Na página dedicada aos heróis e heroínas e às lutas do povo brasileiro, A Verdade tem homenageado aqueles(as) que, imolados(as) no altar satânico da tortura praticada pela Ditadura Militar (1964-1985), deram sua vida pela causa da libertação do nosso povo. Mais do que justo. Mas refletimos que muitos(as) militantes sobreviveram ao ritual do terror, superaram as sequelas (alguns não conseguiram, infelizmente, a exemplo de frei Tito Alencar, que se suicidou durante o exílio na França) e continuam acreditando e contribuindo com a construção de uma sociedade sem exploradores nem explorados, fundamentada na igualdade, na justiça, na solidariedade, na cooperação. Eles(Elas) também são nossos heróis e heroínas.
Entre estes(as) heróis e heroínas vivos(as), está Rosemeire Nogueira Clauset. ROSE NOGUEIRA é filha de espanhóis (lado paterno) com italianos (lado materno), mistura típica de São Paulo do século 20. Nasceu em 1946, em Jacareí (SP), cidade do Vale do Paraíba, “o doce rio que, ao contrário do Tietê, fornece a maior parte da água que bebemos por aqui”.
Ação Libertadora
Como centenas de jovens que não aceitaram a ditadura imposta ao povo brasileiro no ano de 1964, Rose ingressou na militância política. Casou com Luiz Roberto Clauset, ambos militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN). A ALN resultou de uma cisão do Partido Comunista Brasileiro (PCB), inicialmente chamada Agrupamento Comunista de São Paulo (AC/SP), liderada pelo baiano Carlos Marighella (leia Heróis do Povo Brasileiro, in A Verdade, nº 12), um dos líderes mais carismáticos do PCB, “um dos maiores brasileiros de todos os tempos”, diz Rose. Considerando que o PCB se mantinha inerte ante a ditadura, a ALN preconizava a formação de um Exército de Libertação Nacional, com base rural, para derrotar o Regime Militar e implementar um programa de transformação da sociedade brasileira, nacional, popular e anti-imperialista. As ações guerrilheiras começaram na cidade, como forma de arrecadar fundos e treinar os militantes para a implantação do movimento no campo.
As ações tiveram início ainda em 1968, ano de intensa mobilização estudantil, e se intensificaram após a edição do AI-5, que marcou o endurecimento do regime, fechou todos os canais de manifestação popular e adotou um sistema repressivo feroz, com um aparelho oficial e outro clandestino, ambos interligados. Em setembro de 1969, a ALN e o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro), em ação conjunta, sequestram o embaixador dos Estados Unidos no Brasil. A ação é vitoriosa, conseguindo a libertação de 15 prisioneiros políticos e a divulgação de um manifesto revolucionário nas redes de televisão, rádios e jornais.
Sucede-se uma escalada repressiva sem precedentes. Rose lembra detalhes do que ela denomina “essência do fascismo”. O incentivo à delação era tão forte que, “além dos cartazes com as fotos dos militantes perseguidos e a frase PROCURA-SE, circulavam panfletos incitando as pessoas: “se você perceber alguma movimentação à noite na casa do seu vizinho, denuncie à delegacia mais próxima“; “se alguém se mudar no domingo, isso é estranho; chame a polícia”; “se o seu vizinho varrer a casa fora de hora, chame a polícia“. Até as festas de aniversário em família tinham de ser comunicadas aos órgãos policiais.
A repressão atinge mortalmente a ALN, com sucessivas prisões, assassinatos e torturas, que levam ao grande líder Marighella, que resistiu à prisão e foi fuzilado na Alameda Casa Branca, Centro de São Paulo, no dia 4 de novembro de 1969.
Nas garras do monstro
Nessa mesma data, Rose e Luiz Roberto Clauset tiveram sua casa invadida por agentes policiais comandados pelo próprio Fleury. Ela havia dado à luz há um mês, apenas, seu rebento Cacá (Carlos Guilherme Clauset, hoje publicitário, jornalista e campeão de ralies). Fleury queria levar a criança para o Juizado de Menores, mas ela, bravamente resistiu: “só irei presa se deixar o menino com a família”. O monstro torturador ameaçou, mostrou o revólver, mas cedeu.
No Dops, não poderia ser diferente, a recepção foi rigorosa. Rose relata: “Na sala de Fleury, uma caveira desenhada com as letras embaixo E.M (Esquadrão da Morte). Empurrões, beliscões nas nádegas, palavrões”. Rose sangrava (parto recente), o leite escorria dos seios, pois não podia amamentar seu bebê. Tudo isso era motivo de zombaria e humilhações. “Olha aí a Miss Brasil, Pariu outro dia e já está magra, mas tem um quadril de vaca. Só pode ser uma vaca terrorista”. Muita dor, tortura física e psicológica, ameaçando trazer o filho para torturar em sua frente.
O sofrimento aumentou ainda mais quando viu e ouviu os soldados rindo e comemorando, na noite de 4 de novembro: “Matamos Marighella“. Rose o admirava muito, como revolucionário e pessoa humana especial. “Em minha casa, havia reuniões de Marighella com o Comando da ALN, com os frades dominicanos (grupo de religiosos que apoiava a ALN, entre os quais os freis Betto, Ivo, Fernando e Tito). Por algumas vezes, Marighella dormia lá em casa. Como eu não tinha nome de guerra (Rose tinha vida legal; ela e o marido trabalhavam na Folha da Tarde, onde frei Betto era chefe de reportagem), ele me chamava “filhinha”. Um dia, trouxe o livro Parto sem Dore fez exercícios respiratórios comigo. Que companheiro, que pessoa mais linda. Gostava de comer feijão com arroz e banana crua. Como esse misturado gostoso até hoje quando me lembro dele”.
A luta continua
Foram três anos de sofrimento na prisão. “Depois de tudo isso, fomos absolvidos no final de 1972. Foram três anos desesperados. No nosso processo, que eles chamavam de ALN-1, ou “Ala Marighella”, só os padres foram condenados. Acho que éramos uns 20 denunciados no processo. Penso que a ditadura queria, com isso, condenar o trabalho da Igreja Católica e, principalmente, a Teologia da Libertação”.
Rose Nogueira não desistiu. Preside o Grupo Tortura Nunca Mais em São Paulo, está engajada na luta pela abertura dos arquivos da repressão, pela punição dos torturadores, e continua acreditando na libertação do povo brasileiro. É heroína, sim, é exemplo para as novas gerações.
Box
Foi doloroso para Rose Nogueira relembrar o sofrimento, a saudade, aflorar a emoção daqueles dias, especialmente num momento em que sua genitora está gravemente doente. Já na véspera do fechamento desta edição, respondendo ao pedido de urgência no envio das respostas que faltavam, ela escreveu: “Fiquei muito mal e deprimida ao escrever sobre a prisão e, principalmente, ao falar do meu filho – que, por coincidência, chegou logo depois e fomos direto para a casa de minha mãe, na Vila Monumento (ao lado do histórico córrego Ipiranga, que ainda corre, mas hoje as margens plácidas são uma larga avenida de duas pistas) porque ela está passando muito doente. Tem câncer de abdome, com tumores no útero, na bexiga e no intestino. Dormi lá e cheguei agora em casa. É muito difícil escrever sobre as torturas. Chorei por tudo ontem. Pelo passado, pelo presente, por ser a mãe e por ser a filha. Espero que você entenda e me perdoe mais uma vez. Tenho de ir, neste momento, à reunião da Comissão de Justiça e Paz. Sou a presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e não posso faltar. Não é demorada. Mas todo meu dia, fora isso, será dedicado a você. É que a luta continua…”.
Obrigado, Rose! Nós é que pedimos perdão pela insistência.
José Levino, historiador
A Rose Nogueira, sempre foi uma lutadora, temos orgulho de te-la como irmã. Ela merece todas as homenagens que já foram feitas e que porventura vierem a ser feitas. Ela lutou muito pelos seus ideais e esta conseguindo vencer toda sua luta pelo povo brasileiro.
Eu gostaria de entrar em contato com a Sra Rose Nogueira., busco pelos pais biológicos da minha esposa, ela é uma “filha da ditadura”, foi criada por uma família de General do Exército., meu emai:l [email protected]