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sexta-feira, 19 de abril de 2024

Dawson: ilha 10

As décadas de 60 e 70 do século passado serão sempre lembradas na América Latina por um triste episódio: a ocorrência de ditaduras em todos os países. Todas essas ditaduras deixaram nesses países rastros de brutalidade, opressão e violação completa dos direitos humanos, e vários são os casos que dariam filmes ou livros. Neste caso, o filme se chama Dawson: ilha 10, e se trata de um campo de concentração no Chile de Pinochet, destinado a aprisionar ministros, secretários e assessores de Salvador Allende, além de médicos, engenheiros etc. Esses homens, alguns de confiança da Unidade Popular (coalizão de esquerda que elegeu Allende), ao entrarem em Dawson, região de gelo e deserto do Chile, passavam a ser conhecidos apenas por números e eram chamados de Ilha 1, Ilha 2, Ilha 3, e assim por diante. O livro em que o filme se baseia chama-se Isla 10, e é a autobiografia de Sergio Bittar (Benjamín Vicuña) ex-ministro das Minas e Energia do governo Allende, que era chamado por esse código em Dawson.

Como filme de denúncia política, acerca dos campos de concentração da América Latina, a película retrata agressões, torturas e trabalhos forçados para os prisioneiros. “Mantenha-os ocupados. Temos que quebrar a sua vontade” sentencia um dos comandantes da Ilha. Homens os mais diversos, de ideologias e credos os mais diversos, tinham algumas coisas em comum, e o que os diferenciava do resto do Chile era sua devoção à defesa da democracia e, consequentemente, do governo de Allende, e a antipatia e ódio que geraram nos que assassinaram Allende e a democracia no Chile.

Emocionante em diversos momentos, o filme aborda todo o abismo que existe dentro dos amantes e lutadores da liberdade que se encontram privados dela. Especial demonstração disso, quando são anunciados da morte de Pablo Neruda, ao som de passagem de O carteiro e o poeta: “Aqui na Ilha, o mar, e quanto mar. Sai de si mesmo a cada momento. Diz que sim, que não, que não. Diz que sim, em azul, em espuma, em galope. Diz que não, que não. Não pode sossegar. Me chamo mar, repete se atirando contra uma pedra sem conhecê-la. E então, com sete línguas verdes, de sete tigres verdes, de sete cães verdes, de sete mares verdes, percorre-a, beija-a, umedece-a e golpeia-se o peito repetindo seu nome”. Também emociona ver o ânimo melhorando um pouco quando conseguem sintonizar a Rádio Moscou que saúda a resistência chilena, dizendo não a haver esquecido.

Baseado em fatos reais e duros, Dawson: ilha 10 apresenta várias contradições próprias dos regimes de exceção, como o fato de um jovem recruta pedir encarecidamente ao “senhor ministro” (na verdade, ministro deposto) Ilha 10 para achar o seu pai, um operário socialista, preso em alguma outra parte do Chile, pelo mesmo motivo pelo qual era obrigado a manter o mesmo “senhor ministro” preso.

Todo baseado em fatos históricos verídicos, o filme do experiente Miguel Littin nos convida a fazer uma reflexão sobre as atrocidades cometidas pelas burguesias latino-americanas em nome do combate aos “ateus marxistas” que visavam transformar a América Latina numa ditadura sanguinária. Na verdade, a contradição que gerou essas ditaduras foi a luta do povo latino-americano contra a carestia da vida, contra a opressão do Estado capitalista, pela reforma agrária, pela reforma universitária e, de outro lado, uma burguesia mesquinha e reacionária que viu a possibilidade concreta de perder seus privilégios e benefícios, que adquiriram através do roubo das riquezas desses mesmos povos. Como nos mostram as gigantescas manifestações estudantis do ano passado no Chile e a greve geral em apoio a ela, essa contradição não acabou – e é preciso lutar para que nunca se esqueça e para que nunca mais aconteça.

Yuri Pires, São Paulo

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