A tentativa de superação do modelo econômico de base colonial no Brasil pode ser analisada considerando-se as medidas de proteção e incentivo a criação de um setor industrial nacional.
O fato proteção surge da constatação da existência de uma política econômica dos grandes grupos siderúrgicos internacionais localizados – inicialmente – nos Estados Unidos e Europa que situados nas proximidades de áreas produtoras importavam do Brasil, inclusive, uma complementação do minério necessário à produção de aço.
As grandes mineradoras – seguindo a fórmula adotada no setor petrolífero – ocupavam áreas ricas em minério de ferro e somente iniciavam a produção quando conveniente aos interesses de sua política econômica.
Esta prática complementava-se com o controle da tecnologia necessária a implantação de grandes siderúrgicas e altos-fornos projetados para o uso de carvão com características diferentes daquele conhecido no Brasil.
Analisando o modelo de exploração mineral nacional o engenheiro João Pandiá Calógeras publica o livro As minas do Brasil e sua legislação (Imprensa Nacional 1904) apresentando um levantamento dos minerais brasileiros, a localização das áreas com potencial produtivo, as principais aplicações na indústria além do modelo jurídico de exploração.
Calógeras, em sua obra, aponta a necessidade de reformulação da legislação destacando a instituição do modelo de separação entre a propriedade do solo e subsolo, elaboração de uma política econômica industrial com base nos recursos minerais e adaptação tecnológica dos motores e altos-fornos aos recursos energéticos nacionais.
Em 1915 Pandiá Calógeras, ocupando o cargo de ministro da agricultura comércio e indústria, assina o primeiro diploma legal republicano eliminando o regime de acessão (propriedade simultânea do solo e subsolo).
Cria-se a partir da chamada Lei Calógeras a figura do inventor de minas autorizando a pesquisa e exploração mesmo em propriedade privada quando constatada a negligência dos proprietários.
Observe neste caso a intervenção estatal no domínio econômico no sentido de garantir a exploração mineral e consequente regularidade no abastecimento de matéria prima ao setor industrial em oposição a pratica colonial tradicional.
Ainda na primeira república a proposta de elaboração de uma política industrial nacional e garantia do controle da matéria prima amplia-se. Em 1921 publica-se a Lei Simões Lopes que transforma as minas em bens imóveis caracterizadas como assessórias do solo, mas distinta dele.
Arthur Bernardes também destaca-se na proposição de uma política industrial nacional e institui em Minas Gerais o incentivo a criação de siderúrgicas através da cobrança de valores diferenciados aos exportadores que apresentassem interesse em estabelecer siderúrgicas no estado.
Ocupando a presidência da república Bernardes, em 1926, determina a proibição da transferência de minas, jazidas e terras consideradas necessárias à defesa e segurança nacional a pessoas ou empresas estrangeiras.
Considerados os esforços anteriormente citados a normatização jurídica da mineração no Brasil somente será consolidada em 1934 através de uma nova Constituição e criação do primeiro Código de Minas. Estes diplomas legais, dentre outras inovações, extinguiam definitivamente o modelo de acessão e anunciavam a nacionalização gradual das minas.
Observamos assim o aumento – a partir de 1934 – da intervenção do Estado brasileiro no domínio econômico, entretanto esta característica não implica em extinção da iniciativa privada ou proibição de associação com os grandes grupos internacionais do setor mineral.
O primeiro governo Vargas, inicialmente, priorizou a criação dos meios necessários para a atração do capital internacional para o setor da mineração. Não podemos ignorar que o principal mentor do Código de Minas de 1934 – Juarez Távora – sempre foi um defensor radical de uma ligação umbilical da economia brasileira aos Estados Unidos.
A defesa deste modelo de abertura aos grupos internacionais encontra-se baseada no principio da concorrência como forma de suprir as necessidades de consumo ignorando, deste modo, a existência da concentração como forma de garantir a reprodução do capital. A concorrência, considerando este principio, não estaria associada a extensão máxima do consumo e sim a eliminação das demais empresas.
Assim, mesmo com a oferta de matéria prima e vantagens fiscais o oligopólio siderúrgico recusou-se a instalar, naquele momento, filiais em terras brasileiras. A construção da primeira grande siderúrgica nacional (A Companhia Siderúrgica Nacional) somente tornou-se possível em 1941quando, por razões geopolíticas, os Estados Unidos concordam em financiar a obra e equipamentos enquanto o Estado assume as responsabilidades de sua concretização.
Estabelecido estes princípios a intervenção do Estado brasileiro no domínio econômico ocorrerá de modo pendular ora em defesa de um modelo nacional ora financiando os grupos internacionais.
O modelo responsável pela criação da Petrobras em 1953 foi o último – e o maior – a garantir uma empresa genuinamente nacional no setor mineral energético. Mesmo este sofreu intervenções externas a ponto de encontrar-se extinto desde 1995.
A Companhia Vale do Rio Doce, criada em 1942, para aplicar a política de mineração nacional sofreu destino mais radical e seu patrimônio foi entregue aos interesses internacionais durante os anos de 1990.
Os oligopólios internacionais, assim podemos concluir, necessitam de um modelo econômico em condições de garantir o controle de um bem finito. No caso das grandes siderúrgicas estadunidenses, europeias e chinesas o minério de ferro esgota-se em áreas próximas as suas plantas existindo a necessidade do aumento da extração em regiões ainda não exploradas ou parcialmente trabalhadas.
Neste contexto a política econômica brasileira encontra-se fundamentada no modelo de base colonial alimentando a ideia de geração de recursos a partir da exportação de minerais. Foi assim com o petróleo do pré-sal e aprofunda-se no modelo de exploração dos minérios em geral.
A proposta do novo Código de Mineração apresenta-se em conformidade a prática iniciada durante o governo Fernando Henrique Cardoso quando a emenda Constitucional nº 6 alterou o conceito de empresa brasileira permitindo a presença dos grupos internacionais nos setores de energia e mineração aprofundando a prática de exportação de matérias primas ou, como preferem os técnicos de modo eufemístico, commodities.
A extração mineral para exportação constitui a meta do atual governo conforme observa-se no manual de perguntas e respostas a respeito do novo Código de Mineração do Ministério das Minas e Energia: “(…) Houve, dentre essas mudanças, [na conjuntura econômica mundial] o aumento da dependência das commodities e o desenvolvimento de minerais usados em indústrias de alta tecnologia. Neste contexto, tornou-se necessário a necessidade de um novo modelo, capaz de adequar a realidade da indústria nacional à perspectiva futura de um mundo cada vez mais minero-dependente”.
Vejam que o governo defende a manutenção da tradição colonial brasileira fornecendo matéria prima às indústrias de alta tecnologia. E depois?
O governo segue o modelo proposto por Adam Smith no final do século XVIII quando este defendia o principio de etapas para um país atingir o crescimento econômico.
Primeiro a etapa de exportação de produtos primários para acumular os recursos necessários à industrialização e depois o paraíso. O discurso da entrega do petróleo do pré-sal seguiu rigorosamente este roteiro.
Smith, inclusive, fazia uma previsão catastrófica caso as 13 colônias da América não respeitassem esta lei natural da economia. Os Estados Unidos, como de hábito, não respeitaram a “lei” e o resultado conhecemos todos.
Preocupado em fornecer matéria prima aos grupos internacionais o governo brasileiro procura formas de entregar a totalidade das áreas com potencial mineral excluindo a participação das pequenas empresas nacionais, ignorando a existência de áreas de proteção ambiental ou cultural, desprezando as nascentes e rios.
O patrimônio histórico e paisagístico também encontra-se ameaçado inexistindo no novo projeto qualquer tipo de proteção. Mantém o governo a angustia do poeta Carlos Drummond de Andrade ao afirmar diante da exploração predatória em sua Itabira que “Minas não há mais”.
Outro aspecto grave: Inexiste no projeto do novo Código de Mineração limites a extração e exportação de minerais raros ou vitais a segurança energética e econômica nacional. O ouro, por exemplo, continua entregue a política econômica da Anglo Gold e Kinross.
O novo Código de Mineração, caso aprovado, entrega os recursos minerais brasileiros por uma das taxas mais baixas do mundo: Até 4%. O tempo de concessão também apresenta-se generoso e pode durar 40 anos acrescentados de mais 20 se sobrar algo a explorar.
O governo pretende entregar os recursos minerais nacionais por três gerações. Enquanto isso o Brasil permanecerá em sua tradicional situação de exportador de matéria prima e sabemos todos o quando esta condição torna frágil uma economia.
Uma das justificativas para alterar o Código de Mineração, segundo o governo, seria adequar a legislação nacional aos “novos tempos” afinal o Código em vigor foi elaborado no período da ditadura. Concordo plenamente. Todavia lembro que o atual titular das Minas e Energia – Sr. Edison Lobão – também é uma herança do mesmo regime do qual serviu-se fartamente junto com seu mentor o senador José Sarney.
Mas o que seriam estes novos tempos? Possivelmente o governo refere-se as disputas pelo controle da matéria prima com ênfase ao crescimento da economia chinesa, essa sim representando um novo e poderoso consumidor.
Para espanto dos liberais a política de mineração chinesa permaneceu durante os anos de crescimento fechada aos oligopólios e somente no final dos anos 90 inicia-se uma tímida abertura permitindo-se a formação de joint ventures.
Esta abertura deve-se a diminuição das reservas locais e apresenta em sua fundamentação a busca de novas tecnologias para a exploração. Mesmo assim existe uma limitação à exploração por empresas de capital estrangeiro de minerais energéticos e preciosos.
No caso do ouro e da prata a exportação é proibida e sua venda somente é permitida ao banco estatal que determina o preço não necessariamente semelhante ao estipulado nos mercados internacionais.
A legislação mineral chinesa – no Brasil o relator do projeto do novo Código afirma que preocupações com meio ambiente não precisam compor o citado texto legal e sim outros diplomas – determina as áreas proibidas à mineração. Citamos como exemplo: Os distritos industriais, áreas de conservação de água, as margens das rodovias, as margens dos rios, reservas naturais, pontos de interesses turísticos, sítios arqueológicos, históricos e paisagísticos. E as empresas estão, assim mesmo, brigando para conseguir as autorizações de exploração no território do gigante asiático.
O Estado chinês participa diretamente da exploração através de empresas estatais e determina o montante a ser minerado e sua utilização na indústria. No Brasil os instrumentos para este tipo de intervenção foram extintos a partir do governo Fernando Henrique Cardoso – os demais governos mantiveram o modelo – ficando o país sem condições de desenvolver uma política exploratória nacional submetendo-se aos interesses das políticas econômicas elaboradas nas sedes dos oligopólios.
A legislação chinesa também estabelece dificuldades para a transferência de titularidade da concessão aspecto liberado na proposta do Código brasileiro possibilitando – ao exemplo dos fatos verificados nas empresas X – a simples especulação de concessões.
A aprovação do novo Código de Mineração aponta para a repetição dos fatos verificados na votação da lei que permitiu a entrega do petróleo do pré-sal. As emendas apresentadas – em sua maioria – referem-se a distribuição dos royalties ignorando os aspectos humanos, culturais e necessidades econômicas do povo brasileiro.
Wladmir Coelho
O que há de “NOVO” neste governo se a mentalidade é “VELHA”.
A motivação do poder é a mesma. Os “porquês” são os mesmos.
O Brasil não avança, não anda, porque os “condutores” são os mesmos
e os “novos” não tentam mudar, porque é mais cômodo e lucrativo e em nome das
suas “bases”, subornam e são subornados. A mesma prática do ” toma lá dá cá “.
Triste,velho e vergonhoso.