Na sociedade capitalista, a força de trabalho é uma mercadoria que o trabalhador assalariado vende ao dono do capital, recebendo por ela um determinado valor em dinheiro, ou seja, o salário. Portanto, o salário é o preço que o capitalista paga pela compra da força de trabalho do operário. Mas, como vendeu sua força de trabalho, digamos 8 horas por dia a R$ 10,00, tudo o que o operário produzir de valor acima de R$ 10,00 pertence ao patrão. Assim, um operário de calçados que em apenas 1 hora produziu cinco pares de sapatos no valor total de R$ 10,00 vai trabalhar as outras 7 horas gratuitamente para o capitalista, pois em apenas 1 hora produziu o que o capitalista lhe paga por 8 horas de trabalho, ou seja, R$ 10,00. Todas as sete horas restantes de trabalho são, portanto, trabalho gratuito do operário para o capitalista, ou seja, a mais-valia ou lucro. É daí que vêm a riqueza dos patrões e o roubo que eles fazem do trabalhador.
Entretanto, como explica Karl Marx, fundador do socialismo científico, embora só uma parte do trabalho diário do operário seja pago, enquanto a outra parte não é paga (e seja precisamente essa parte não paga que constitui o fundo a partir do qual se forma a mais-valia ou lucro), todo o trabalho tem a aparência de trabalho pago: “No regime de trabalho assalariado, ou seja, no capitalismo, com o pagamento do salário fica oculto, escondido, o tempo que o operário assalariado trabalha gratuitamente”(O Capital). Quer dizer, o salário encobre a exploração capitalista e, por isso, capitalistas e até operários acreditam que todo o trabalho foi pago, uma vez que o trabalhador recebe o salário por hora, dia, semana ou mês de trabalho, ficando encoberto o trabalho gratuito que o operário realizou e do qual o patrão tomou posse.
Quanto mais baixo o salário do trabalhador, maior é o lucro do patrão
Em outras palavras, quanto menor for o salário pago pelo capitalista ao trabalhador, maior será a mais-valia e maior será o lucro. Por isso, os capitalistas são sempre contra os aumentos de salários e tudo fazem para impedi-los, inclusive mentir. Este é o caso da afirmação de que aumento de salário causa inflação, mentira que os economistas burgueses e o governo vivem repetindo, mas que os fatos sempre desmascaram. Basta verificar que, no Brasil, os salários praticamente não tiveram nenhum aumento em 1999, enquanto os preços dispararam.
A burguesia tem todo interesse em manter na classe operária a crença de que todo seu trabalho é pago, pois para manter a escravidão assalariada ela necessita que o proletariado esteja sob a influência da ideologia burguesa. Portanto, dizer que o trabalho do operário é inteiramente pago pelo salário, além de ser uma inverdade é favorecer os capitalistas, dando- lhes um meio de reforçar a exploração.
Dessa forma, o problema de que apenas uma parte do trabalho do operário é pago pelo patrão constitui, na verdade, uma questão de grande importância para a luta de classe do proletariado. Pois, como também demonstrou Marx, a libertação da classe operária da ditadura burguesa não poderá efetuar-se sem que ela se liberte dessa influência ideológica da burguesia. Em outras palavras: a luta de classe do proletariado não é somente política e econômica, mas também teórica, no sentido de desmascarar cada uma das mentiras espalhadas pela burguesia, que têm por objetivo esconder a exploração capitalista.
Salário real e salário nominal
Observemos agora a diferença entre o salário nominal e o salário real. Salário nominal é a soma em dinheiro que o trabalhador recebe pela venda de sua força de trabalho. Pode aumentar e, mesmo assim, não significar uma melhora nas condições de vida do operário, já que é sempre mais rápido e mais intenso o crescimento dos preços dos artigos de consumo e dos impostos.
O salário real é aquele que indica quantos e quais artigos de primeira necessidade e que serviços pode comprar o trabalhador com seu salário. Portanto, para determinar o salário real de um operário é necessário saber quanto ele paga pelos artigos de uso e consumo, qual o custo do aluguel, quanto paga de impostos, quanto de horas trabalhadas não lhe é pago etc.
A burguesia e seus economistas procuram, com suas estatísticas, falsificar essa realidade de várias formas. Quando vão calcular o valor real dos salários incluem os salários dos gerentes, dos diretores de bancos e de uma minoria de dirigentes da burocracia estatal. Dessa forma, a média é puxada para cima e encobre a miséria que é o salário do trabalhador. Por outro lado, excluem também desses cálculos o salário pago ao operário agrícola e ainda o enorme exército de trabalhadores desempregados que é, inclusive, uma das condições para os baixos salários. O mesmo realizam os governos dos capitalistas nos índices de inflação, adotando critérios de peso que terminam por diminuir o custo dos artigos que mais os trabalhadores consomem. Assim, os índices oficiais de inflação são sempre menores do que a vida real revela.
“Quanto mais homens e mulheres estiverem desempregados, melhor será para os capitalistas e seus lucros na bolsa de valores. Quanto mais cresce a riqueza dos capitalistas, mais os operários e as massas populares ficam miseráveis. É evidente que um regime desse não pode e nem deve continuar existindo, visto que sua continuidade implica o crescimento do desemprego, da fome e da miséria dos trabalhadores”.
A queda dos salários no capitalismo
No capitalismo, “a tendência geral não é elevar os salários mas, pelo contrário, baixá-los, ou seja, reduzir o valor da força do trabalho para seu limite mínimo” (Marx. Salário, Preço e Lucro).
São várias as condições que determinam a queda dos salários no capitalismo. Uma das principais é o desemprego. Quanto maior o número de trabalhadores desempregados, maior é a oferta da força de trabalho e, conseqüentemente, menor é o valor pago pela compra da força de trabalho, ou seja, menor é o salário. Aproveitando-se dessa situação, muitas vezes o capitalista paga ao operário um valor inferior ao valor da força de trabalho, ou seja, ao necessário para ele manter sua força de trabalho e a sua família. Isso explica por que os capitalistas nada fazem para acabar com o desemprego. Pelo contrário, para eles, quanto mais trabalhadores desempregados existirem melhor, pois pagarão um salário mais baixo aos operários e maiores serão seus lucros.
Prova disso é uma matéria do jornal burguês Folha de S. Paulo, em 6 de março de 1999. Nela, lemos a seguinte manchete: “Desemprego sobe e Bolsa de NY bate recorde”. E, na linha acima da manchete: “Mercado reagiu com alívio à divulgação do aumento do índice de desemprego, o que reduziu a taxa de juros”.
Vejamos outro exemplo: no dia 15 de dezembro de 1999, o monopólio norte-americano Exxon Mobil anunciou que vai demitir 14 mil trabalhadores nos próximos três anos, 13% da sua força de trabalho. Com o anúncio das demissões, as ações da Exxon Mobil subiram e o presidente da gigantesca empresa, Lee Raymond, declarou: “Estávamos muito animados com as perspectivas para a companhia e estamos ainda mais agora”.
Está aí revelada a natureza do capitalismo, sua ganância e o desprezo pelo sofrimento do trabalhador e de sua família. Quanto mais homens e mulheres estiverem desempregados, melhor será para os capitalistas e seus lucros na bolsa de valores. Quanto mais cresce a riqueza dos capitalistas, mais os operários e as massas populares ficam miseráveis. É evidente que um regime desse não pode nem deve continuar existindo, visto que sua continuidade implica o crescimento do desemprego, da fome e da miséria dos trabalhadores.
Não é possível, portanto, numa sociedade na qual o lucro é o principal objetivo e são os capitalistas que mandam e governam, acabar com o desemprego. Só, de fato, numa economia em que prevaleçam os interesses coletivos e os trabalhadores sejam os que governam, isto é, numa economia socialista, pode ter fim toda a infelicidade causada pelo desemprego.
Uma outra condição da sociedade capitalista que leva a rebaixar os salários dos operários e aumentar a exploração é a utilização de modernas e avançadas máquinas na produção. Como sabemos, as máquinas permitem, no geral, um aumento extraordinário da produtividade. Sendo assim, seria natural que sua adoção na indústria, no comércio e na agricultura terminasse por beneficiar o trabalhador, reduzindo sua estafante jornada de trabalho e permitindo uma melhoria nas condições de vida e trabalho. Entretanto, na sociedade capitalista ocorre o inverso: os avanços tecnológicos são usados pelos capitalistas para forçar o operário a trabalhar mais e a produzir mais mercadorias. Não ocorre nenhuma redução da jornada de trabalho e nenhum aumento real dos salários pelo contrário.
Vejamos um exemplo. Em 1973, os 96 mil operários das indústrias automobilísticas brasileiras produziram 750 mil veículos. Em 1998, também 96 mil operários dessas indústrias produziram 1,6 milhão de automóveis, mais que o dobro do que 25 anos antes. Como vemos, trata-se de um aumento de produtividade gigantesco, ou seja, cada operário mais que dobrou sua produção. Mas essa ampliação da produção beneficia unicamente os proprietários dos meios de produção, os capitalistas, que passam a ter mais produtos para vender e vêem crescer seus lucros. Na sociedade capitalista, todo o desenvolvimento da técnica é usado pelos donos do capital para aprofundar a exploração dos trabalhadores, já que estes, em menos horas de trabalho e pelo mesmo salário, produzem um maior número de mercadorias, assim crescendo seus lucros. Eis porque esse é outro fator de rebaixamento do valor do salário real do operário.
Da mesma forma, o prolongamento da jornada de trabalho é também uma das principais maneiras de os capitalistas rebaixarem os salários. Dito de outra forma, quanto mais os capitalistas prolongarem o dia de trabalho, maior será a quantidade de trabalho do operário de que podem se apropriar. Dados recentemente divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que, apesar de todo o avanço da mecanização e da computação nas empresas, as pessoas estão trabalhando cada vez mais em quase todos os países capitalistas. Nos EUA, por exemplo, apesar de a jornada de trabalho de quarenta horas semanais ter sido fixada em 1938, em várias regiões do país a média de horas trabalhadas chega a 60 horas. Como está claro, o capitalismo busca sempre, e de forma implacável e sem nenhuma piedade, reduzir o trabalhador a menos que um animal de carga.
Por outro lado, numa economia socialista, todos os avanços tecnológicos, progressos técnicos e máquinas são utilizados em benefício dos que trabalham e produzem as riquezas, permitindo que haja uma redução substancial da jornada de trabalho.
A utilização do trabalho da mulher e da criança
O valor da força de trabalho é calculado de forma a garantir a manutenção e a reprodução da vida do trabalhador e da sua família. Daí que, na economia capitalista, a incorporação das mulheres e das crianças à produção, em vez da propalada “igualdade de oportunidades” de que falam os meios de comunicação burgueses, tem por objetivo reduzir o salário do operário e aumentar o lucro dos capitalistas. Agora, toda a família trabalha e recebe o que antes só um recebia, quer dizer, a exploração da classe operária é reforçada em seu conjunto. Ainda mais porque, como sabemos, no capitalismo as mulheres recebem, pelo mesmo trabalho que os homens realizam, um salário menor, e as crianças e adolescentes, um salário várias vezes inferior ao que é pago aos adultos.
Vale dizer também que a exploração do trabalho infantil provoca o crescimento das doenças e da mortalidade infantil, além de privar as crianças da educação. No Brasil, mais de cinco milhões de crianças trabalham e são superexploradas pelos capitalistas, ganhando abaixo de um salário mínimo.
Os impostos, a inflação e a redução do salário
Uma outra importante maneira de os capitalistas rebaixarem o salário do trabalhador são os impostos, sejam diretos (imposto de renda, CPMF etc.), descontados no salário, ou indiretos, os que o trabalhador paga ao consumir qualquer produto (IPI, ICMS etc.). Na verdade, quase um terço do salário de uma família operária é gasto com os diversos impostos cobrados pelo governo dos capitalistas.
Aliás, os impostos indiretos pagos pelo povo são uma maneira que os capitalistas têm de transferir para a população os pagamentos que eles deveriam fazer ao Estado. Fazem isso incluindo nos preços dos produtos o valor dos impostos que pagam. (Mesmo assim, ainda sonegam). Mais: os impostos permitem que os capitalistas recuperem uma parte dos salários que pagaram aos operários, pois o dinheiro recolhido dos trabalhadores, em vez de ir para a saúde, educação e programas sociais, é utilizado pelo governo dos capitalistas em benefício deles próprios, como mostram o financiamento das privatizações; os subsídios à Ford; os chamados incentivos fiscais; os pagamentos dos juros das dívidas interna e externa; os empréstimos do governo a usineiros e latifundiários, nunca pagos; o Proer etc.
Mas não é só isso. A inflação, ou seja, o aumento dos preços dos artigos de amplo consumo contribui, e muito, para encarecer a vida e, em conseqüência, rebaixar o salário real. Vejamos o caso dos remédios, que nos últimos dois anos tiveram aumentos de mais de 200%; também do aluguel que, devido à especulação, cresceram enormemente nas últimas décadas, tornando proibitivo para uma família de trabalhador alugar uma casa para morar. Isso explica por que milhões de trabalhadores são obrigados a viver embaixo dos viadutos ou nas calçadas.
Assim, quando ocorre a inflação, o operário compra cada vez menos mercadorias e não consegue restabelecer o valor de sua força de trabalho. Seu salário real diminui, o que é vantagem para os capitalistas, pois a queda do salário real implica uma diminuição dos custos de produção e o aumento dos seus lucros. Quer dizer, são os capitalistas que lucram com a inflação.
A greve e a luta da classe operária pela elevação dos salários e redução da jornada de trabalho
Em sua incessante sede de lucros, a burguesia procura sempre pagar o salário mais baixo possível ao trabalhador e, até mesmo, inferior ao necessário para ele se manter e viver. Quando isso acontece (e é exatamente o que hoje vem acontecendo em todos os países capitalistas, em particular no Brasil), a população trabalhadora vive doente, morre cedo e seus filhos crescem com grandes problemas físicos e mentais. A vida vai se tornando insuportável para todos os que vivem nessa escravidão assalariada.
Para deter esse genocídio que o capitalismo pratica, a classe operária luta para elevar os salários e impedir a sua diminuição, bem como para estabelecer um salário mínimo verdadeiro, reduzir a jornada de trabalho e ampliar os seguros sociais, como saúde e educação pública. Não travar essa luta é ceder covardemente à tirania do capital e privar-se da possibilidade de desenvolver movimentos de maior envergadura.
Ora, os objetivos dos grandes monopólios capitalistas e dos países imperialistas, através de seus órgãos como OMC, FMI, Banco Mundial, ONU etc., e dos governos capitalistas, como o de FHC, são contrários a tudo isso. Pretendem, sim, é acabar com os programas sociais e eliminar os direitos trabalhistas, como mostram as recentes leis do contrato temporário; das cooperativas; e todas as tentativas feitas para extinguir o FGTS, 13o, licença- maternidade, e até ampliar a jornada de trabalho. Nessa luta por seus direitos e contra a exploração capitalista, a classe operária conta com o apoio de todos os explorados e humilhados pelo capitalismo e enfrenta a ferocidade tanto da burguesia como do Estado burguês. Por sua vez, os capitalistas usam da repressão policial, da justiça burguesa e da corrupção de parlamentares e dirigentes sindicais, como os da Força Sindical, para derrotar os operários e aprofundar a exploração. Um dos meios de que a classe operária dispõe para lutar pela elevação dos salários, redução da jornada de trabalho e melhoria das condições de vida e de trabalho é a greve. Foram as grandes greves dos operários no início deste século que terminaram por forçar os governos burgueses a aceitar a jornada de oito horas e a fixar um salário mínimo.
Hoje, mais uma vez, em todo o mundo, a burguesia tenta acabar com essas conquistas e promover o que, pomposamente, chama de “flexibilização das relações de trabalho”. É aí que a luta econômica do proletariado adquire uma grande importância para enfrentar o aprofundamento da exploração e a cada vez maior ganância dos patrões. Opor uma firme resistência a esses planos dos capitalistas é hoje uma luta central da classe operária. Portanto, é fundamental que verdadeiros dirigentes operários ocupem seu lugar nos sindicatos e trabalhem para fazer avançar a organização e a luta da classe operária e de todos os trabalhadores contra o aprofundamento da exploração capitalista. Os sindicatos sempre foram uma importante escola de luta de classes para as grandes massas trabalhadoras e, neste final de século XX, quando ocorre o aumento da exploração capitalista, ou assumem este papel ou serão ultrapassados pela luta da classe operária.
A revolução e a abolição do sistema de trabalho assalariado
Porém os trabalhadores não devem exagerar o resultado final destas lutas por melhores salários, pois, como afirmou Marx, “é uma luta apenas contra os efeitos e não contra as causas desses efeitos; aplica paliativos e não cura a doença. Os operários não devem, portanto, deixar-se absorver exclusivamente por essas escaramuças inevitáveis provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou as variações do mercado. Impõe-se que compreendam que o regime atual, com todas as misérias que os oprimem, origina, ao mesmo tempo, as condições materiais e formas sociais necessárias para a transformação econômica da sociedade. Em vez da palavra de ordem conservadora “um salário justo por um dia de trabalho justo”, devem inscrever na sua bandeira a palavra de ordem revolucionária: “Abolição do sistema de trabalho assalariado”. (Salário, Preço e Lucro).
Em outras palavras, a luta econômica, apesar de sua importância, é dirigida apenas contra os efeitos do capitalismo (baixos salários, aumento da jornada de trabalho etc.). Para a classe operária acabar em definitivo com todo o seu sofrimento é necessário realizar uma revolução que corte o mal pela raiz, ou seja, que acabe com o modo de produção capitalista. E quem não compreende que somente através da luta política revolucionária, dirigida por um partido comunista revolucionário, é possível destruir a escravidão assalariada e toda opressão econômica e política que causa o capitalismo, não pode dizer-se marxista.
Como deixa claro o avanço da luta dos trabalhadores em todos os países, diante de toda a violência, humilhação, ruína e exploração causadas pelo capitalismo, a classe operária, e o povo, não se curvam. Aliás, como mostra a história, ela se fortalece a cada dia, pois tem certeza de seu futuro e luta não apenas para elevar seus salários, mas pela libertação de todos os humilhados e ofendidos pelo regime dos exploradores.
Luiz Alencar Falcão é membro do Comitê Central do PCR e diretor de redação do jornal A Verdade
(Publicado no Jornal A Verdade, nº 6 )