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quinta-feira, 3 de outubro de 2024

A submissão da universidade ao neoliberalismo

Jorge Olimpo Bento, Catedrático da Universidade do PortoComo sabem, sou Professor da Universidade do Porto. Isto deveria bastar para me sentir muito orgulhoso, muito inchado, muito babado e extremamente feliz. E por quê? Porque, nos últimos sete anos, tanto nos discursos do Magnífico Reitor como nos documentos elaborados pela Reitoria da U. Porto, esta é enfaticamente apresentada como a ‘maior’, a ‘mais produtiva’ e a ‘melhor’ do país. Mais ainda, as mesmas fontes asseveram que, em 2020, a minha Universidade vai ser incluída no sacrossanto ranking das 100 melhores universidades do mundo!

A um indivíduo ‘normal’ isto bastaria para ter a alma a cantar de júbilo dentro do corpo e a querer saltar e dançar fora dele! Realmente não é fácil juntar tanto motivo justificador de uma existência eufórica. Só que eu sou ‘anormal’ e dissonante; pasme-se, não me incluo na ‘pauta’ e na escala vigentes na minha universidade! Nem aqueles tão altaneiros feitos me aliviam do estado de abandono, desalento, frustração e indignação em que me encontro. Para entender bem o revelado é importante prestar atenção ao não revelado!

Por um lado, a minha Universidade tem cometido traição, sim, traição, contra a missão a que está obrigada toda a instituição universitária como casa da Humanidade, da ética, da estética, da transcendência, da espiritualidade e da busca da verdade. Eu explico: os portugueses, entre os quais me incluo e se incluem todos os integrantes da universidade, têm sido sujeitos a um esbulho nos mais variados domínios. Ora nunca, repito, nunca o Reitor da minha Universidade, no decurso do seu longo mandato, tomou uma posição pública sobre este assunto.

Por outro lado, como se o ponto anterior não bastasse, o Magnífico Reitor da minha Universidade tem porfiado em implementar nela a ideologia e as medidas ditadas pela gadanha e seitoura mercadológicas. Docentes e não docentes, sobretudo os segundos, têm sido vítimas de autênticos vilipêndios.

Em suma, eu tenho vergonha por ver a minha Universidade ser cúmplice e conivente com a indecência que lavra no país, seja por concordância e complacência, seja por ação e omissão.

A Universidade precisa de um idioma que apele ao exercício da cidadania e à recusa do silêncio; que faça florescer a sensibilidade ao sofrimento alheio, a pulsão do altruísmo e da solidariedade, nas suas múltiplas modalidades, como método de resistir à gélida indiferença, tornada lei da selva humana e aceite como saída inevitável; que leve a olhar o rosto do outro não como dispensável e inútil, mas como nosso semelhante e obrigue à responsabilidade por ele; que fale da fragilidade, vulnerabilidade e precariedade da condição humana, comuns a todos; que nos desvie da tentação de encarar a vida dos outros como dispensável, supérflua e estranha à nossa; que ajude a perceber as circunstâncias que fazem as vidas menos ou mais ‘choráveis’; que nos intime a denunciar os atropelos da dignidade humana, da integridade e honestidade, a exigir a restituição da humanidade ameaçada e a reposição da justiça espoliada; que nos vincule uns aos outros; que nos galvanize a dizer aos nossos governantes e representantes que eles não são donos ou colonizadores de nós, nem nós seus servos ou escravos, que não podem privar-nos dos direitos e considerar-nos imigrantes ilegais na própria pátria, que não podem decidir a bel-prazer como base ou só no voto ou só na lei, sob pena dos escrutínios eleitorais serem cada vez mais uma treta, que temos o direito de existir e eles o dever de garantir o cumprimento dos valores basilares da vida e da convivência humana e democrática.

Será um excesso infundado desejar que o Reitor da minha Universidade não seja sósia dos políticos neoliberais, fanáticos e sem inquietudes humanistas, que nos tocaram em sorte? Provavelmente é um exagero da minha parte! Se assim for, exibo como desculpa a inépcia para compreender o novo e triunfante figurino deste mundo e para me conformar a uma noção mercadológica de Universidade.

Jorge Bento é Professor Catedrático da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto (Portugal)

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