Escola não é fábrica

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Linha de produçãoA propaganda absurda da Prefeitura do Rio de Janeiro, publicada na segunda-feira (08/12) em página inteira no Jornal O Globo, mostra da forma mais descarada possível o pensamento neoliberal para a educação. Me nego a chamar a propaganda de infeliz, como deve ter gente dizendo. O termo infeliz traz uma conotação nesses casos de uma ação frustrada realizada na tentativa de acertar, mas sabemos que a idéia passada pela imagem não é desconexa à política educacional da Prefeitura do Rio de Janeiro, mas sim a mais fiel representação do projeto de Eduardo Paes e seu secretário de educação. Pior, podemos ampliar essa representação para todo o estado do Rio de Janeiro e, ainda mais, para a grande maioria dos munícipios e estados brasileiros.

Uma política material, mas também ideológica. Vejamos.

Em Minas Gerais, junto a prefeitos e governadores, o ex-senador Aécio Neves se regozijava pelos bons resultados do estado na educação pela medição do IDEB. De fato o estado empatava de forma geral com São Paulo, Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul, de acordo com a faixa de ensino avaliada. Mas isso demonstra uma educação de qualidade? Não!

O que é necessário para que a rede de ensino tenha uma boa avaliação no IDEB? Um alto rendimento escolar e o sucesso na “Prova Brasil”. Sucesso na Prova Brasil a gente entende, os estudantes fazem uma prova – apenas de matemática e português – de alternativas que pode ser resolvida com conhecimento ou sorte. Mas e o rendimento escolar, mede conhecimento do aluno? Não!

O rendimento escolar mede o número de aprovações, reprovações e abandonos dos estudantes. A cada vez que um estudante abandona a escola ou é reprovado, a nota do estado cai no IDEB e fica mais difícil alcançar as metas estabelecidas a cada dois anos, até 2021. No geral o Brasil ficou abaixo da meta de crescimento esperado no IDEB para os anos finais do ensino fundamental (6º a 9º anos) e no ensino médio.

Aí que entra a jogada que ficou escrachada na propaganda fluminense. A imagem de estudantes sentados em carteiras sobre uma esteira mecânica era acompanhada pela seguinte frase: “Nossa linha de produção é simples: construímos escolas, formamos cidadãos e criamos futuros”. Teria como expressar a política educacional atual melhor do que com essa imagem e frase? Devemos louvar a coragem da Prefeitura do Rio em sua honestidade de apresentar como trata a educação de forma mecanizada.

Mas voltando ao IDEB. Essa “linha de produção” tem alguns pontos principais:

1) O índice de aprovação: A tal progressão automática do Alckmin é fruto dessa visão. O estudante é aprovado mesmo com deficiências e sem cumprir todos os requisitos necessários para chegar à série seguinte. Por isso que no final do ensino médio temos estudantes se formando sem saber ler e escrever ou fazer as operações básicas de matemática e sem dominar as diversas ciências.

Em São Paulo, onde o modelo neoliberal do PSDB destruiu a educação ao longo dos últimos 20 anos, os professores são tentados a aprovar os estudantes de qualquer jeito em troca de um bônus. Já na Prefeitura, denúncias apontam que em setembro os estudantes aprovados já haviam sido definidos, mesmo com três meses de aula pela frente.

2) Construção de escolas: Essa medida da prefeitura, segundo professores e funcionários, se dá pela falta de vagas. Afinal, quem pode citar uma escola sendo construída na cidade de São Paulo? E isso se repete por todo o país. Escolas caindo aos pedaços, literalmente. Lousas em que é impossível ler ou escrever, salas sem carteiras e cadeiras, falta de laboratórios e quadras esportivas, entre outras deficiências.

Chama a atenção também a tentativa de transformar a construção de escolas pré-moldadas, que não levam em conta as necessidades dos estudantes, com desenvolvimento da educação. Mas todas as crianças e jovens são iguais? Todas as comunidades tem o mesmo perfil para possuírem escolas iguais? Não!

3) Controle da evasão: Com um ensino que não atrai o estudante e uma escola que não dá condições materiais e físicas e que não é acolhedora, muitos optam por “tocar a vida” ao invés de “perder tempo” dentro da escola. Cada vez que um estudante abandona a sala de aula o país perde em desenvolvimento, teremos mais um homem ou mulher analfabeto(a) ou iletrado(a). Mas para os neoliberais, eles perdem um número. E com isso perdem dinheiro de fundos nacionais e internacionais e, até, perdem votos (mesmo que isso seja desmentido em São Paulo). Com isso cria-se a tática do dois pra lá, dois pra cá. As escolas ficam trabalhando para convencer os estudantes a mudarem de escola para que esses alunos sejam indicados como transferência e não como abandono, evitando que o índice da escola caia. No final do ano podemos conferir nas listas de presença salas com mais de 10 ou 15 transferências.

Outros pontos também afetam o IDEB, mas tem menor peso na nota final.

Uma avaliação simples como a feita aqui sobre as políticas e modelos educacionais aplicados no Brasil demonstra como a propaganda da prefeitura do Rio não foi mera infelicidade ou azar, mas a representação fiel da proposta pedagógica que é a seguinte: Colocar estudantes na sala de aula para cumprir a meta da LDB e de outras leis; aprovar o maior número possível, ignorando os casos mais absurdos e as necessidades dos estudantes para não sobrecarregar a linha; entregar o diploma para o estudante abrindo vaga para os que vêm a seguir. Um carro possui um tempo estipulado para ficar pronto. A escola tem como meta entregar o estudante “formado” em 12 anos. Depois fica o custo para a sociedade ou a universidade – caso ele tenha sorte – fazer o recall.

E não podemos deixar passar que no fim da linha de montagem temos produtos sempre iguais. Portanto não é à toa que vemos a luta constante para diminuir a quantidade de aulas de matérias que podem produzir um pensamento contestador. Também não é à toa que vemos direções de escolas sendo entregues aos militares. Para pensar é preciso sair da linha e escolher um caminho alternativo, e os poderosos não querem permitir isso. Crianças criativas são doentes que precisam de Ritalina e jovens contestadores são problemáticos que precisam de um bom corretivo.

O que precisamos tirar de aprendizado, já que a vida é uma grande escola, é que não podemos esperar dos governos atuais mudanças satisfatórias nas políticas para educação. Escolas de tempo integral, dois professores em sala, entrega de uniformes, etc. são apenas medidas que tentam passar uma boa impressão para a sociedade.

Assim como a pintura dos muros das escolas e o cheiro de tinta fresca que encontramos nas salas no início do ano, mas que no final estão iguais ou piores que no ano passado, essas medidas não resolvem o problema, que exige uma transformação radical, uma verdadeira derrubada dos muros das escolas (em sentido figurado ou não). Sabemos que a proposta anarquista de uma sociedade sem escolas é absurda, mas a educação não pode perder sua capacidade contestadora e seu papel revolucionário.

E sabemos que em uma revolução o novo surge do velho, mas antes é preciso questionar tudo o que é velho e destruir o que não nos serve mais, até que não fique pedra sobre pedra.

Lucas Marcelino, professor da rede estadual de São Paulo.