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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Paulo Wright, cristão e subversivo

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Paulo Stuart Wright nasceu no dia 2 de junho de 1933 em Joaçaba, interior de Santa Catarina, filho de um casal de pastores presbiterianos estadunidenses: Latham Ephraim Wright e Maggie Belle Miller Wrigt. A Igreja Presbiteriana surge na França no Século XVI, tendo como referência as teses de João Calvino. Assim como Lutero, na Alemanha, Calvino se insurge contra a Igreja Católica Romana, vinculada aos interesses feudais, e propõe o retorno ao evangelho de Cristo.  Para Calvino, o trabalho justo é a medida que define se o ser humano está entre os escolhidos para a salvação divina.

Aprendendo o Valor do Trabalho

Por isso, na infância, o pai não lhe transmitiu apenas os ensinamentos bíblicos. Ensinou o valor do trabalho. As crianças ajudavam nas tarefas de casa, a cuidar de um pequeno roçado, a preparar o suco de uva; as tarefas eram distribuídas de acordo com a idade e as condições de cada uma, naturalmente.

Concluído o Primário, foi para o Instituto Metodista de Passo Fundo (RS) e terminado o científico, foi para os Estados Unidos, onde cursou sociologia e política. Já viajou noivo de Edimar Rickli, a Edi. Nas férias, arranjava emprego na construção civil e participava das greves da categoria. Escreveu para a noiva: “Minhas mãos já estão calejadas de manejar a pá. O seu noivo agora conhece o que significa trabalho”. Falava também com ternura: “Eu a amo numa forma maior do que posso medir ou explicar”. Como tinha também cidadania norte-americana, foi convocado para servir às Forças Armadas. Com certeza, teria ido para a Guerra da Coréia (1950-1953). Foge dos EUA.

São Paulo, novembro de 1956. Paulo Wright tira sua carteira profissional e registra como profissão, servente. Não se satisfazia em defender os operários; queria ser um deles. Mas em dezembro de 1956, dona Belle morre e Paulo se vê na obrigação de não deixar o pai sozinho. De volta à pequena Joaçaba, emprega-se como torneiro mecânico numa pequena indústria. Ajudou a fundar o sindicato dos metalúrgicos e apoiou a organização dos trabalhadores da construção civil e da indústria do papel e papelão. Entende que para contribuir com a libertação do povo, é preciso atuar também na política partidária. Ingressa no Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e se candidata a vereador em 1958, mas não é eleito.

Em 1959, o pai decide regressar para os Estados Unidos e Paulo volta com Edi, já casados, para São Paulo. Foi contratado como torneiro mecânico na Lambretta do Brasil S.A, e logo se tornou sócio do sindicato dos metalúrgicos. Continuava atuando na Igreja. Escreve no jornal da Juventude Presbiteriana: “O nosso testemunho no campo missionário e político é estarmos ao lado dos deserdados, sofrendo com os que sofrem, chorando com os que choram, nos alegrando com os que se alegram”.

No dia 10/10/59, nasce seu primeiro filho, Charles, que não sobrevive ao parto complicado por falta de assistência médica na Maternidade da Lapa, onde nasciam os filhos dos operários.  Em 1960, assume a Secretaria Regional da União Cristã de Estudantes do Brasil. Declara: “…Nossa maneira de amar o próximo deve ir além de ajudar aos mais necessitados. Devemos levar a sério nossa responsabilidade de acabar com a miséria e o analfabetismo”.

Nesse ano (1960), o casal volta para Joaçaba (SC), onde Paulo se candidata a prefeito e perde por apenas 11 votos. A direita usou como estratégia de campanha a idéia de que o povo não devia votar em comunista.

Foi chamado para dirigir a Imprensa Oficial do Estado. Mudou-se para Florianópolis, onde, em outubro de 1961, nasceu a filha, Leila Cristina. Dedicou-se a organizar os pescadores numa rede de cooperativas, para se livrarem dos atravessadores. Em 1962, é fundada a Fecopesca, com 27 cooperativas associadas. Foi acusado pela direita, de organizar “Ligas Marítimas Comunistas”, numa referência às Ligas Camponesas do Nordeste.

Mandato a Serviço do Povo

Em 1962, sem espaço no PTB, se elege deputado estadual pelo Partido Social Progressista (PSP). Seu mandato foi dedicado à organização dos trabalhadores, ao fortalecimento da Fecopesca, das entidades estudantis e populares. Escreve para um jornal estudantil: “…O foco de nossa atenção se concentra na luta pela construção de uma nova sociedade, para a formação de um novo homem”.

Em 1963, nasce seu filho, João Paulo, que veio trazer muita alegria, especialmente para Leila, então com dois anos, uma companhia para brincar.  No mesmo ano, nasce a Ação Popular (AP), formada por militantes jovens oriundos da Juventude Universitária Católica (JUC), União Cristã de Estudantes do Brasil e Associação Cristã dos Acadêmicos. A AP definia como objetivos mobilizar, organizar e conscientizar o povo brasileiro contra o capitalismo internacional, nacional e o feudalismo, priorizando as organizações operárias e camponesas.

Paulo se envolveu completamente na construção da AP. As forças organizadas das classes dominantes travam na Assembléia um combate a ele por suas “idéias comunistas”. O próprio PSP, partido pelo qual se elegeu, pressiona para que renuncie. Seu primeiro suplente, Manoel Santos (Mané Bicheiro) contrata um pistoleiro para matá-lo. Trata-se de um sargento da Polícia, que procura a vítima para ver se ele concorda em cobrir a oferta. Paulo convence-o a desistir da empreitada e juntos prestam uma queixa na Secretaria de Segurança Pública.

Cass(ç)ado pela Ditadura

Abril de 1964. O Golpe de Estado civil-militar derruba o governo de João Goulart. Vozes raras como Leonel Brizola e Paulo Wright pregam a resistência. A ditadura pressiona por sua cassação. Esta se dá em maio do mesmo ano, sob a fundamentação de “incompatibilidade com o sistema democrático que nos incumbe, como Assembléia da Revolução, defender e preservar”.

Acuado, ameaçado, Paulo se refugia na embaixada do México e sai do país. Do México, segue para Cuba, onde não pretende demorar. O tempo foi bem aproveitado. Visitou vários lugares, conversou com o povo, com missionários, com revolucionários, e participou de treinamento militar. Pensava, entretanto, que no Brasil não havia condições de desencandear a guerra de guerrilhas.

Nas palestras em território cubano, destacava que “Ao mesmo tempo, o homem pode ser cristão e socialista e muitos cristãos o são. No mundo de hoje, se vislumbra uma coincidência entre as aspirações dos cristãos e dos socialistas quanto à vida humana”.

Luta pelo Socialismo

Em 1965, aos 32 anos de idade, já chamado pelos garotos revolucionários de “tio”, Paulo Wright volta ao Brasil com o codinome de “João”, certamente para homenagear o filhinho. Integra a direção da AP.

Na clandestinidade, dedica-se de corpo e alma à organização da AP. Em 1967, um grupo de dirigentes foi conhecer a experiência chinesa, enquanto Paulo representou a Organização em Havana, na conferência da OLAS (Organização Latino-americana de Solidariedade). Considerou que a estratégia do foco guerrilheiro não se adequava à nossa realidade. Esta discussão provocou no ano seguinte o primeiro racha na AP. Seu amigo, padre Alípio Freitas, foi um dos que saiu e ajudou a fundar o PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores).

A maioria dos militantes permaneceu na AP e se aprofundou na linha chinesa, adotando o lema da proletarização. O Revolucionário tinha de ser proletário, sofrer a exploração capitalista, viver no meio do povo como peixe dentro da água. Para Paulo, isso não era novidade. Como dirigente, acompanhou as mudanças, que nem todos suportaram. Mas ele defendia que os que não tivessem condições de se proletarizar, deveriam continuar contribuindo com a organização na medida dos seus limites pessoais.

A AP desenvolveu experiências no meio operário (ABC paulista) e no campo: Vale do Pindaré (MA), Zona do Cacau (BA), Água Branca (AL) e Zona Canavieira de Pernambuco. Em março de 1971, a AP se define como Ação Popular Marxista-leninista (APML), tendo como guia os princípios de Marx, Lênin e Mao-Tsé-Tung.

No final de 1970, Edi não suporta mais a situação instável do casamento e pede  o desquite. Diz em carta ao cunhado, Jaime Wright: “Continuo a admirar o trabalho do Paulo, no entanto eu não consigo acompanhá-lo”. Em março de 1971, a sentença judicial determina o desquite “por estar provado o abandono voluntário do lar conjugal”.

A luta interna se aprofundou, quando a maioria da direção da APML defendeu sua incorporação ao Partido Comunista do Brasil (PC doB). Entre a minoria, estão Jair Ferreira de Sá e Paulo Wright. Eles consideram que essa fusão significa dar um passo atrás na luta pela libertação da classe operária da dominação político-ideológica burguesa. Para eles, o caráter da revolução brasileira é socialista. O fundamento é o esvaziamento progressivo do campo e o crescimento da industrialização, com perspectiva de em 10 anos, 70% da população estar nas cidades. Para conduzir essa revolução, preconizam um partido de novo tipo

Em outubro de 1972, são destituídos dos cargos de direção.  A maioria decide a incorporação ao PCdoB. Os remanescentes permanecem como APML, que fica conhecida como AP Socialista.

Paixão e Morte na Semana da Pátria

Setembro de 1973. A Repressão prepara na Semana da Pátria o cerco à AP, independentes ou integracionistas. 38 militantes são capturados no Recife, Rio, São Paulo e em Salvador.

Paulo Wrigt tinha um encontro com Osvaldo Rocha. Pegaram um trem no sentido São Paulo-Mauá. Os agentes também. Eles perceberam. Tentaram despistar. Osvaldo desceu antes. Foi preso ao chegar a casa. Paulo desceu depois; nunca mais foi visto. Na sala de tortura da Operação Bandeirantes (OBAN) do DOI/Codi de São Paulo, Osvaldo viu no chão a camisa com que Paulo estava vestido no seu último encontro.

O Reverendo Jaime Wrihgt, irmão e confidente de Paulo fez de tudo para descobrir seu paradeiro. Foi com um pastor, que também era tenente-coronel à OBAN, mas disseram que lá não havia nenhum preso com o nome do seu irmão. Brilhante Ulstra, torturador denunciado por vários sobreviventes, disse que havia encontrado uma pasta apenas com o título de eleitor de Paulo dentro, mas não o vira e de nada sabia. Jaime foi aos Estados Unidos, pois Paulo tinha dupla cidadania. Denunciou aos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, impetrou habeas corpus, e nada. Procurou Dom Paulo Evaristo Arns, a Comissão de Justiça e Paz. Pediu licença à Igreja Presbiteriana para trabalhar com dom Paulo e foi um dos coordenadores do projeto Brasil: Tortura Nunca Mais.

Paulo recebeu muitas homenagens. A Assembléia Legislativa de Santa Catarina revogou sua cassação em 1985. Um Plenarinho da Assembléia tem o seu nome, que também denomina logradouros públicos no Rio, Curitiba e Florianópolis. A Medalha Chico Mendes de Resistência foi dedicada a ele em 1991. O Estado brasileiro assumiu a responsabilidade por sua morte (Anexo da Lei 9.140/95).

Fonte: O Coronel tem um segredo – Paulo Wright não está em Cuba. Delora Jan Wright, Petrópolis, 1993

José Levino, historiador

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