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quinta-feira, 25 de abril de 2024

A guerra contra a dominação cruel dos holandeses

Na Baixa Idade Média, Holanda e Bélgica (Países Baixos) tornaram-se o principal centro comercial da Europa. Os Países Baixos haviam sido dominados pela Espanha até o final do Século XVI.  A Independência da Holanda foi proclamada em 26 de julho de 1581. Seguiu-se a guerra de oitenta anos, e a Espanha só reconheceu formalmente a soberania holandesa no dia 30 de janeiro de 1648. Mesmo em guerra com a Espanha, a Holanda se desenvolveu, expandindo seu comércio por todo o Oriente. Um grupo de capitalistas holandeses criou a Companhia das Índias Ocidentais (WIC) em 1621 com a finalidade de ampliar os investimentos no açúcar brasileiro. Mas a Espanha proibiu que a Holanda mantivesse relações comerciais com as colônias espanholas. Os investidores avaliaram que valia a pena ir à guerra. Portugal, lembremos, foi anexado à Espanha, formando a União Ibérica, que durou de 1580 a 1640.

A empresa holandesa é clara e objetiva. Seu interesse é comercial. Ela não esconde sua meta por trás de objetivos religiosos ou morais, como fizera Portugal. Não chama padres ou pastores para abençoar a empreitada. A primeira invasão holandesa aconteceu na Bahia. A ocupação da Cidade de São Salvador (capital do Brasil até 1763) se deu no dia 8 de maio de 1624. Bastou um dia de luta, para os invasores dominarem a cidade e saquearem estabelecimentos comerciais, templos, prédios públicos, cartórios, etc.  Tropas da Bahia, Pernambuco e reforços enviados por Portugal e Espanha expulsaram-nos em 1º de maio de 1625.

Os holandeses atacaram, então, Pernambuco, capitania que mais produzia açúcar nessa terra. De 15 de fevereiro a 3 de março de 1630, dominaram Olinda,  capital da Província, Recife e a Ilha de Antônio Vaz, que viria a ser a cidade Maurícia. A população não os recebeu como libertadores. Abandonou as casas com o que podia levar e se refugiou nas matas. O governador Matias de Albuquerque (irmão do donatário Duarte Coelho) organizou o QG da Resistência no Arraial de Bom Jesus (elevação situada na atual Estrada do Arraial).

A Orientação da Companhia era incentivar a população a pôr os engenhos em funcionamento o mais breve possível. Os apelos, entretanto, não tiveram eco. Os invasores eram atacados mediante ações de guerrilha e sabotagem, especialmente em Olinda, com suas Sete Colinas e densa mata ao redor. A situação era desesperadora, as tropas dependiam exclu-sivamente dos alimentos que conseguiram apreender e do abastecimento vindo da Holanda. Em 1631, com os reforços enviados, tomam Itamaracá, onde constroem o Forte Orange.  A população foge. Está cada vez mais difícil manter Olinda. Depois de muita relutância, o Conselho aprova a proposta do coronel Waerdenburch: retirar-se e destruir a cidade.  Em poucos dias, os prédios de Olinda são demolidos e o material transportado para utilização em construções no Recife. Incendiada em vários pontos, a bela cidade arde em chamas!

A balança só pende a favor dos holandeses a partir de abril de 1632 com a deserção de Domingos Fernandes Calabar. Bravo lutador, ao lado de Matias de Albuquerque, ele não recebeu nenhuma recompensa material por essa mudança de lado. É o próprio Calabar que explica suas razões em carta a Matias de Albuquerque “…Depois de ter derramado meu sangue pela causa da escravidão, que é a que vós defendeis ainda, passo para este campo, não como traidor, mas como patriota, porque vejo que os hollandeses procuram implantar a liberdade no Brasil, enquanto os espanhóis e portugueses cada vez mais escravizam o meu país”. Com o engajamento de Calabar, as vitórias holandesas se sucedem; ao Norte, estendendo-se até a Paraíba e ao Rio Grande do Norte ou ao Sul, até Alagoas, expandindo-se depois para Sergipe e Maranhão. Quando o Arraial de Bom Jesus foi tomado pelos holandeses, Matias de Albuquerque com sua tropa em fuga para Alagoas enfrenta os holandeses em Porto Calvo (AL), terra natal de Calabar, que é aprisionado na ocasião e morto na forca em 22 de julho de 1635.

 As vitórias holandesas não significam lucro para a Companhia (WIC), pois não há organização da produção. O coronel Waerdenburch adota uma política de vingança, por não terem sido atendidos os seus apelos. As tropas acabam com tudo o que encontram pela frente. De abril de 1632 a dezembro de 1936, contabilizam povoações arrasadas, engenhos, armazéns, aglomerados rurais, bairros portuários e grande número de embarcações, animais e benfeitorias. A Espanha faz propostas de paz, todas recusadas pela Companhia, que impede os Estados Gerais (governo holandês) de negociar. Ainda considera que vale a pena investir na empreitada sangrenta. Para consolidar o poder na região ocupada e normalizar a economia, manda um estadista, o Conde João Maurício de Nassau-Siegen.

A verdade sobre Nassau

Nassau foi recebido com festas no Recife, dia 23 de janeiro de 1637, saudado como “Salvador da Nova Holanda“.  Sua primeira ação militar foi a retomada de Porto Calvo (AL). Generoso na vitória, tratou bem os prisioneiros, não permitiu saques, autorizou quem quisesse acompanhar a tropa derrotada. Abre logo negociação com os senhores de engenho. Publica edital dando prazo para aqueles que quisessem retomar a atividade, garantindo assistência e financiamento. Os que não atendessem ao chamado teriam suas propriedades confiscadas e vendidas aos interessados.  É permitido o comércio direto com importadores holandeses, ficando a Companhia com o monopólio de comércio de madeiras, material bélico e escravos. No final de 1638, 120 dos 166 engenhos estão funcionando; com as vendas, a Companhia embolsa 2 milhões de florins.

Faltava mão de obra, pois os escravos haviam fugido para Palmares ou se incorporado à luta contra os holandeses em defesa da propriedade de seus donos. Nassau organizou uma expedição à África e abasteceu o mercado pernambucano com novos escravos. Estudioso das ciências e admirador das artes, construiu palácios e pontes, implantou um jardim botânico, urbanizou o Recife

Em 1641, incorpora o Maranhão ao domínio holandês. No entanto, as construções e as novas conquistas exigem mais gastos, e os diretores da Companhia não estão mais dispostos a gastar. Com sua mentalidade capitalista de obter lucro acima de tudo, agora só queriam retorno. Responderam ao conde que  ele deveria desmobilizar parte da tropa e parar com suas obras, que teria o dinheiro necessário. Os acionistas da WIC não queriam mais despesas e, sim, maiores lucros.

O governador holandês não tem muito que fazer. Em 1644, os holandeses são expulsos do Maranhão. Enfraquecido, João Maurício de Nassau entrega o cargo. Deixa recomendações para o Conselho: prudência na cobrança dos empréstimos feitos aos senhores de engenho e plantadores de cana, moderação quanto ao aumento de tributos, bom tratamento e pagamento pontual às tropas, manutenção da liberdade religiosa (os holandeses eram protestantes calvinistas, mas não impuseram sua religião aos luso-brasileiros).

A nova administração não deu ouvida a Nassau. Impôs a cobrança das dívidas de maneira cruel.  A produção de açúcar parou. Muitos senhores de engenho fugiram para a Bahia. Os calvinistas começaram a perseguir os católicos.

Explode a insurreição

A primeira batalha vitoriosa aconteceu no dia 3 de agosto de 1645 no Morro das Tabocas, próximo a Vitória de Santo Antão, sendo os insurretos liderados por João Fernandes Vieira (senhor de engenho, ex-aliado dos holandeses) e Antônio Dias Cardoso, militar português. A seguir, juntaram-se a eles as tropas de André Vidal de Negreiros, filho de proprietários de engenho na Paraíba; Henrique Dias, filho de escravos africanos libertos, e Felipe Camarão ( Poti),  índio da tribo potiguar.  Juntos, vêm tomando as fortalezas do litoral sul, até deixarem os holandeses encurralados novamente no Recife. A tentativa de ajuda holandesa pelo Norte fracassou, ante a resistência encarniçada dos moradores, com destaque para as mulheres do povoado do Tejucupapo  no dia 24 de abril de 1646 (Leia A Verdade, nº 74-jul/2006)

Sitiados em Pernambuco, os holandeses, ainda com domínio do mar, tentaram mais uma vez conquistar a Bahia e ocupam a ilha de Itaparica, bloqueando Salvador em 1647. A conquista foi violentíssima; os invasores mataram duas mil pessoas, incluindo mulheres e crianças, que foram passadas pela espada ou afogadas. O governo português mandou reforços e os holandeses foram expulsos em 1648. Voltando ao Recife, tentam retomar o litoral sul, sem êxito.  As tropas de terra, confinadas no Recife, tentam romper o cerco por duas vezes, sendo derrotadas em ambas: a primeira, no dia 19 de abril de 1648, e a segunda no dia 19 de fevereiro de 1649.

A partir dessa derrota, os holandeses voltam ao confinamento no Recife, fustigados pelas tropas luso-pernambucanas, até que Portugal resolve mandar poderosa esquadra que combate os holandeses no mar, enquanto em terra o assédio ao Recife avança. A 27 de janeiro de 1654, seus comandantes assinam a rendição na Campina da Taborda, fronteiriça ao Forte das Cinco Pontas. No dia 28, à frente dos comandados, o Mestre de Campo General Barreto de Menezes entra triunfante no Recife, que estivera 23 anos em poder da Holanda.

Avaliando a guerra contra os holandeses

A historiografia oficial (e até alguns analistas de esquerda) considera que a luta contra os holandeses representouo nascimento da nação brasileira. Pode ser que a semente de um sentimento nacional tenha se plantado naquele momento. Objetivamente, entretanto, não há nenhum sinal dessa consciência. Pernambuco se liberta da Holanda, mas retorna ao domínio português. Não há registro de que alguém tenha proposto naquele momento a independência nacional ou a independência de Pernambuco. Henrique Dias, por exemplo, quando perde um braço na batalha de Porto Calvo (1637), brada alto e bom som: “Resta-me um braço para servir a Deus e ao Rei”.Concretamente, a derrota dos holandeses fortaleceu o domínio português e os senhores de engenho, que puderam dedicar seus esforços à destruição do Quilombo dos Palmares (1695).

Outro mito é o da união de raças. Esta união existiu apenas do ponto de vista militar, para combater o invasor.  Mas cada segmento tinha seu comandante. Depois da vitória, tudo continuou como antes no quartel d’Abrantes: os negros continuaram escravizados e seus quilombos massacrados sem dó nem piedade; os índios (aliás, divididos, pois os tapuias apoiaram os holandeses) seguiram sendo usados ou dizimados, em consonância com os interesses dos colonizadores e seus descendentes.

Quanto ao endeusamento de João Maurício de Nassau, trata-se de mais um equívoco. Não é possível separar o empreendedor, o construtor, o hábil diplomata, do que ele representa: um projeto colonizador com a mesma essência do português, de explorar as riquezas do Brasil e mandá-las para a sua Companhia, cujo objetivo é o lucro máximo, objetivo de qualquer sociedade capitalista. O príncipe holandês manteve o sistema de trabalho escravo; não conseguindo destruir o Quilombo dos Palmares, foi buscar, a ferro e fogo, novos escravos na África. Como podemos festejar a eficiência de um administrador cujos serviços favorecem o inimigo que vem nos dominar e oprimir? Repetindo Júlio José Chiavennato em As Lutas do Povo Brasileiro, não basta ter povo morrendo para que uma causa seja popular.

José Levino, historiador

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