O fim do século 19 e início do século 20 foram marcados pelo grande desenvolvimento do meio urbano no Brasil. O fim do modelo escravista e a queda da economia cafeeira foram elementos importantes para o surgimento de um forte êxodo rural no país, inflando as cidades e gerando novas necessidades econômicas e sociais.
Inicialmente, os capitais vindos da produção de café eram injetados em indústrias de pouca complexidade, como a indústria têxtil e alimentícia. As pessoas que vinham do campo para trabalhar nessas indústrias passaram a habitar as regiões menos organizadas das cidades, dando origem aos cortiços e aos primeiros bairros operários do Brasil. Não demorou muito para que o estado intervisse nestas áreas de habitação. Muitos cortiços foram destruídos e famílias desabrigadas, formando as primeiras favelas do país. O alicerce da segregação urbana foi levantado por um estado ineficiente e despreocupado com os efeitos sociais que a má distribuição do espaço urbano pode gerar.
Apenas na década de 30 do século passado é que o estado começa a desenvolver um esboço de política pública para habitação. Como a alta dos aluguéis fazia com que a classe trabalhadora reivindicasse maiores salários, o governo se viu pressionado duplamente: pelos trabalhadores e pelos empresários. Foi então criado o Instituto de Aposentadoria e Pensão.
Industrialização e desigualdade urbana
Com o avanço da indústria brasileira, em 1950, as cidades passam por transformações. As vias são adaptadas para a circulação de automóveis. Mas, para os pobres a favela continuou sendo a única opção. Como resposta à indignação dos trabalhadores, o presidente JK construiu 17 mil casas através da Fundação da Casa Popular. Entretanto, além de passar longe de sanar o déficit habitacional, as ações do governo JK não combatiam diretamente a especulação imobiliária.
Quando ocorreu o golpe militar de 1964, a Fundação da Casa Popular foi extinta, e em seu lugar criado o Plano Nacional de Habitação. Entretanto, este plano apenas atuava nas regiões “legais” das cidades, tratando as favelas e ocupações irregulares com truculência e repressão. A construção de COHABs promovida pelo governo militar permaneceu limitada à classe média.
Durante a ditadura aconteceu uma profunda segregação de classe no território urbano. Com a queda nos mercados das bolsas de valores, em 1971, e a crise do petróleo, em 1973, o país foi agredido por uma crise inflacionária que diminuiu o poder de compra do salário, aumentando o número de favelas. Na década de 1980, uma série de programas do governo forma criados com intuito de barrar o crescimento das favelas, todos sem sucesso.
A partir das lutas dos movimentos sociais, as pautas relacionadas à reforma urbana e política de habitação tiveram reflexo na Constituição de 1988. A partir de então os municípios ganharam responsabilidade sobre o tema, trazendo maior eficiência para a resolução dos problemas e criando maior proximidade da população com as decisões do estado.
A situação atual
Atualmente, os conjuntos irregulares de moradia são algo inerente às grandes cidades do Brasil. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) trabalha com o conceito de aglomerado subnormal, determinado como “o conjunto constituído por 51 ou mais unidades habitacionais caracterizadas por ausência de título de propriedade e pelo menos uma das características abaixo: irregularidade das vias de circulação e do tamanho e forma dos lotes e/ou carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública)”.
O Censo 2010: Aglomerados Subnormais – Informações Territoriais do IBGE identificou 6.329 favelas espalhadas pelo país. Ainda segundo esta pesquisa, 59,3% da população que residem em locais deste gênero, isto é, 6.780.071 pessoas, estão nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Salvador e Recife. No total, foram identificadas 11.434.58 pessoas que vivem em locais inapropriados para a moradia.
O Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) realizou uma Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) com as estimativas do déficit habitacional entre 2007 e 2012, publicada em no final do ano passado. Esta pesquisa informa a necessidade da reposição do estoque de moradias em função da precariedade ou desgaste das moradias existentes. Também identifica as unidades habitacionais onde coabitam famílias sem que esta seja sua vontade e também o valor excessivo dos aluguéis. Em 2012, foram identificadas 5.244.525 unidades habitacionais que possuíam um ou mais destes componentes. Além disso, foi observado que 85% do déficit habitacional brasileiro estão no meio urbano, embora a precariedade das habitações rurais seja maior do que a das habitações urbanas.
Reafirma-se aqui a real segregação social existente nos territórios das grandes cidades. A capital do Rio de Janeiro, por exemplo, possui 73% do déficit habitacional de todo o estado; Recife, 43% e São Paulo, 50,5%. Esta pesquisa revelou que houve uma diminuição de 1,47% no déficit no período estudado, entretanto, uma análise mais detalhada mostra que a mesma queda não ocorreu para os mais pobres.
De fato, o índice aumentou 3% para as famílias com até três salários mínimos. É importante ressaltar que programas como o Minha Casa, Minha Vida são de suma importância para combater o déficit habitacional, mas que para fins estatísticos sua influência não necessariamente terá impacto imediato.
O que fica claro é que a cidade não é para todos. Grande parte das populações que vivem nas metrópoles do Brasil não tem acesso à iluminação pública, à segurança, à saúde e à educação. As prefeituras atuam visivelmente nos bairros nobres, fornecendo todos os serviços com qualidade; entretanto, os bairros populares e as favelas não recebem quase nenhum apoio do governo. Ao contrário, a exemplo de governos do século passado, muitas prefeituras ainda tratam a favela como caso de polícia.
Uma das soluções que o povo tem encontrado para resolver o problema da habitação é a ocupação de terrenos inutilizados, seja por órgãos públicos, seja por instituições privadas. Como foi o caso recente da ocupação da Telerj, no Rio de Janeiro. Assim defende o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que organiza ocupações como a Eliana Silva, em Belo Horizonte (MG). Na sua bandeira figura a frase: “Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito”.
Daniel Victor Ferreira, Recife