Desmatamento, destruição de nascentes, ataques à produção de alimentos e remoções violentas de famílias. Estes são os rastros que um grande empreendimento de mineração tem deixado por onde passa. Para resistir ao projeto idealizado pelo megaespeculador da área de energia Eike Batista e executado em conjunto com uma multinacional inglesa, comunidades das áreas afetadas pelo Projeto Minas Rio se reuniram nos dias 23, 24 e 25 de agosto, na cidade de Açu, norte do Rio de Janeiro, no 2º Encontro das Comunidades em Resistência ao Projeto Minas Rio. O encontro foi promovido pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da UFMG (Gesta).
O empreendimento tem como objetivo a construção de um mineroduto ligando as cidades de Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, e o 5º Distrito de Barra do Açu, em São João da Barra, no Rio de Janeiro, onde está em curso a construção do Porto de Açu. No projeto também estão previstas uma indústria siderúrgica e usinas termelétricas. No caminho de 525 km do mineroduto, 32 municípios serão atingidos. O minério será exportado para a China e Oriente Médio, servindo para aumentar os lucros dessas empresas à custa da vida de vários agricultores e a destruição do meio ambiente.
O Projeto Minas Rio
Presente ao 2º Encontro, o pesquisador e professor do Instituto Federal Fluminense Roberto Morais afirmou que o projeto do Porto do Açu surgiu em 1999, como parte do programa de privatização completa da Petrobras do então presidente FHC. Com o fracasso do plano de privatização pela pressão popular, o projeto é retomado no final do primeiro mandato de Lula, desta vez integrando a lista de grandes empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O aumento da exportação de commodities e a descoberta do pré-sal aumentam as possibilidades do projeto.
Em 2006, o Governo Federal entrega o projeto do Porto de Açu graciosamente para a empresa EBX, de Eike Batista, que, por sua vez, negocia e vende o Sistema Minas Rio por seis bilhões de dólares para a Anglo American, gigante do ramo de mineração, com sede no Reino Unido. Esse montante de presente auxilia Eike a investir no ramo do petróleo ao mesmo tempo em que se mantém sócio do projeto. Além disso, Eike adquire terras na região e lucra com o aluguel delas para os empreendimentos, uma verdadeira farra.
Fraude no licenciamento
Apesar de se tratar de um empreendimento, o licenciamento ambiental foi fatiado. A mina foi licenciada pelas Superintendências Regionais Ambientais de Minas Gerais (Supram), o mineroduto pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e o Porto de Açu, pelo Instituto de Meio Ambiente do Rio de Janeiro (Inea). Segundo o professor Eduardo Barcelos, da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), isso foi feito para impedir que se tenha clareza do real impacto ambiental das obras, pois não há uma visão de conjunto.
Além disso, em 2012, houve mais de 50 mudanças no trajeto original do mineroduto, o que obrigaria um novo estudo de impacto ambiental. Mesmo questionado pelo Ministério Público Federal, o Ibama autorizou as modificações, mostrando a conivência dos órgãos federais. As mudanças no trajeto farão com que as obras atinjam 260 km de Mata Atlântica, e já causaram danos irreparáveis no sítio arqueológico de Córrego do Maranhão, onde havia uma antiga aldeia tupi-guarani do ano 400 depois de Cristo.
O lucro acima da vida e da natureza
O 2º Encontro das Comunidades em Resistência ao Projeto Minas Rio possibilitou uma importante troca de experiências entre as comunidades de Açu e Conceição do Mato Dentro. As famílias denunciaram a falta de água nas regiões e a destruição de nascentes. Em Açu, a salinização da água e do solo provocada pela areia do mar retirada para a formação de um canal prejudica o plantio que abastecia feiras no Rio de Janeiro. A região tinha o maior plantio de maxixe e abacaxi do Estado. Em Conceição, a erosão provocada pelas obras da mina torna imprópria para consumo a água de rios e destrói cachoeiras e reservas ambientais.
As comunidades resistem às remoções violentas e ilegais. Dona Noêmia, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) de Açu, denuncia o caso da família Toledo. Enquanto a família enterrava seu José Irineu Toledo, de 83 anos, vítima de um infarto pelas pressões da ameaça de despejo, a Companhia de Desenvolvimento Industrial (Codin), órgão do Governo do Estado do Rio de Janeiro, despejou a família, invadindo a casa, retirando pertences e levando o gado. Lá viviam seu Irineu, a esposa, sete filhos e 11 netos. A família estava na comunidade de Água Preta há 60 anos. A indignação aumentou, e os protestos se intensificaram em Açu.
O Encontro aprovou um calendário de luta para as comunidades, e as famílias afirmaram que vão resistir. “No campo, o homem trabalhava e preservava, ajudava os bichos. Agora, Açu está morrendo. Queremos justiça. Respeitem o homem do campo e a natureza. Temos que gritar aos quatro cantos do mundo, sair nas ruas como fizeram agora os jovens. Pegar as terras de volta e entregar ao homem do campo que abastece a cidade. Quero saber que progresso e desenvolvimento são esses”, afirmou seu Pinduca, morador da comunidade de Açu.
Natália Alves, Belo Horizonte