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sexta-feira, 29 de março de 2024

A solidariedade entre mulheres não pode mascarar a luta de classes

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1622707_10203177057211200_914812337_nDesde o primeiro momento em que notei que a palavra “sororidade” estava sendo difundida nos discursos das feministas, devo admitir que me causou um certo desconforto e, de fato, despertou em mim uma real preocupação referente ao uso constante deste termo, visto que os termos e conceitos não terminam em si, mas servem como ferramentas de reflexão para a compreensão de um determinado fenômeno.

Devido a isto, encaro como um fator limitador da construção da ação prática deste movimento – histórico e que não existe isolado – o uso constante de palavras análogas à “sororidade”.

A palavra sororidade vem do latim soror, que significa irmã e faz referência ao tratamento dado às freiras. Pois bem, alguns termos como “irmandade feminina” e “compaixão feminina” abrem espaço para generalizações que consequentemente levam à invisibilidade de mulheres que se diferenciam em questões de classe, cor e mesmo de identidade de gênero (mulheres trans), por exemplo, e por isso mesmo vivenciam as opressões de modo diferente.

A ideia de solidariedade que esta suposta “universalidade da mulher” insere neste contexto acaba se tornando uma falácia, pois esta mulher universal não existe. Nossas diferenças nos marcam e muitas vezes isto ocorre de forma violenta. Exemplo é a marginalização histórica das mulheres negras, que quando falamos de condições econômicas, são as mais afetadas.

Quero dizer com isto que não considero que o feminismo abarque a todas nós, apenas por sermos mulheres, mas por uma decisão política que tomamos. O feminismo não existe isoladamente, mas está inserido em diferentes contextos históricos. Para que o feminismo possa existir enquanto um movimento orgânico é necessário que ele possua diferentes dimensões, visto que está inserido em uma sociedade cindida em classes sociais que se diferenciam e ocupam lugares distintos, podendo ser privilegiadas ou não.

Diferenciar é importante porque além de humanos somos seres sociais e possuímos necessidades diferentes. É possível seguir esta mesma linha de raciocínio quando a questão é a luta das mulheres pelo direito à cidade. O papel da mulher neste debate é fundamental, visto que se fôssemos pensar apenas a população de modo geral, esta luta não incorporaria outras dimensões que dizem respeito às necessidades específicas das mulheres, que apesar de serem a maioria da população, são as que mais sofrem com a falta de políticas públicas.

Sei que não sou dona do termo “sororidade” e por isso mesmo não me proponho aqui a esgotar nenhum debate. Também não me proponho a atacar alguém em particular. Sei que podem existir diferentes concepções acerca de um mesmo termo ou conceito. Escrevo este texto para me posicionar politicamente sobre o uso de categorias simplistas que a meu ver podem prejudicar mais do que agregar.

Isto não significa, no entanto, que eu não respeite outras dimensões do feminismo. Meu intuito é que possamos refletir juntas sobre o uso indiscriminado de termos e também sobre problemas analíticos que podem surgir a partir disto.

Se o emprego deste termo não abrisse espaço para questionamentos, talvez não encontrássemos por aí tantas mulheres feministas assumindo posições contrárias à ideia de “irmandade” feminina. O uso de termos e conceitos genéricos pode ser perigoso devido à capacidade que estes possuem de simplesmente apagar alguns sujeitos. Além disso, muitas mulheres se sentem “pisando em ovos” ao tentar dialogar sobre questões como esta com outras feministas, que encaram o movimento como se fosse algo uno, que caminhasse dentro de uma linearidade e cujo processo de construção não abarcasse questões contraditórias e conflituosas.

Há mulheres que não se sentem contempladas com o uso de alguns termos – neste caso específico “irmã” – e isto por si só já é algo que merece devida atenção de feministas que acreditam que este movimento deve ser constantemente construído e dinamizado e que o uso de termos genéricos implica em perdas na capacidade de mobilização. Devemos procurar ser mais cuidadosos e menos românticos quando nos articulamos politicamente.

“Hoje, abarcar a diversidade, reconhecer as diferenças, falsas simetrias e privilégios existentes entre diferentes grupos de mulheres é fundamental para fazer o feminismo avançar. A mulher pode ser oprimida ou opressora, tudo vai depender do contexto em que está inserida. Reconhecer isso significa sair de um amontoado de pequenas questões pessoais para enxergar o quão complexo é o terrível patriarcado. Porém, vale sempre lembrar, não é ele nosso único inimigo” (Trecho retirado do site www.srtabia.com).

Se existe um debate que de fato é perigoso para os setores que se interessam em manter uma sociedade de classes e com desigualdade de direitos entre gêneros, é exatamente o debate sobre a igualdade. Reconhecer as diferenças deve fazer parte de um processo de emancipação.

A ideia de que somos mulheres e justamente por isto somos irmãs me remete a algo parecido como sairmos andando de mãos dadas por aí, de forma romântica, como se não houvesse a possibilidade de sermos esmagadas por uma outra “irmã” burguesa e que ocupa um lugar privilegiado na sociedade. Acredito em solidariedade entre mulheres, apoio mútuo, ouvir umas às outras, desconstruir coletivamente o machismo que ainda existe dentro de cada uma, com respeito, e na construção de espaços onde mulheres que sofreram opressões possam estar cercadas por outras mulheres que também sofreram opressões e que por meio da troca de experiências e ideias criativas e criadoras possam somar na luta contra o capital, o patriarcado e na construção de uma sociedade mais justa, com igualdade entre gêneros e sem classes, a sociedade socialista.

Yohanan Barros, Rio de Janeiro

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