo, na África, por perseguição da ditadura de Papa Duvalier. Depois de emigrar para a Alemanha, onde trabalhou como fotógrafo, jornalista e se formou em Cinema, Peck voltou ao Haiti e viveu ainda nos EUA e na França. Ele é negro e se considera um ativista de esquerda, marxista.

A passagem pelo Congo marcou sua formação política, vindo a dirigir dois filmes sobre o líder revolucionário Patrice Lummumba. Também tem dois filmes sobre o Haiti, que denunciam a ditadura dos Duvalier e a miséria do país. Neste ano, concorreu ao Oscar de melhor documentário com Eu não sou seu negro, que trata do preconceito racial nos EUA. São, no total, 20 filmes realizados.

O pensamento revolucionário de Marx

Dito isto, e após assistir ao filme, fica claro que seu centro reside em evidenciar o quão importante foi Marx para a formação de uma consciência de classe revolucionária e científica para o proletariado lutar contra o capital.

Quem assistir a O Jovem Karl Marx terá uma noção básica do contexto histórico vivido por Marx e Engels e sairá com a sensação de que as teses filosóficas, políticas e econômicas do marxismo superaram em muito as teses idealistas, utópicas e anarquistas dos demais pensadores da época.

O filme começa com uma cena forte, retratando o episódio do “roubo da lenha”, em que os camponeses pobres da Prússia (hoje Alemanha), passaram a ser criminalizados e até assassinados pelo Governo por apanhar lenha caída na floresta. Este fato marcou profundamente o pensamento de Marx acerca do papel do Estado e da propriedade privada.

Logo em seguida, a narrativa faz um giro para o interior de uma das fábricas de tecidos do pai de Engels, em Manchester, Inglaterra, mostrando a revolta dos operários, especialmente das mulheres, contra a completa falta de condições de trabalho, os acidentes e o salário de fome. Ao mesmo tempo, o também jovem Friedrich Engels enfrenta as contradições de ser herdeiro de um grande grupo fabril, que explora sem piedade seus empregados, e de estar vivendo seu próprio despertar para o engajamento político enquanto comunista.

É Engels que apresenta a Marx, a partir de sua obra A situação da classe operária na Inglaterra, a face mais cruel do pauperismo a que estava submetido o proletariado moderno. Também diz ao futuro amigo, já na primeira oportunidade que têm para conversar, em julho de 1844, em Paris, que Marx é “o maior pensador materialista do nosso tempo, um gênio”. E ainda incentiva Marx a se debruçar sobre as obras dos economistas clássicos ingleses: “são a base de tudo”. Engels estava certo e Marx foi o homem capaz de superar estes pensadores e de produzir, anos depois, O Capital, crítica mais profunda ao sistema capitalista em sua dimensão econômica e filosófica.

Além da importância da grande amizade entre Marx e Engels, selada por uma grande unidade de pensamento, o filme evidencia também todo o amor e companheirismo presentes na relação de Marx com sua esposa Jenny, natural da mesma Trier, mas vinda da aristocrática família Westphalen. Para o irmão de Jenny, que chegou a ser ministro do Governo Prusssiano, Marx não passava de um “malvado socialista judeu, que não consegue sustentar a família com seus textos subversivos”. Ela, pelo contrário, nunca levou isso em consideração e se incorporou totalmente na luta revolucionária junto a seu companheiro.

Devido às inúmeras perseguições políticas que sofreu desde muito cedo, Marx, Jenny e suas filhas foram expulsos de seu próprio país em 1843, passando por França e Bélgica até se alojarem definitivamente em Londres, onde, em 1847, junto com Engels e sua companheira, a operária Mary Burns, estabelecem relações com a organização operária clandestina Liga dos Justos.

A luta entre as tendências no seio do nascente movimento operário se aguça, com Marx e Engels encabeçando a bandeira de que o proletariado deve marchar unido, apetrechado por uma concepção clara do mundo, a fim de canalizar suas forças para a luta contra sua classe antagônica, a burguesia. Além de derrotarem no plano teórico nomes então queridos pela massa operária, como o intelectual francês Proudhon e o alfaiate alemão Weitling, convencem a maioria dos componentes a mudar o nome da organização para Liga dos Comunistas e de lançar uma plataforma de crítica à sociedade burguesa, que proclamasse abertamente seus objetivos: daí surge o famoso Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848.

Pode-se dizer que a mensagem final do filme é, assim como no Manifesto: “Proletários de todos os países, uni-vos!”.

O Jovem Karl Marx é didático, contextualizado e bem definido politicamente. Merece ser visto por todos que se interessam pela causa da libertação da maioria do povo contra a exploração de uma minoria e serve de inspiração àqueles que já se decidiram por abraçar como sua a tarefa de impulsionar a luta pelo socialismo internacional.

Rafael Freire, jornalista