O dia 5 de novembro de 2015 está marcado como o do maior crime já ocorrido contra o meio-ambiente no Brasil. O rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, região Central de Minas Gerais, provocou e continua a provocar estragos irreversíveis para milhões de pessoas nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. No momento, a lama tóxica se alastra mar adentro em direção ao litoral sul da Bahia, com a possibilidade de chegar a Abrolhos, que possui um parque nacional marinho.
Em poucos minutos, a lama de dejetos e metais pesados (arsênio, chumbo, manganês, zinco) da Barragem do Fundão chegou à Barragem de Santarém, fazendo esta transbordar. Em seguida, desceu violentamente em direção ao distrito de Bento Rodrigues, destruindo tudo que estava pela frente, soterrando dezenas de vidas humanas, animais, plantações, acabando com a história dos 612 moradores do pacato vilarejo.
A enxurrada seguiu em direção ao Rio Doce, alcançado sua cabeceira e acabando com toda fauna e flora desta importante bacia. A lama tomou conta do rio e envenenou sua água, deixou milhares de desabrigados e afetou diretamente a população de mais de 300 cidades até a pequena vila de pescadores de Regência (ES), na foz do Rio Doce, deixando para trás um rastro de destruição em importantes cidades, como Ipatinga e Governador Valadares, em Minas, Linhares e Colatina, no Espírito Santo. Oito toneladas de peixes mortos foram retiradas até agora, e várias espécies estão ameaçadas de extinção. Todas as cidades às margens da bacia do Rio Doce estão afetadas pelo desabastecimento de água, causando desespero, tristeza e dor. A população realiza vários protestos pela garantia do abastecimento de água, e o governo responde com repressão.
Nas zonas rurais, os agricultores estão desolados com a perda de suas plantações, criações e subsistência. Todos temem pelo futuro, pois precisam da água para plantar, comer e alimentar os animais. O mesmo acontece com os índios Krenak. São 126 famílias indígenas que vivem em suas aldeias no Município de Resplendor, Minas Gerais. Para eles, o Rio Doce era muito mais que um rio. “Muitos acham que o rio é só água e peixe, mas, para nós, era a fonte de sobrevivência e uma questão de cultura. Desde o início dos nossos antepassados, o Rio Doce mantém nosso povo”, afirmou o cacique Leomir Cecílio de Souza, 30 anos, da tribo Atora.
Embora os donos da Samarco, empresa de propriedade da Vale e da anglo-australiana BHP Billiton, responsável por esse crime, tentem passar a ideia de que foi uma fatalidade, um acidente inesperado, uma casualidade, trata-se de um crime contra a vida de pessoas, ao meio-ambiente, à fauna e à flora, pois a empresa sabia da gravidade e dos riscos de rompimento da barragem, e não tomou providências.
Nenhuma ação preventiva foi tomada e nem itens básicos para segurança foram garantidos. Não havia, por exemplo, sequer sirenes para avisar os moradores das cidades da região em caso de rompimento. O presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, pediu desculpas pelo “acidente” e anunciou que a “empresa também era uma das vítimas da tragédia”. Um deboche contra as dezenas de mortos. Mostra apenas que, para os capitalistas, o que interessa é o lucro, mesmo que seja à custa de vidas humanas e da destruição da natureza.
O clima na cidade de Mariana é de muita tristeza, muita gente perdida nas ruas em busca de familiares ainda desaparecidos. Apesar de serem apresentados números oficiais (13 mortos e 8 desaparecidos), esses dados não correspondem à realidade. É muito comum ouvir depoimentos de pessoas que dizem que o número de vítimas fatais é superior ao que está sendo anunciado. A Samarco, a Vale, a BHP Billiton, a Prefeitura de Mariana, o Governo de Minas Gerais, todos os órgãos de imprensa burguesa escondem esta situação, informam dados inverídicos, mentem para proteger o interesse das empresas, tentam amenizar os reais impactos e são cúmplices das manobras das empresas. Nem mesmo a assistência adequada às famílias está sendo garantida. Até agora, a única medida efetiva do Governo Federal foi aplicar uma multa de R$ 250 milhões, solicitar que a Samarco adote medidas para conter o avanço da lama no mar e ingressar com uma ação na Justiça para formar um fundo para revitalizar o Rio Doce.
Diante das evidências dos graves crimes cometidos pelas mineradoras, o governo de Fernando Pimentel também se omite e silencia. Quer dizer, quando se pronunciou, foi de dentro da própria Samarco. Já não bastaram 12 anos de desgoverno do PSDB em Minas Gerais, agora o atual governo segue promovendo a mesma política de completa subserviência ao capital. Ao invés de atuar para responsabilizar a empresa, entregou todas as ações nas mãos da própria Samarco, deixando os órgãos ambientais do governo e até a Polícia Militar, que cercou a área sob a inteira coordenação da empresa. É a Samarco que define quem entra e sai da área atingida, que repassa e controla as informações, que fiscaliza. Mais uma prova de que é o mercado que regula as relações no sistema capitalista, e o governo segue apenas as orientações das empresas.
De onde vem o poder da Samarco e da Vale?
Mas esse silêncio e omissão em favor das mineradoras não acontece por acaso. Há muitos anos que as mineradoras atuam como verdadeiras donas das cidades, apropriando-se de tudo, desde a produção das riquezas econômicas, da vida cultural e social, dos destinos políticos. Elegem prefeitos, vereadores, deputados, governadores, indicam juízes, delegados, interferem no cotidiano e na liberdade dos habitantes.
Nas eleições de 2014, por exemplo, a doação das mineradoras cresceu bastante. A Vale, por exemplo, financiou campanhas de presidente, de governador, senador e deputados por meio de seis empresas: Vale Energia, Vale Manganês, Vale Mina do Azul, Minerações Brasileiras Reunidas, Mineração Corumbaense Reunida e Salobo Metais. Somando, um total de R$ 88 milhões. O maior beneficiado foi o PMDB, partido que controla o Ministério de Minas e Energia e a maioria dos cargos no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM); recebeu R$ 23,5 milhões. A distribuição elegeu até um chamado Clube dos Seis, em referência aos seis partidos que mais receberam doações: PMDB – R$ 23,55 milhões, PT – R$ 8,25 milhões, PSDB – R$ 6,96 milhões, PSB – R$ 3,5 milhões, PP – R$ 1,5 milhões e PCdoB – R$ 1,5 milhão. O resultado desta política de compra de votos é que, dos 27 deputados da Comissão da Câmara responsável pela elaboração e relatoria do Novo Código de Mineração, 20 foram financiados pelas mineradoras.
Também houve doações específicas para as campanhas de alguns dos três principais candidatos à presidência da República: o senador Aécio Neves (PSDB), a atual presidente Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB/Rede). Além disso, o senador Antônio Anastasia (PSDB), ex-governador de Minas Gerais, o atual presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), e o governador eleito de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), também receberam doações especiais para suas campanhas. Com esses governantes envolvidos de corpo e alma na lama da Samarco, não é possível que alguma fiscalização ou investigação séria ocorra.
Exploração de nossos minérios não beneficia o povo
Há políticos que têm responsabilidade direta nos crimes da Samarco-Vale. É o caso dos senadores Aécio Neves e Antônio Anastasia, ambos do PSDB, que governaram Minas Gerais nos últimos 12 anos e promoveram toda a política de liberação de licenças ambientais para as mineradoras construírem barragens, devastarem as florestas e escavarem as montanhas. Nas barragens da Samarco-Vale, em Mariana, nem mesmo o parecer técnico do Ministério Público Estadual considerando as insuficiências e os altos riscos na construção foi levado em conta, e as obras foram avalizadas por Aécio Neves.
Fernando Pimentel (PT), atual governador, mesmo com o desastre ocorrido em Mariana, enviou à Assembleia Legislativa, no dia 25 de novembro de 2015, o PL 2.946/15, que facilita a liberação das licenças ambientais, encurta o período de análise técnica, dispensa o Estudo de Impactos Ambientais, coloca a Secretaria do Meio Ambiente como balcão de negociatas das mineradoras, entre outras medidas nocivas à preservação ambiental.
Minas Gerais é o maior produtor de minérios do Brasil. Mais de 50% da produção nacional de ouro tem origem em Minas Gerais, e o Estado é responsável por aproximadamente 53% da produção brasileira de minerais metálicos e 29% de minérios em geral. É o maior produtor de ferro, ouro, zinco, nióbio, fosfato, grafita, lítio e calcário. Hoje mais de 300 minas estão em operação, e a atividade está presente em mais de 250 municípios mineiros. Segundo a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemig), o estado produz 75% do nióbio do mundo. As reservas mineiras de nióbio são para mais de 400 anos, quando existem somente três minas em todo o mundo.
Privatização da Vale abriu caminho para desastre
Alguns aspectos representam de forma contundente esse cenário apocalíptico. Primeiro, que a atividade mineradora saiu do controle público, em 1997, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, privatizou a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e passou às mãos de monopólios estrangeiros pelo valor de R$ 3,3 bilhões, financiado pelo BNDES, muito abaixo de seu preço real que a empresa valia: R$ 100 bilhões. Hoje a Vale tirou o Rio Doce do nome e também do mapa. O fato é que a Vale produz toneladas de minérios, possui quilômetros de ferrovias, milhares de hectares de florestas replantadas, entre outros bens, tudo sob controle privado.
Além dos danos à economia nacional, a privatização deu início à precarização da mão de obra, com a utilização em larga escala da terceirização. Logo os acidentes começaram a ocorrer com frequência. O aumento da produção mineral também aumentou a degradação ambiental e a devastação.
Apesar do agravamento da situação, as mineradoras seguem aprofundando a exploração sem limites das reservas minerais e na busca desenfreada pelo lucro a qualquer custo. O crime da Samarco em Mariana começa a atingir diretamente a vida dos trabalhadores e dos municípios e cidades exploradas pela mineração. Milhares de trabalhadores estão sendo demitidos na região, já que a empresa não pode retomar suas atividades enquanto não der solução aos problemas gerados por ela no rompimento da Barragem do Fundão.
Esse é outro problema. As empresas obtêm lucros fabulosos, pagam salários irrisórios aos trabalhadores, repassam migalhas aos municípios e, quando acontece uma tragédia como essa, mandam os trabalhadores embora.
É hora de exigir um Novo Código de Mineração que tenha como prioridade a verdadeira sustentabilidade, a relação harmônica entre homem e natureza, mas, principalmente, a imediata reestatização da Vale, devolvendo ao povo brasileiro seu patrimônio, bem como a prisão de todos os diretores da Samarco. É claro que falar em sustentabilidade no capitalismo é querer o impossível, quando o lucro é mais importante que vidas.
Várias iniciativas de movimentos sociais, sindicatos e organizações políticas vêm sendo articuladas na região. A UJR, a Unidade Popular pelo Socialismo e o PCR estão ao lado da classe trabalhadora, sempre a grande vítima da superexploração por parte dos grandes capitalistas. Os acontecimentos de Mariana não são diferentes: uma grande parte da população da região paga pela falta de segurança e pela ganância por superprodução impostas pelas grandes empresas. A organização e a luta em prol da emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras de nosso país seguem firmes.
Fernando Alves (Belo Horizonte), com a colaboração de Vinícius Chefe (Ouro Preto), de Alexandre Hudson (Mariana e Itabirito) e Cristiana Guimarães (Unidade Popular pelo Socialismo)