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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Economia verde e outras panaceias ou “Rio, mas vim te…” [1]

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Economia verde, capitalismo verde e outras panaceiasO caminho que me leva ao aterro do Flamengo, onde aconteceu a Cúpula dos Povos, me obriga a cruzar com carros pretos, esfumaçados, de sirenes cintilantes, adesivos VIP, indo em direção ao Rio Centro onde acontece a Conferencia das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, reunião chapa branca, aonde só entra quem tem CPF em dia e foto recente.

Caminho cruzando uma pista de alta velocidade que devorou mais vítimas essa semana. http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/mulher-morre-atropelada-no-aterro-do-flamengo-20120621.html. Ao caminhar vou devagar e divagando se há uma luta de classes entre motoristas e pedestres. Fica claro que não há espaço para outros ritmos, a cidade impõe o seu, vorazmente. Já vejo tendas brancas e outras coloridas brotarem como flores redondas, capítulos entre as árvores do jardim de Burle Max. A cada passo naquela direção, mais distante vai ficando meu horizonte, como dizia Galeano:

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

Aterrizo lentamente no aterro, lembrando que piso no antigo morro de Santo Antônio, usado como adubo nesse lindo jardim. Piso onde havia um mar. Imagino suas praias com seus índios nus, esquecidos e afogados em um rio de janeiro que já foi de suas canoas de tronco só e de cuja a herança, nos restam apenas poucas memórias em nomes de ruas, sobrenomes e objetos de museus.

Começo essa caminhada na forma de texto, em homenagem ao professor Carlos Figueiredo do IBIO da UNIRIO que nos estimula a pensar e a professora Sandra Albernaz querida colega da Escola de Educação da UNIRIO, que me pediu para escrever algo sobre o que é essa tal “economia verde”. De pronto, começo a achar que a grafia mais correta talvez seja “green economy”. Prefiro escrevê-la em inglês, no idioma do império e dos neocolonizadores, o idioma da ONU para a Conferencia Oficial, pois é nessa língua que ela faz sentido e tem as suas ressonâncias em nossas vidas cotidianas e astuciosas[2].

É interessante notar a imensa dificuldade de traduzir essa ideia em especial para os povos originários. Esses dias me esforcei para explicar, na Cúpula dos Povos, no aterro, para meus amigos Guarani o que era a tal “green economy”. “Ao que parece essa discussão é muito mais pintada de verde do que “verde” de fato”, dizia um deles ao final de nosso papo, enquanto eu apertava sua mão como sinal de concordância e afinidade.

A base da green economy é o velho capitalismo, podre e moribundo. Prefiro continuar em inglês para não poluir o nosso português, uma língua parangoleica[3] que (ainda) nos pertence e nos une.

Tentei, mas descobri em meu pouco guarani, que não havia como traduzir a ideia de green economy. A dificuldade orbitava na ideia mesma de economia. Entre os povos originários faz mais sentido falar em eco-logia que em eco-nomia. Isso porque o prefixo “eco” que vem do grego oikos, quer dizer “casa” e nomia quer dizer administração, gerenciamento, daí economia: administração da casa. Entre os meus Guarani, assim como entre nós biólogos, é meio difícil, talvez impossível, pensar numa economia sem ecologia, já que “logia”, do grego, “logos”, quer dizer, estudo, saber. A pergunta é então: como administrar a casa sem conhece-la antes?

Este é o equívoco central, fundante e essencial da green economy. Em linhas gerais, ela não fala da vida, nem da casa, só remaneja o velho paradigma. Mas para entendê-la e fundamentar nossa crítica, vamos analisar sua ideia central, esta se baseia na inserção e criação de critérios verdes para a economia como um todo, como por exemplo, levar em consideração o ciclo de vida dos produtos, buscando o que eles chamam de produção mais limpa, que significa redução da poluição na fonte da geração dos produtos, estratégias de mecanismos de desenvolvimento limpo ou MDLs, uma economia que pense a redução do desperdício e do reaproveitamento, reciclagem e redução de materiais da produção ao descarte. São os famosos 3 Rs (reduzir, reutilizar e reciclar) que já viraram 5 com recusar e repensar.

A proposta da green economy é o estímulo à uma economia que faça a redução da pobreza e das desigualdades sociais, através de empregos verdes e do tal desenvolvimento sustentável e da propalada sustentabilidade, das empresas às pessoas e governos, nessa ordem. Portanto, propõe-se promover o bem-estar e reduzir desigualdades sociais ao mesmo tempo em que se faz a redução dos riscos ambientais e da escassez ecológica. Para isso, há três pilares: ecoeficiência, ou seja, uso eficiente de recursos naturais, economia de baixo-carbono, ou seja, aquela que não emite ou reduz a emissão de gás carbônico e outros gases que contribuem para o polêmico aquecimento global, e então, supostamente, não influenciariam numa possível alteração climática, ao mesmo tempo em que ela seria uma economia inclusiva: http://www.radarrio20.org.br/index.php?r=conteudo/view&id=12&idmenu=20

Lindo? Os movimentos sociais, organizados ou não, as redes , os campesinos, o MST, o MAB, os índios, os migrantes climáticos, os povos tradicionais, os sedentos do planeta, os excluídos, o seu Miguel de Paraty, Seu Roque em Mamanguá, pescadores artesanais de Martim Sá, ribeirinhos do Amazonas, os que tiveram que deixar seus modos de vida por causa do acidente do rio Pomba, os pescadores de Sepetiba e da Baía de Guanabara, os trabalhadores de Jirau, os grupos agroecológicos, as ecovilas, alguns professores em greve e outras eco-vítimas, acham que a coisa pode não ser tão linda assim.

A discussão para esses grupos que fizeram coro na Cúpula dos Povos, é que a tal green economy é só pintar de verde o velho capitalismo excludente, patriarcal, racista, hipócrita, cruel, genocida e injusto de sempre. Para eles, essa suposta nova forma de economia, estaria usando o discurso da sustentabilidade como a velha estratégia antropofágica do capitalismo, ou seja, usando a sua imensa habilidade de incorporar e ressignificar qualquer coisa que se oponha a ele.

Desta forma, diretrizes ambientais, viram estratégias de marketing ecológico, o famoso greenwashing, bem como diferencial competitivo para conquista de um mercado de consumo cada vez mais “consciente”. O mercado consumidor se transforma num passe de mágica, em mercado verde, transformando compras governamentais, de empresas e de pessoas, em compras verdes e conscientes, http://cio.uol.com.br/tecnologia/2010/04/23/sustentabilidade-governo-lanca-portal-para-compras-verdes/. Ou seja, aquelas comprinhas feitas com “critérios ambientais”, do tipo: “leve esse camisa de algodão mestiço, rústico e azul, feita por mulheres-monges canhotas do alto solimões e do Tibet sagrado, costuradas pelas mãos sagradas do fogo sagrado dos povos do alto himalaia esquerdo, três é 10 real! Pode pagar com visa, a gente parcela” e coisas do tipo!

A incorporação do discurso ambientalista pelo “setor produtivo”, pelo capitalismo em processo de falência, cria estratégias de alianças público-privadas entre governos e empresas de eco-fachadas, tenta flexibilizar leis ambientais, financia a campanha de deputados e senadores para isso. Neste ponto, gostaria de dizer que venho estudando o financiamento de campanha da chamada “bancada ambientalista” no parlamento brasileiro e está ficando claro como as empresas transnacionais, símbolo de nosso modelo, mais interessados e “líderes” do discurso da green economy, entram no jogo político “democrático”. Elas financiam, sistematicamente, as campanhas de deputados e senadores (desde o início da carreira pública deles) e quando eles chegam lá, esses filhos-da-puta, ocupam cargos estratégicos nas comissões de meio ambiente tanto no senado quanto na câmara. Por isso conseguiram aprovar as vergonhosas, vexatórias e espúrias alterações no código florestal, aprovar Belo Monte e outros, mesmo com a sociedade, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) , Academia Brasileira de Ciências, entre outros segmentos sendo contrários[4].

O discurso da green economy fala em reciclagem e numa economia baseada na redução do desperdício que pensa os ciclos de vida dos produtos, e não no ciclo de vida das pessoas, como se os produtos tivessem vida e não consumissem a vida. Dessa forma, justifica-se manter milhares de catadores como catadores de lixo sem direito à mobilidade social. É uma economia que ao pensar no valor da natureza, quantificando seus custos e serviços ambientais, dialeticamente gera a precificação e a mercantilização da vida.

Vejamos os três pilares da economia verde: ecoeficiência, economia de baixo carbono e inclusão social, vamos fazer uma leitura crítica sobre os mesmos. Em primeiro lugar, a chamada ecoeficiência, como o nome sugere, trata-se de um fruto do pensamento neoliberal que quer medir a produtividade e a eficácia dos processos ambientais, nesse sentido, a natureza sempre perde, pois ela tem um tempo outro, um tempo próprio, nada eficiente diante dos desafios do mercado, por isso a necessidade da intervenção humana. É uma lógica coerentemente perversa. Que fez por exemplo, enquanto se negociava um acordo pífio na Rio+20, mudando uma vírgula aqui e um ponto parágrafo ali, a ambientalista Dilma doava 20 bilhões do seu , do meu, do nosso din din para salvar os bancos europeus, é a chamada “solidariedade dos emergentes”  http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/06/120619_g20_encerra_pu_ac.shtml

E mais 20 bilhões para a “infraestrutura nos estados” *(tipo assim, arco metropolitano que ia extinguir uma espécie de anfíbio) http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=66678. Pergunto, porque não nos deu o aumento?

É importante lembrar também, que se ser ecoeficiente é reduzir problemas ambientais, podemos dizer: “Houston, temos um problema!” a Petrobras, a Vale. A Bunge, A MONSANTO e outras transnacionais altamente degradadoras e poluidoras têm todos os selos e prêmios de ecoeficiência.

O outro problema é concentrar os esforços em torno do gás carbônico e do discurso das mudanças climáticas. Tem gente que acredita nisso e tem gente que não, o problema para mim é, como nos falava Edgar Morin na Cúpula dos Povos, o risco da cegueira da hiperespecialização, olhamos para a molécula de CO2 e não para os conflitos e injustiças ambientais. Nesse sentido, ao reduzirmos cartesianamente a questão, não conseguimos contribuir em quase nada para mudanças sociais de fato. Como, por exemplo, a valorização verdadeira dos índios. Neste momento, enquanto escrevo essas linhas sentado numa confortável poltrona, a situação dos mortais é a seguinte: campesinos hondurenhos estão sendo mortos por conflitos no campo, pessoas estão sobre escolta policial no programa de proteção a testemunhas por conflitos e injustiças socioambientais na Amazônia, trabalhadores e moradores dos arredores de Jirau, estão sendo criminalizados, removidos e assassinados, torturados, desaparecidos, o presidente paraguaio que representa uma alternativa a uma ditadura de 70 anos sofre um golpe.[5].

E por fim, seu último pilar a ideia de inclusão social. Gosto de lembrar de Enrique Dussel, filósofo argentino, que nos diz que não se trata de incluir os excluídos, se trata de transformar a sociedade.

Mas, como eu acredito num mundo afetuoso e que só o amor constrói, o que vejo de alternativa é apontar para outros pilares, os pilares que a Cúpula Dos Povos apontou, ou seja por uma economia solidaria, baseada na justiça socioambietal, contra a mercantilização da vida e pela defesa dos bens comuns.

Nesse sentido, este é o momento de radicalização do pensamento ambientalista, como nos diz Agripa[6]. Radical do latim radis, quer dizer raiz, então radicalizar quer dizer ir até a raiz de algo, neste caso a raiz do problema é o sistema capitalista, neoliberal, do estado mínimo, da flexibilização das leis, da gestão, do produtivismo e da produtividade, da precarização do trabalho e do trabalhador, que mercantiliza a vida, polui, privatiza a semente, o genoma, a água e nos envenena, consumindo e privando-nos da natureza, gerando exclusão, miséria, luta no campo, conflitos e injustiças socioambientais, destruição ambiental, perda da bio e sociodiversidade e diretores de polos da EAD. Tudo isso sob o aval dos selos ambientais, das certificações, normas ISSO-isso, ISSO-aquilo, do greenwashing, que dá prêmios de meio ambiente e outras panaceias da ecopalhaçada da green economy, que nada mais é do que o velho modelo fantasiado de verde, com “políticas pra inglês ver”, com uma lógica interna que incorpora o discurso ambiental em “práticas de sustentabilidade”, que pinta o telhado de verde e manda mijar no banho para sanar a culpa judaico-cristã dos nossos “empresários conscientes”.

Enfim, precisamos mudar o sistema, mudar o modelo, tornando-o capaz de olhar para quem precisa ser visto. Isto se chama REVOLUÇÃO. Assusta? Como dizia Guimarães Rosa: “carece de ter coragem”! E ela já está acontecendo. Esse modelo já era! Veja o que está acontecendo na praça Tahir, em Quebec, na Síria e em várias partes do mundo.

Eu continuo apostando no diálogo, na construção de uma agenda comum, mas sobretudo, na visibilização dos vulneráveis, dos esquecidos, na visibilização de suas lutas. Precisamos nos unir a elas, pensar numa agenda de pesquisa que nos aproxime dos movimentos sociais e das pessoas. Que nos aproximemos em particular dos índios, a quem tanto devo por tudo que me ensinam.
Aprendi, seguramente, muito mais com meus Tudjá Kuery (os mais velhos) que com minha formação acadêmica formal. Vou terminar repetindo o que falei esses dias no Rio Centro:

Eju Py Nhande Apy Nhanderu, Nhande a´e ma xereterã kuery, eju py nhande apy yvymarane´y, Eju Py nhande apy yy porã!. Havete í ité, epytã nhanderu reve!

Celso Sánchez
(Esse texto é dedicado à Professora Sandra Albernaz e ao Professor Carlos Figueiredo da UNIRIO)


Notas

[1] Este título me foi dado por um guardador de carros, o famoso “flanelinha”, na rua Silveira Martins no Catete, e embora eu tenha a maior antipátia dessa turma, devo admitir: vox populi, vox dei!

[2] No sentido de Certeau,que nos diz que entre estratégias e táticas vamos criando nossa vida cotidiana e astuciosa, em suas palavras: “ Il est toujous bon de se rappeler qu’il ne faut pas prendre les gens pour des idiots.” (Sempre é bom lembrar que não se deve ter as pessoas por idiotas. Tradução deste idiota) CERTEAU, Michel d L’invention du quotidien, t. I: arts de faire. Paris, Gallimard, 1990.

[3] Em refencia a obra de Hélio Oiticica – Parangolé.
– Ressalva: Prof. Alberto Roiphe, me perdoe por essa e outras blasfemias! Lembre-se das palavras de Jesus:”Perdoe-os, eles não sabem o que dizem” .. nem o que escrevem, aliás ele (eu) não sabe (sei) escrever!

[4] Para maiores informações: http://www.remea.furg.br/edicoes/vol27/art7v27.pdf

[5] Para maiores detalhes:
www.cebraspo.org.br/ br.vlex.com/vid/-318732847/
http://www.folhabv.com.br/Noticia_Impressa.php?id=107951
http://desacato.info/2010/12/ataque-militar-contra-campesinos-hondurenhos/
http://racismoambiental.net.br/2011/12/camponeses-ameacados-de-morte-no-amazonas-perderao-protecao-da-forca-nacional/
http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI5853788-EI294,00-OEA+expressa+preocupacao+e+pede+devido+processo+no+julgamento+de+Lugo.html[6] ALEXANDRE, Agripa Faria. A perda de Radicalidade do Movimento Ambientalista Brasileiro. Uma contribuição à critica do movimento. Blumenau Florianópolis:Edifurb Editora da UFSC. 2000. p.23.

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