Todos em São Paulo têm pressa, fato. As motos aceleram por entre os carros, que correm para trancar o caminho das motos. As pessoas vivem correndo nas calçadas e até nas escadas rolantes. Ao analisar a notícia a seguir, no entanto, não é adequado ter pressa.
Aconteceu em um domingo, 10 de março. Às 05h30, na Avenida Paulista, dirigindo um Honda Fit (preço de mercado por volta de R$ 50 mil), o estudante de Psicologia Alex Siwek, 22 anos, atingiu, em alta velocidade, o corpo e a bicicleta de um trabalhador. O trabalhador atende pelo nome de David Santos de Souza e tem 21 anos. Enquanto Alex voltava de uma balada, David se dirigia ao trabalho, precário, terceirizado, de limpar janelas de um grande edifício da avenida paulista.
Foi ainda mais trágico e revoltante. A violência do atropelamento decepou o braço direto de David, ficando preso no para-brisas do Honda Fit. Alex não parou para prestar socorro, continuou arrancando até parar nas proximidades da Avenida Ricardo Jafet e atirar o braço amputado de David em um córrego. Após guardar seu precioso carro em casa, Alex entregou-se à polícia.
Trata-se de um crime tão cruel que é difícil pensar em uma punição que traga justiça para a situação. É mais revoltante se considerarmos que o atropelamento culminou uma série de injustiças que David e vários outros trabalhadores sofrem todos os dias.
David foi atropelado em sua bicicleta. Mas David não vai ao trabalho de bicicleta por uma opção sustentável. O preço da passagem de ônibus ou metrô é R$ 3,00. Para ir e voltar são R$ 6,00. Em 26 dias de trabalho são R$ 156,00, dinheiro que faz muita falta pra quem ganha um baixo salário.
David, como milhares de trabalhadores terceirizados, trabalha no domingo e feriados sem receber nenhum adicional por isso. Grande parte dos direitos trabalhistas são atacados todos os dias sob o argumento da terceirização, aumentando a jornada, a estafa e o estresse por conta do trabalho.
A crueldade sofrida por David é desumana, mas não é novidade. Thor Batista, filho do milionário Eike Batista, fez parecido no fim no ano passado. A exploração divide as pessoas entre os que são explorados no trabalho e os que podem pagar para ter um crime abafado (ou se divertir na velocidade de um carro de luxo, ainda que custe a vida de outros). A exploração tira, cada dia mais, o que temos de humano. Ao submeter toda uma classe de humanos a viverem sem praticamente nenhum direito, subjugados no trabalho, no caminho pra casa e no seu próprio bairro, a sociedade cria o caldo de cultura que faz playboys pensarem que podem matar livremente. É preciso pôr fim a exploração. Bertolt Brecht diria melhor:
“ao invés de serem apenas bons, esforcem-se
para criar um estado de coisas que torne possível a bondade”.
Sandino Patriota, São Paulo