Graduado em letras pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), mestrado em letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutorado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), José Leite de Oliveira Júnior é professor do Departamento de Literatura da UFC e estudioso da obra de Jorge Amado, além de artista plástico. Em entrevista a A Verdade sobre a vida e a obra de um dos maiores escritores da humanidade, Leite afirma que “Jorge Amado foi um militante marxista que fez de sua obra um campo de estudo da luta de classes.”
A Verdade – Jorge Amado é considerado um dos maiores autores brasileiros do séculoXX, um dos mais lidos fora do País. Sua obra é rica emregionalismos e contrastes sociais. Qual o significado para o Brasildesses inúmeros livros produzidos por ele?
Professor José Leite – A obra de Jorge Amado se alinha entre aquelas que vêm construindo oque se pode chamar de “mitologia da nacionalidade”. Autores como GonçalvesDias, José de Alencar, Érico Veríssimo, Patativa do Assaré e Jorge Amado estabeleceram poeticamente o espelho pelo qual nos reconhecemosbrasileiros. Não há Estado-nação, vale lembrar, sem essa base poético-mítica.
A vida de Jorge Amado foi marcada por uma intensa intervenção política – ele até foideputado constituinte, em 1946, pelo Partido Comunista Brasileiro.Como medir essa influência comunista na obra dele?
Jorge Amado foi um militante marxista que fez de sua obra um campode estudo da luta de classes. Seus primeiros romances trazem a marcatípica do combate ideológico desferido no período entre a Primeira e aSegunda Guerra. Obras ficcionais, como Suor (1931), Cacau (1933),Jubiabá (1934), às quais acrescento a narrativa nãoficcional de O Cavaleiro da Esperança (1942), representam o que demelhor se produziu no Brasil no ramo da literatura engajada. Ao contrário do que muitos afirmam – certamente sem uma leitura séria desses romances –a qualidade dessas produções é admirável do ponto de vista daliterariedade. Prova disso é a riqueza de metáforas, o expressionismoaplicado na construção das personagens, a coerência figurativa no desenhodos ambientes da Bahia e a intertextualidade com o naturalismo, porexemplo, tudo a comprovar a precocidade do jovem escritor. Mais adiante,superada a fase do engajamento mais ortodoxo, ele deslocaria o olhar parasubprodutos da alienação, como a marginalidade, a prostituição, o racismo, a intolerância religiosa e mesmo a depredação da natureza, portanto semjamais perder o fio ideológico que liga o velho escritor já afastado doPartido ao jovem militante.
O local que esse autor ocupa no cenário literário atual é merecido? Osestudos acadêmicos e outras pesquisas sobre ele são suficientes?
Jorge Amado é infinitamente maior do que a crítica acadêmica de seutrabalho. Faltam estudos acadêmicos profundos sobre o que ele produziu esobram cacoetes e farpas automatizadas de uma pretensa crítica burguesa,com ressonância restrita aos corredores das faculdades, que tenta diminuiro valor de sua obra, mas não se traduz numa produção intelectualmerecedora de atenção. A poética de um Mar morto, o valor humanístico deum Tenda dos milagres ou a crônica inspirada de Gabriela, cravo e canela, entre muitos outros exemplos, ficarão como patrimônio do povobrasileiro, enquanto a mesquinhez da depredação enviesada não resistirá aosopro da História.
Existe alguma influência estrangeira na obra de Jorge Amado?
As maiores influências, a meu ver, vêm do século dezenove, o queinclui os autores europeus. Ele recuperou o romantismo, que o conservousempre apaixonado, e também o naturalismo, sobretudo pelo interessesocial. No século vinte, a ficção russa de um Gorki transparece no jovem
Jorge Amado e o chileno Neruda, de quem foi grande amigo, certamente seharmoniza com a prosa poética do escritor baiano amadurecido.
Ele sempre falou do papel de Zélia, sua esposa, na sua carreiraliterária. Você poderia nos contar brevemente como essa relação foiimportante?
Zélia Gattai é filha de anarquista italiano. A imagem do pai, numaSão Paulo dos primeiros anos do século vinte, ela deixou no delicioso livrode memórias Anarquistas, graças a Deus (1979). Seu encontro com JorgeAmado remonta ao contexto da luta pela anistia, no fim do Estado Novo.Pelos depoimentos que ficaram, sabe-se que Jorge Amado sempre encontrounela a primeira leitora, atenta à produção dos originais, convivendo comas personagens ainda no estado de nascença ficcional. Não há como imaginarum sem o outro.
Qual é para você a maior marca e a mais importante inovação de Jorge Amado?
A maior marca é a brasilidade de sua obra. E a maior invenção foi aternura com que tratou as vítimas da alienação.
Serley Leal e Michell Plattini, Fortaleza