Wellington Bernardo, coordenador do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), analisa nesta entrevista a A Verdade a situação de moradia dos trabalhadores, denuncia as limitações dos programas habitacionais do governo e defende as propostas do movimento para a reforma urbana no Brasil.
A Verdade – O déficit habitacional do Brasil é um dos maiores da América Latina e do mundo. Em sua opinião, por que isso acontece?
Wellington Bernardo – O Brasil tem cerca de 7,2 milhões de famílias sem teto, ou seja, 33% do total de famílias brasileiras, o que coloca o País, em termos proporcionais, no sexto lugar no ranking do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que analisa a situação de carência de moradia na América Latina. Acima do nosso país estão Bolívia (75%), Peru (72%), Equador (50%), Paraguai (43%) e Colômbia (37%). Entretanto, em números absolutos o Brasil lidera com folga essa triste estatística, com cerca de 65 milhões de pessoas que não têm uma moradia digna. Acredito que isso acontece primeiramente porque vivemos numa sociedade capitalista, na qual o que prevalece é o lucro, e não o bem-estar das pessoas. Segundo, porque a atual política habitacional não está voltada para a resolução do problema das famílias mais pobres, que representam 95% do déficit brasileiro, mas para salvar da crise as grandes empresas da construção civil que, apesar de receberem milhões, não têm interesse em construir moradias populares e investem em habitações para a classe média.
Que balanço o MLB faz do programa Minha Casa, Minha Vida?
Achamos uma iniciativa importante, mas ainda insuficiente. Ao longo da nossa história, praticamente todos os programas habitacionais do governo foram voltados para o atendimento da demanda da classe média, enquanto que a saída para o povo pobre foi a ocupação desordenada do espaço urbano; por isso o crescimento tão rápido das favelas pelo País. Em 2009, com a crise mundial do capitalismo, o governo percebeu que investir na construção de moradias poderia salvar da falência as grandes empresas da construção civil. Foi lançado, então, o programa Minha Casa, Minha Vida, que tinha o objetivo, na época, de construir 1 milhão de casas, que seriam financiadas com recursos federais e do FGTS e atenderiam à demanda de famílias com renda entre 1 e 10 salários mínimos. Na hora de dividir as casas entre as faixas de renda, apenas 400 mil unidades foram destinadas a quem ganhava até três salários mínimos, ou seja, a parcela da população que mais sofre com a falta de moradia ficou com a menor parte do bolo. Na época, denunciamos essa inversão de prioridades e, na campanha presidencial de 2010, Dilma Rousseff prometeu que iria construir 2 milhões de casas até 2014 e que daria prioridade às famílias mais pobres. Entretanto, já estamos em julho de 2012 e ainda falta muito para essa meta ser cumprida. Em 2011, por exemplo, foram contratadas apenas 425.005 unidades, ou seja, 23% da meta. Dessas unidades, a minoria era destinada a famílias com renda abaixo de três salários mínimos. Um dos argumentos usados pelo governo e pelas construtoras é o de que o preço dos terrenos nas grandes cidades está muito caro e que, para atender a essa demanda, seria necessário construir em terrenos mais baratos. O problema é que esses terrenos estão todos localizados na periferia das cidades, em regiões afastadas do centro e sem nenhuma infraestrutura. Estamos reeditando a velha política de afastar o povo pobre da cidade. Isso é exclusão.
Quais os outros problemas desse programa?
Em primeiro lugar, o fato de ainda não ser uma política de Estado, mas um programa de governo. Por isso, os movimentos que lutam pela reforma urbana defendem a chamada PEC da Moradia (Projeto de Emenda Constitucional nº 285/2008), que determina que o Governo Federal destine 2% do Orçamento da União e os governos estaduais e municipais empreguem 1% de seus recursos na produção de moradias populares. Outro problema sério é que o Minha Casa, Minha Vida ainda não atingiu a base da pirâmide, o povo pobre. Para isso, falta vontade política dos governos de desapropriar os terrenos e imóveis que não cumprem sua função social e destiná-los à construção de moradias populares, como determina o Estatuto das Cidades. Só para se ter uma ideia, existem hoje no Brasil cerca de seis milhões de imóveis vazios, sem nenhuma utilidade; se fossem desapropriados, reduziríamos sensivelmente o déficit habitacional do País. O terceiro problema mais grave é a burocracia. De fato, a lentidão é tão grande que às vezes são necessários dois ou três anos para que o processo comece a andar na Caixa Econômica Federal, que é a responsável pela avaliação e repasse dos recursos. Uma pressão grande está sendo feita pelos movimentos sociais, e já percebemos algumas mudanças. Mas ainda falta muito.
Diante disso, o que devem fazer as famílias que não têm casa?
Quem quer conquistar o direito humano de morar dignamente tem que lutar, e muito. O primeiro passo deve ser se organizar no movimento, pois quem luta organizado luta melhor e tem mais chance de vencer. As famílias do MLB são exemplo disso. Através da luta do Movimento milhares já conquistaram suas moradias em todo o País e agora estão lutando por mais direitos, por educação de qualidade, saúde, emprego. Nesse processo vamos explicando e educando o povo, mostrando que a luta maior é a luta por uma nova sociedade na qual as cidades não sejam privilégio de quem tem dinheiro e os trabalhadores não sejam obrigados a viver nas condições em que vivem hoje. Por isso, sempre dizemos que, além de lutar todos os dias para garantir a nossa moradia, temos que lutar para construir outra sociedade, uma sociedade dos trabalhadores. Para nós, essa sociedade tem nome e sobrenome, se chama sociedade socialista. E é por isso que o MLB luta pela reforma urbana e pelo socialismo. Esse é o caminho.
Da Redação