A Revolução Mexicana de 1910

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“Ao contemplar os alegres, amáveis e humildes homens que tanto se prodigalizaram em suas vidas e comodidades à heroica luta, não pude deixar de pensar: É uma terra digna de amor – esse México –  uma terra pela qual dá vontade de lutar”. São palavras do jornalista norte-americano John Reed (famoso internacionalmente por sua obra Os Dez Dias que Abalaram o Mundo). Quando expressou este pensamento de amor ao México, Reed, no fervor dos 20 anos, estava no olho do furacão, acompanhando tropas rebeldes por montanhas e desertos, vendo a morte nos olhos por di-versas ocasiões.

Esse México!

Era habitado por povos indígenas, especialmente os maias e os astecas, estes a grande maioria. Civilizações avançadas, com obras de irrigação, arquitetura, astronomia, entre outras, muito ouro e prata, usados para fabricar objetos artísticos para uso e admiração, pois eles desconheciam o comércio, o lucro, a ambição. Viviam nos ejidos, fazendas comunitárias, visto que a terra era pro-priedade coletiva.

No início do século XVI, eles chegaram. Os invasores espanhóis foram destruindo tudo o que encontravam pela frente, exterminando ou escravizando os nativos. A ponto de um sacerdote sensível que os acompanhava para abençoar a carnificina e fora nomeado bispo de Chiapas, ter rompido com seus compatriotas. Frei Bartolomeu de Las Casas indignou-se com tanta crueldade e lançou um anátema: “Com que direito ou justiça mantendes estes índios em servidão tão cruel e horrível? Com que autoridade travastes uma guerra detestável contra estas pessoas, que habitam com quietude e paz na sua própria terra?… Por que com o trabalho excessivo que exigis deles, adoecem e morrem, ou, na realidade, vós os matais com vosso desejo de extrair e adquirir ouro todos os dias?”

Desnecessário dizer que as bestas não lhe deram ouvido e o frade é que foi destituído da diocese; passou o resto da vida escrevendo sobre a experiência vivida, deixando seu testemunho para a eterni-dade.

Que independência?

Depois de anos de luta, aconteceu em 1821, mas não foi uma verdadeira independência, assim como aconteceu nos demais países latino-americanos. A economia continuou dependente e associada ao capital estrangeiro. No período da ditadura de Porfírio Diaz (1876-1911), a aliança burguesia nacional-latifúndio-capital estrangeiro, com apoio do Estado, da Igreja Católica e do Exército, investe contra as terras comunais em que viviam os camponeses pobres, mantendo a tradição que aprenderam com os indígenas. O capital estrangeiro já controlava a exploração de minérios, do petróleo, os bancos, a produção e distribuição de energia elétrica, as principais indústrias e o grande comércio.

Eis que ocorre uma cisão nas classes dominantes. Francisco Madero, filho de latifundiário, se rebela contra a ditadura de Porfírio Diaz, lidera um Movimento Constitucionalista e se candidata a presidente nas eleições de 1909, mas é preso e deportado para os Estados Unidos.

A guerra camponesa

Eclode a Revolução Mexicana, com a rebelião armada dos camponeses. Ao Norte, liderada por Pancho Villa e ao Sul por Emiliano Zapata. Embora com objetivos comuns – a defesa dos ejidos e a reforma agrária – os dois grupos não tinham articulação entre si. Somente em 1914, formalizaram uma frente comum (Pacto de Xoximilco, lago situado nas proximidades da capital mexicana), mas nem chegaram a desenvolver uma ação conjunta coordenada.

Zapata tinha uma visão política mais avançada. Sob o lema Terra e Liberdade, onde seu exército passava, ia organizando os ejidos, criando escolas técnicas, e instalando governos populares com base num regime de democracia participativa. Zapata chegou a governar o Estado de Morelos, situ-ado na região central do país.

Com tropas compostas por camponeses pobres, mal-armados e sem experiência militar, os exer-citos populares de Zapata e Villa impuseram derrotas memoráveis aos federais e colocaram Madero no governo em 1911.

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Imediatamente, Zapata apresenta ao novo governo o Plano Ayala (Ayala era a capital do Estado de Morelos), que prevê o reconhecimento dos ejidos (propriedade comunitária), expropriação dos latifúndios e nacionalização dos bens dos inimigos da Revolução.  Madero vacila. Tanto Zapata como Villa retomam a luta armada, e Madero é deposto em 1913.

Assume o general Vitoriano Huerta, apoiado pelor porfiristas (forças conservadoras). A luta camponesa cresce e ressurge o Movimento Constitucionalista nas cidades, com forte adesão dos setores médios. A classe operária é ainda incipiente, e seus dirigentes conciliadores e corporativistas.

Huerta cai em 1914, sendo sucedido por Venustiano Carranza, originário de uma família de médios proprietários de terra.  Carranza participara da luta constitucionalista ao lado de Madero e fora seu secretário. Assumindo, tratou de isolar o Movimento Camponês. Ordenou ao Exército fede-ral que continuasse o combate contra os exércitos camponeses e convocou uma assembléia consti-tuinte que excluía o campesinato. Adotou medidas nacionalistas, a exemplo da estatização do petró-leo, mas fez concessões a empresas petrolíferas estadunidenses.

Mesmo assim, o movimento constitucionalista urbano resolveu participar da Constituinte. A no-va Constituição aprovou medidas progressistas, como direitos e garantias individuais, leis trabalhis-tas, reconhecimento da propriedade comunitária (ejido) e propriedade do Estado sobre terras devo-lutas, águas e riquezas do subsolo. A Constituição Mexicana de 1917 é considerada pelos analistas como a mais avançada do mundo naquele momento, considerando seus aspectos econômicos e so-ciais.
Zapata e Villa não acreditaram numa Constituição na qual o campesinato não teve a menor participação. Parte dos camponeses, entretanto, se afastou da luta. Queriam esperar um pouco para ver se as medidas seriam concretizadas.

O enfraquecimento do Movimento deu causa, certamente, a que Zapata aceitasse um encontro com um general do exército federal, que fingiu simpatizar com a causa camponesa. Não tomando as medidas de segurança necessárias para um encontro desse tipo, o grande combatente, que disse certa vez “é melhor morrer de pé do que viver de joelhos”, foi abatido covardemente no dia 9 de abril de 1919. Após sua morte, o Exército Popular do Sul se desintegrou. Ao Norte, Pancho Villa fez acordo com o governo em 1920, depôs as armas e acabou assassinado em 20 de julho de 1923.

Álvaro Obregon, que depôs Carranza, governando de 1920 a 1924 e seu sucessor, Plutarco Elias Calles (1924-1928), ampliaram a reforma agrária, reconhecendo os ejidos e estendendo-os a 53% do território, e estabeleceram uma política agrícola que criou uma classe média rural, enfraquecendo o latifúndio. Por outro lado, mantiveram o modelo econômico dependente e associado ao capital estrangeiro.

Lázaro Cárdenas, que participara do Movimento Revolucionário, governou o México de 1934 a 1940. Ampliou e fortaleceu a reforma agrária, incentivando a formação de cooperativas comunitá-rias, aos moldes do programa zapatista, nacionalizou a indústria petrolífera e incentivou a organiza-ção dos camponeses e dos indígenas. Cárdenas apoiou o movimento republicano espanhol e deu gua-rida a centenas de exilados após sua derrota para os fascistas.

Em 1940, a direita vence o pleito eleitoral, estreita os vínculos com a política estadunidense e vai eliminando as conquistas da Revolução Mexicana. Simplesmente, retira o apoio estatal aos ejidos e fortalece a grande agricultura exportadora. Os ejidos, os pequenos e até os médios proprietários foram perdendo suas terras para os grandes grupos privados. O Movimento camponês renasce em 1960, liderado por Rubén Jaramillo, que havia combatido nas fileiras zapatistas. Encaminha as reivindicações pelas vias institucionais, mas vê que os caminhos estão barrados. Apela então para a luta armada até ser assassinado no Estado de Morelos em 1962.

Nos anos 60, aconteceu o chamado “Milagre Mexicano”, que forma uma numerosa classe média consumista, mas a maioria da população só pôde apreciar os bens de consumo modernos pelas vitrines das lojas. Aparentemente, entretanto, tudo era paz, a ser coroada pelas Olimpíadas de 1968.

Mas nesse ano, irrompe no mundo inteiro a rebelião da Juventude, e o México não fica de fora. Os estudantes foram às ruas reivindicando não apenas reformas estudantis, mas mudanças em todo o sistema econômico-político-social. Tudo terminou na Praça das Três Culturas (Cidade do México), onde uma quarta cultura se impôs – a da “ponta do sabre e bala de metralhadora”, varrendo a praça, deixando abatidos trezentos jovens. Foi o fatídico dia 2 de outubro de 1968.

Fechados os canais pacíficos, parte das lideranças do movimento partiu para a guerrilha urbana. Um grupo foi tentar a guerrilha rural junto aos indígenas maias de Chiapas. Os maias, que já haviam convertido frei Bartolomeu de Las Casas, convenceram também os garotos rebeldes a terem calma. No tempo certo, eles saberiam pegar nas armas. Os garotos, por sua vez, ensinaram os indígenas a verem além de suas comunidades, a compreenderem o que estava acontecendo no país e no mundo e o que isso tinha a ver com eles. Os guerrilheiros urbanos foram vitimados pela guerra suja que se abateu sobre toda a América Latina e também tiveram seus mortos, torturados e desaparecidos.

Uma crise econômica que se anunciava nos anos 70 foi contida pela abundância do petróleo mexicano. Aconteceu a “petrolização” do país. A economia (75% das exportações) e as finanças públicas passaram a depender completamente do petróleo, explorado (alguém tinha dúvidas?) pelas empresas texanas.

O início da década de 80 é marcado pela queda vertiginosa nos preços do petróleo. A economia mexicana entra em bancarrota. Em 1982, o governo de López Portillo decreta moratória e nacionaliza os bancos. Mas nos anos seguintes, o governo apela para o Fundo Monetário Internacional (FMI), que cede empréstimo de 9 bilhões de dólares e instala seus funcionários nos ministérios da área econômica do México.

É aplicada a velha receita: arrocho salarial, redução dos gastos públicos e entrega do patrimônio nacional ao capital estrangeiro e a seus sócios nacionais. Crescem o desemprego, a exclusão social, a marginalidade. Milhares tentam passar para seu vizinho dominador, os Estados Unidos, e grande parte encontra a prisão ou a morte na fronteira do falso “paraíso”.

A revolução camponesa retoma seu curso    

A adesão plena ao neoliberalismo (imperialismo) se formaliza em 1º de janeiro de 1994, com a assinatura do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), firmado pelos EUA, México e Panamá. O presidente do México, Carlos Salinas de Gortari, ainda comemorava a celebração do malfadado acordo, quando se revela ao mundo o bendito fruto de um casamento que acontecera nos idos de 1968.

O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), formado por indígenas maias de diversas comunidades e por remanescentes do movimento de 1968 (representados pelo subcomandante Marcos), na madrugada de 1º de Janeiro de 1994, com cerca de três mil insurgentes armados tomou o controle de quatro municípios do Estado de Chiapas: San Cristóbal de las Casas, Ocosingo, Altamirano e Margaritas. Tomou uma estação de rádio, atacou um quartel do Exército e divulgou a “1ª Declaração da Selva Lacandona”, da qual transcrevo o seguinte trecho: “Povo do México: Nós, homens e mulheres, íntegros e livres, estamos conscientes de que a guerra que declaramos é uma medida extrema, porém justa. Os ditadores estão aplicando uma guerra genocida não declarada contra nossos povos desde muitos anos; por isso, pedimos sua participação decidida, apoiando este plano do povo mexicano que luta por trabalho, terra, alimentação, saúde, educação, independência, líberdade, democracia, justiça e paz. Declaramos que não deixaremos de lutar até conseguirmos o atendimento das demandas básicas de nosso povo formando um governo de nosso país livre e democrático.”

O Zapatismo vive. Viva Zapata!

José Levino, historiador