Ao ser preso pela segunda vez, em 16 de agosto de 1965, Manoel Lisboa, então com 21 anos, se declarou marxista-leninista e escreveu: “O despertar da consciência humana para os problemas sociais, para o problema de milhões de explorados, é um sentimento que desencadeia em cada pessoa um série de transformações para melhor e uma acertada conduta da vida pessoal.”¹
Diferente do que repetem os intelectuais pequeno-burgueses, ser marxista-leninista não é um chavão, mas assumir uma nova ideologia, uma ideologia que se caracteriza por defender uma nova sociedade na qual não exista a exploração do homem pelo homem; é despertar sua consciência para os problemas sociais, é identificar as verdadeiras causas da pobreza, da fome, do desemprego, é compreender que a luta de classes é a alavanca da transformação social, é lutar para pôr fim a essas injustiças e, principalmente, dedicar sua vida a essa luta, à revolução.
Assim, cada militante que ingressa no Partido Comunista Revolucionário, que se torna marxista-leninista, aprofunda seu compromisso com os milhões de explorados existentes em nosso país e no mundo, mas também inicia um processo de transformação na sua vida, abandona velhas concepções e ideias e adquire uma nova consciência, um novo modo de ver o mundo, o que não pode deixar de acarretar uma nova conduta na sua vida.
A luta entre o velho e o novo
Porém, por vezes, esbarramos nesse processo de profunda transformação pessoal manifestando vaidade e arrogância nas relações com os camaradas ou em reuniões de nossos coletivos. Debates que poderiam ser conduzidos de uma maneira mais tranquila, tornam-se, de repente, uma discussão em que ninguém ouve ou presta atenção no que o outro fala, mas apenas no que a própria pessoa fala. Muitas vezes chega-se a um impasse e, o que é pior, alguns guardam rancor dessas discussões em vez de fazer autocrítica do comportamento que tiveram. O coletivo, com muitos novos militantes, assiste a esses embates em silêncio, se perguntando se há realmente motivo para toda essa discussão e por que tanta exaltação e hostilidade se estamos entre camaradas. Outros militantes se preocupam em demasia com seu reconhecimento e se comportam como se acreditassem que as coisas seriam melhores se eles mesmos estivessem no comando.
Não há dúvida de que esses comportamentos são manifestações das velhas concepções individualistas; são sobrevivências de hábitos egoístas do tipo “o que importa é o êxito individual e não o coletivo”. É evidente que essa vaidade nada tem a ver com o novo homem ou com a nova mulher; tampouco, trata-se de uma virtude; pelo contrário, o leninista é, antes de tudo, uma pessoa simples, altruísta, e comprometida muito mais com os milhões de oprimidos existentes no mundo do que consigo próprio. Embora defenda sempre o debate e a discussão, luta para que ele seja fraterno, para que cada discussão resulte no desenvolvimento de uma nova consciência no Partido, e não numa situação de derrotados e vencedores.
Lênin: simples como a verdade
Com efeito, no livro Breve história de Lênin, de Elio Bolsanello, encontramos a seguinte passagem: “Perguntado sobre a característica mais saliente de Lênin, Dimitri Pavlov, operário de Somovo, respondeu a Máximo Gorki: “A simplicidade. Ele é simples como a verdade.” O mesmo declarou John Reed, autor do livro Dez dias que abalaram o mundo: “Lênin é tão simples, tão humano e, ao mesmo tempo, tão sagaz e firme.”²
Também Nadezhda Krupskaia em seu artigo Lênin, propagandista e agitador, afirma que “Lênin não suportava as pessoas que olhavam para as massas de cima para baixo. Sempre falava com as pessoas humildes com respeito e se interessava pelo que faziam e pensavam sinceramente. Ouvia e não apenas falava, procurando aprender e não somente ensinar.”
Mas, além da presunção comunista, temos outra manifestação de individualismo não menos prejudicial à conquista de nossa profunda unidade ideológica: a resistência à autoridade no interior do partido, em particular, às decisões com as quais não se concorda. Quando se tem concordância com uma decisão tomada, tudo vai bem; mas se a orientação aprovada não é aquela que se defendeu, fica-se em silêncio ou torce contra a decisão que o coletivo tomou para provar que “ele estava certo e o coletivo errado”. Alguns chegam mesmo a utilizar de conversas individuais para questionar a justeza da decisão adotada pelo coletivo.
Por mais que se considere a sua posição como a mais correta, espalhar a desconfiança no seio do partido equivale a cultivar o ceticismo na revolução, pois o partido é o principal instrumento de que dispõe a classe operária para pôr fim à escravidão e à exploração imposta pelo Estado burguês e, como a história já demonstrou inúmeras vezes, sem uma profunda coesão e unidade de ação no partido revolucionário, não é possível derrotar a classe dos capitalistas nem construir a nova sociedade. Sem dúvida, como afirmou Stálin, “Nenhum exército em guerra pode prescindir de um Estado-Maior experimentado, se não quer condenar-se a derrota”.
Até mesmo uma greve, uma ocupação, para serem vitoriosas necessitam que haja uma grande unidade entre os participantes dessa luta e um comando firme e coeso.
O que devemos assegurar é a existência de permanentes debates nos coletivos e evitar tomar decisões sem essa discussão. Mas o Partido precisa atuar na sociedade, não pode ficar olhando a banda passar, e fará isso melhor se todos estivermos conscientes da importância da nossa união. Por isso, após a contenda, a peleja, todos devemos nos unir e trabalhar para conquistar nossos objetivos: desenvolver a consciência e a organização das massas e crescer o partido. Na realidade, enfraquecer a autoridade no interior do Partido é desprezar o papel de uma organização de revolucionários, é aderir ao velho espontaneísmo. Ademais, como disse Engels, não se pode de maneira nenhuma defender uma revolução e ser contra a autoridade, pois “Uma revolução é certamente a coisa mais autoritária que se pode imaginar.” (Engels. Sobre a autoridade).
Entretanto, quando avaliamos esses acontecimentos e fazemos essas observações todos concordam, reconhecem não ter agido corretamente e prometem que isso não se repetirá. Outros são mais sinceros e dizem que sabem que é errado, mas que não conseguem mudar. Ora, não é possível derrotar o velho com atitudes superficiais e promessas vãs; é preciso uma luta titânica, ter perseverança e não desistir. Até porque, “Quando o novo acaba de nascer, tanto na natureza como na vida social, o velho permanece sempre mais forte do que ele durante um certo tempo.” (Lênin. Uma grande iniciativa)
O indivíduo e o coletivo
Mas por que companheiros e companheiras que declaradamente são marxista-leninistas têm ainda essas atitudes?
Como explica Marx, “As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes na sociedade”. Numa sociedade capitalista, como a que vivemos, as ideias que dominam são naturalmente as da burguesia. E quais são elas? “Explorar um outro ser humano em proveito próprio é justo e digno”; “Para vencer na vida é preciso ser a todo momento competitivo, superar seus rivais no mercado”; “as coisas são o que são e é impossível mudar o mundo”. Essa ideologia é reproduzida diariamente milhares de vezes em cada filme, em cada jornal, em cada programa de TV ou de rádio, na internet e por todas as instituições burguesas existentes na sociedade capitalista. Exercem, portanto, uma influência gigantesca nas pessoas sem mesmo elas perceberem.
Em outras palavras, a oposição entre o indivíduo e o coletivo não é fruto do acaso; é filha de uma ideia dominante em nossa sociedade: a de que o indivíduo é mais importante que tudo; que uma pessoa, para se afirmar, não pode abrir mão de sua ideia e deve sempre impor seus interesses e sua vontade ao outro custe o que custar e cause o mal que causar. Logo, a vaidade e a arrogância não brotam do nada; elas são filhas da moral burguesa e têm por base a propriedade privada dos meios de produção.
Falando para a juventude comunista soviética, Lênin descreveu assim essa mentalidade burguesa: “Se eu tenho meu empreguinho de médico, de engenheiro, de professor ou de funcionário, que me interessam os outros? Se eu me arrasto ante os poderosos, é possível que conserve meu lugar e talvez possa fazer carreira e chegar a burguês.”³
Nosso êxito é a revolução
Todas essas ideias determinam um comportamento de disputa e de competição entre as pessoas, de querer ser melhor que o outro e de tudo fazer pelo seu sucesso pessoal. O comunista, o marxista-leninista, tem outra mentalidade; seu objetivo não é o êxito pessoal, mas a libertação da classe operária, o fim do sofrimento dos trabalhadores, é a conquista de uma nova sociedade, de um mundo melhor e da fraternidade entre os povos em das guerras.
Na realidade, não é possível a vitória da revolução sem derrotar o velho na sociedade e afirmar o novo tanto no país quanto no indivíduo. O verdadeiro comunista precisa ficar atento a essas atitudes, ter consciência de que elas constituem a continuidade em nós do que é velho e atrasado e são extremamente prejudiciais à luta revolucionária. Não basta, pois, estudar o marxismo-leninismo; é preciso praticar a camaradagem no seu cotidiano, desenvolver uma solidariedade efetiva com todas as pessoas oprimidas, ter em mente como viveram e como procederam em sua vida Marx, Engels, Lênin, Stálin, Che Guevara e outros grandes revolucionários, cultivar a simplicidade e não a vaidade na sua vida pessoal.
Lula Falcão é membro do comitê central do PCR e diretor de A Verdade
Notas
¹A primeira prisão de Manoel Lisboa ocorreu em 1964, quando ficou preso por 15 dias.
(A Vida e a luta do comunista Manoel Lisboa. Edições Manoel Lisboa.)
² Breve história ilustrada de Lênin. Elio Bolsanello. Edições Manoel Lisboa
³As Tarefas dos Jovens Comunistas. Edições Manoel Lisboa