Felipe dos Santos: “Jurei morrer pela liberdade”

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E o fogo varreu as ruas do Arraial de Ouro Podre, Município de Vila Rica, Província das Minas Gerais. E as casas foram reduzidas a cinzas. E quem sobreviveu foi para o olho da rua. Exceto os líderes populares como Felipe dos Santos e Tomé Afonso Pereira, levados para as masmorras coloniais. O primeiro, morto e esquartejado no dia 21 de julho de 1720. Por que tanta crueldade?

Passara a fase da exploração do pau-brasil. Agora, século 18, a extração de minérios tornara-se a principal fonte de riqueza da Colônia do Brasil. O Centro dessa atividade, a Real Capitania das Minas de Ouro e dos Campos Gerais.

As Câmaras de Vereadores, órgãos coloniais de administração, fixavam os tributos e os recolhiam, passando um quinto para Portugal. Mas as revoltas eram constantes e as câmaras perdiam o controle sobre a produção e comercialização dos minérios. Parece que os espíritos libertários haviam escolhido as montanhas de Vila Rica (atual cidade de Ouro Preto) para habitá-las.

Então a Coroa portuguesa intervém pesadamente. Proíbe o livre comércio e decreta o monopólio das Casas de Fundição. De imediato, envia tropas para garantir a aplicação das medidas, sob a responsabilidade do recém-nomeado governador da Província, D. Pedro Miguel de Almeida Portugal e Vasconcelos, o Conde de Assumar. Segundo o historiador Souto Maior, o conde era “um militar pouco inteligente e completamente inabilitado para a função que exercia”.

A revolta

“Dorme, meu menino, dorme
Que o mundo vai se acabar

Vieram fantasmas de fogo
São do Conde de Assumar
Pelo Arraial de Ouro Podre
Começa o incêndio a lavrar”

Há poucas informações sobre Felipe dos Santos Freire.  Mas os registros indicam que era português, tropeiro e pobre, bom orador, querido pelo povo e revoltado com a opressão do Reino de Portugal sobre o Brasil.

Todos eram prejudicados pelo tributo, agravado pelo monopólio estabelecido. Felipe dos Santos planejou mobilizar o povo. Economicamente, os mais ricos eram os principais atingidos. Ele buscou seu apoio, conseguindo de alguns, especialmente de Mosqueira Rosa e Pascoal da Silva Guimarães, cujo filho viria a trair o Movimento informando o Conde de Assumar e o Ouvidor de Vila Rica.

Era noite de São Pedro, ano de 1720. Enquanto os fogos, bombas juninas e tiros de bacamarte explodiam, um grupo de mascarados desce as montanhas de Ouro Preto e ocupa as ruas, incitando o povo a cercar a casa do ouvidor de Vila Rica, Martinho Vieira, que, avisado, já havia sumido.

O povo segue para a Câmara de Vereadores, ocupa o Paço Municipal e Felipe dos Santos apresenta o Memorial que será encaminhado ao governador com as seguintes reivindicações, informando que só deporão as armas quando todas forem atendidas:

  • Fim das casas de fundição.
  • Abolição dos monopólios do comércio de gado, sal, aguardente e fumo.
  • Redução de vários tributos.
  • Diminuição das custas processuais.

Um emissário, José Peixoto, foi enviado a Ribeirão do Carmo (atual cidade de Mariana), onde se encontrava o governador. Pelo caminho, ele buscava o apoio popular, informando de sua missão e bradando: Viva o Povo! As Gerais estão levantadas!

O Conde de Assumar não demonstrou nenhuma inabilidade. Disse ao emissário que simpatizava com as reivindicações e convocaria uma Junta Geral para analisar os pleitos; que os rebeldes voltassem à sua vida normal, que não haveria nenhuma punição.

A proposta foi rejeitada e no dia 2 de julho mil pessoas irrompiam pelas ruas de Ribeirão do Carmo. O conde havia se preparado. Aquartelou os soldados em sua residência, mobilizou o povo da cidade para se concentrar em frente à casa e receber calorosamente os revoltosos.

Fez um discurso conciliador, abriu a palavra para a liderança rebelde e, a cada pleito apresentado, respondia: “Deferido como pedem“. A multidão aplaudiu entusiasmada e os vila-riquenses voltaram em festa, comemorando a vitória. Alguns diziam que os próximos passos seriam a independência e a república.

Outros, porém, nascerão!

O Conde de Assumar não pretendia cumprir nenhuma das promessas. Os mineradores ricos desmobilizaram suas forças. Os líderes populares não acreditaram e continuaram pregando a revolta.

O conde escalou a tropa, conseguiu dos fazendeiros de Ribeirão a disponibilização de escravos, reuniu 1.500 homens. No dia 14 de julho, ocupou Vila Rica, prendeu os fazendeiros Manoel Mosqueira, Sebastião da Veiga Cabral, Pascoal da Silva e os frades que apoiavam o Movimento.

Organizaram a caçada aos líderes do povo, encontrando Felipe dos Santos falando para o povo em frente à igreja de Cachoeira e Tomé Afonso fazendo o mesmo em Sabará. Foram imediatamente levados para a prisão.

Mas o Conde de Assumar tinha sede de vingança e mandou incendiar o arraial do Morro, em Ouro Podre, onde os líderes residiam e tinham sua principal base de apoio. Foi uma devastação.

Dorme, meu menino, dorme
Dorme e não queiras sonhar
Morreu Felipe dos Santos
E por castigo exemplar
Depois de morto na forca
Mandaram-no esquartejar.

Felipe dos Santos, o mais popular dos líderes, foi escolhido para servir de exemplo aos que ousassem enfrentar o domínio de Portugal. Enforcado no dia 21 de julho de 1720, seu corpo foi amarrado à cauda de um cavalo e esquartejado. A seguir, cortaram-lhe a cabeça e expuseram-na num poste de Vila Rica, espalhando as outras partes pelas estradas da região.

Instalam-se as casas de fundição, soldados vigiam rigorosamente a produção e comercialização do ouro e outros minérios. O sonho de libertação é contido e não extinto. Ele voltará.

Dorme, meu menino, dorme
Que Deus te ensine a lição
Dos que sofrem neste mundo
Violência e perseguição.
Morreu Felipe dos Santos
Outros, porém, nascerão.

E nasceram. Brejo Salgado (1736), Montes Claros (1775), Vila Rica, outra vez, com a Conjuração Mineira e seu herói, Tiradentes (1789).  “Felipes dos Santos” morrendo, outros “felipes dos santos” nascendo, até o povo brasileiro conquistar sua verdadeira independência e soberania.

Nota: O poema reproduzido é uma composição de Sueli Costa sobre trecho doRomanceiro da Inconfidência, da poetisa Cecília Meireles. A música foi gravada por Chico Buarque de Holanda e pelo Quarteto em Cy

José Levino, historiador