Estima-se que, no Brasil, a cada dois minutos cinco mulheres são agredidas e que seis em cada 10 brasileiros conhecem alguma mulher que foi vítima de violência doméstica. É o que aponta a pesquisa Percepções sobre a Violência Doméstica contra a Mulher no Brasil 2011, realizada pelo Ipsos com assessoria do Instituto Patrícia Galvão.
A pesquisa divulgou ainda o fato de que machismo e alcoolismo são apontados como os principais motivadores dessas agressões e sinaliza as razões pelas quais as mulheres continuam com uma relação mesmo após sofrer violência: falta de condições econômicas para se sustentar e sustentar os filhos, seguido pelo medo de serem mortas.
Também a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado, da Fundação Perseu Abramo/Sesc, de 2010, informa que mais de 80% dos casos denunciados de violência contra a mulher são praticados por maridos ou namorados.
Segundo ainda o Instituto Patrícia Galvão, é cada dia maior o número de casos denunciados que se enquadram em violência doméstica, isso porque o entendimento sobre as formas desse tipo de violência se ampliou entre a população brasileira. Os dados da pesquisa do Instituto Avon/Ipsos mostram que, além da violência física, a humilhação e a ameaça são consideradas agressões graves. A mesma pesquisa revela a descrença da população quanto à proteção jurídica e policial em caso de violência doméstica: 59% das mulheres e 47% dos homens entrevistados declaram não confiar na proteção proporcionada às mulheres por essas instâncias.
No Ceará, em Fortaleza, de janeiro de 2009 a outubro de 2011 foram registrados 20.728 casos de agressões. Somente este ano, a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) já registrou 8.909 boletins de ocorrência.
Tal situação não se restringe ao Brasil. Em 2007, o Conselho da Europa, na véspera das comemorações do Dia Internacional da Mulher, informou que entre 20% e 25% das mulheres europeias sofreram violência física pelo menos uma vez na vida, de acordo com um estudo realizado em 31 dos 46 países que formam a organização pan-europeia.
A opressão da mulher
A violência contra a mulher não começou ontem. Há séculos e até milênios a mulher é subjugada na sociedade. A violência física, sexual, psicológica contra a mulher – ou o “direito” de agredir mulheres – está ligada a uma relação de poder na sociedade. É como se determinada parcela da população tivesse o poder de ditar o que a mulher pode ou não fazer e, se ela não se submeter, deve apanhar para colocar-se no seu lugar.
Mulheres e homens são biologicamente diferentes e essas diferenças determinaram historicamente que cumprissem papéis sociais diferentes. Mas nos primórdios das sociedades essa divisão não significava nenhuma hierarquia. Não havia propriedade privada e todos trabalhavam e produziam o que era necessário para garantir a sobrevivência de todos, cumprindo tarefas diferentes, mas complementares para a comunidade.
Com o desenvolvimento da sociedade e a produção de excedentes, surgem as bases para a apropriação desses excedentes: a propriedade privada. A propriedade privada, por sua vez, traz outra necessidade: a herança, ou para quem deixar essa propriedade acumulada.
É somente a partir dessas novas necessidades que começa a existir a família como a conhecemos hoje, a família nuclear composta de um homem, uma mulher e seus filhos. Já que a maternidade era evidente, para a certificação da paternidade só havia uma forma: manter a mulher na esfera privada como forma de garantir sua monogamia e permitir somente ao homem a participação na esfera pública.
Não é difícil imaginar que manter a mulher subjugada a essa situação não foi fácil; muita opressão foi necessária para que a sociedade “naturalizasse” essa forma de viver. Era necessário que o homem exercesse poder sobre a mulher, que ditasse como deveria ser sua vida; era necessário construir a ideia de que a mulher é inferior e, por ser inferior, tem que acatar essa realidade e ser dirigida por um homem que sabe o que é melhor para ela.
Tal relação de poder entre esses dois gêneros perdura até hoje, ainda que em muitos aspectos tenha se alterado conforme a realidade. Até hoje carregamos as mazelas de uma sociedade que tenta manter a mulher restrita ao espaço privado, doméstico, cuidando de afazeres que socialmente são entendidos (porque foram construídos ideologicamente) como menores, como cuidar da casa e dos filhos.
Então a origem da opressão contra a mulher vem de uma relação social determinada por uma relação econômica, e sua manutenção acontece sobre essas mesmas bases. A submissão da mulher, pacificamente ou não, a uma relação de violência, está determinada, em última instância, por uma situação econômica. Uma mulher pobre, com filhos, sem formação profissional ou mesmo sem estudo, que não possui nada, nem condições de vender sua força de trabalho, está muito mais vulnerável a permanecer em uma relação onde sofra violência.
Como dar um basta em uma situação assim, ainda que se tenha consciência de seu absurdo, se não há condições materiais de viver de modo diferente?
Luta cotidiana
Há cinco anos o Brasil aprovou uma nova legislação relativa ao tema da violência contra a mulher, a Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha. Essa lei leva o nome de uma personagem emblemática da situação de violência sofrida pelas mulheres: Maria da Penha Maia Fernandes, que foi recorrentemente agredida pelo marido por anos e sofreu duas tentativas de assassinato, até ficar paraplégica em consequência dessas agressões.
A Lei Maria da Penha é um marco no avanço jurídico do enfrentamento à violência contra a mulher, pois prevê uma resposta muito mais efetiva do Estado a essa violação, evitando que as condenações por crimes de violência doméstica sejam atenuadas quando está em questão a “honra masculina”. Proíbe, por exemplo, a aplicação de penas alternativas que mantêm a mulher sob situação vulnerável enquanto o agressor distribui cestas básicas, por exemplo.
A aprovação de leis que colaborem com a emancipação da mulher é muito importante para a mudança de comportamento da sociedade. O processo de formação de consciência de homens e mulheres passa, entre outros, pelo fato de “sabermos” que determinada atitude é correta ou não. Quando a lei diz que a violência doméstica – física, psicológica, moral, sexual e patrimonial – é crime, isso colabora com o entendimento da sociedade como um todo de que esse comportamento é errado, é injusto, e deve ser combatido.
Mas olhemos para alguns dados sobre Serviços de Atendimento à Mulher disponíveis no país, divulgados pela Agência Patrícia Galvão:
O Brasil tem mais de 5.500 municípios e apenas:
- 466 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher
- 190 Centros de Referência (atenção social, psicológica e orientação jurídica)
- 93 Juizados Especializados e Varas adaptadas
- 72 Casas-Abrigo
- 57 Defensorias Especializadas
- 21 Promotorias Especializadas
- 21 Promotorias/Núcleos de Gênero no Ministério Público
- 12 Serviços de Responsabilização e Educação do Agressor
Estes dados em geral já são bastante ruins, porém quando olhamos para os aparelhos de Estado que deveriam garantir à mulher condições de viver sem depender economicamente do agressor, como as Casas-Abrigo, ou que visem a uma efetiva mudança de comportamento, como os Serviços de Responsabilização e Educação do Agressor, os números são piores: são apenas 72 Casas-Abrigo e 12 Serviços de Responsabilização e Educação do Agressor.
Assim a lei, apesar de apresentar uma perspectiva de prevenção e assistência à vítima, ainda tem muitos limites; sua maior força ainda está no seu caráter punitivo. Os aspectos mais avançados no sentido de uma conscientização da questão da violência são os mais difíceis de aplicar, e ela acaba, ainda que não pretenda, mantendo a lógica de individualizar um problema que é social.
Por tudo isso, afirmar que a mulher somente será verdadeiramente livre numa nova sociedade em que não exista a exploração do homem pelo homem, não é mera questão retórica. Pois somente numa sociedade socialista será possível pôr fim às amarras econômicas produzidas e reproduzidas diariamente pelo sistema capitalista e construir homens e mulheres novos.
Movimento de Mulheres Olga Benário – São Paulo