São 516 anos de história conhecida do Brasil, 388 com escravidão, 128 sem escravidão e ainda não sabemos lidar com as marcas dessa história. A maior delas é o racismo.
O racismo é um fenômeno estrutural que divide e classifica as pessoas entre superiores e inferiores segundo sua respectiva raça/cor/etnia. Historicamente, serviu para que os negros fossem vistos como inferiores e legitimados como escravos para sustentar todo um sistema econômico. Com a abolição da escravidão no Brasil, em 1888, ainda que chamada de livre, a população negra se viu colocada em uma sociedade capitalista na qual ela não era incluída.
Por que a questão racial ainda é tão forte?
Basta o exemplo da educação e das cotas raciais para expressar a estrutura desigual na nossa sociedade. Em São Paulo, segundo o Relatório de Gestão das Políticas de Igualdade Racial da Prefeitura, só 12,5% dos estudantes universitários são negros, de uma população brasileira com 53% de negros, de acordo com dados da PNAD de 2014. Então, estamos longe de ter o acesso que as nossas crianças e jovens negros precisam. Não vencemos essas etapas, não deixamos de nos dividir entre privilegiados e desprivilegiados desde o fim da escravidão.
Partindo para uma vivência local, tomemos o exemplo da Universidade Federal do ABC (UFABC) e seu sistema de cotas de 50%, com vagas reservadas para estudantes provenientes de escolas públicas, dentre estas, também para estudantes pretos, pardos e índios. Desde 2013, para adequação à Lei de Cotas, pelo menos 50% das vagas reservadas na Universidade que são de cotistas devem ser ocupadas por candidatos provenientes de famílias com renda per capita inferior a um salário mínimo e meio.
Segundo a “Pesquisa de Perfil e Opinião Discente”, da Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Institucional (PROPLADI), realizada em 2015, a UFABC tem um universo de 6,1% de alunos declarados com pele preta e 20,8% com pele parda. Apesar de uma porcentagem considerável de cotas na Universidade, o ambiente universitário é marcado pelo padrão da nossa sociedade, reproduzindo assim o racismo para com os alunos e alunas negras.
Como garantir a permanência desses alunos? Em 2016, foram concedidas 850 bolsas de permanência na UFABC, mas o País vive um contexto da precarização na agenda de Educação, que já perdeu oficialmente R$ 4,2 bilhões, segundo decreto publicado no Diário Oficial – ainda no Governo Dilma. Segundo o governo, os cortes visam a atingir a meta fiscal de 2016. Sendo assim, mais uma vez vemos as questões sociais se tornando secundárias, além de serem as primeiras áreas com verbas diminuídas.
Tivemos sérias ocorrências de racismo na UFABC no ano de 2015, como a pichação deixada em um dos banheiros do refeitório universitário do campus de São Bernardo do Campo: “Negros da UFABC, lembrem-se: a vida não tem cotas, saindo daqui serão apenas uns escravos letrados”. Esse acontecimento resultou em uma nota de repúdio do Coletivo Negro Vozes e uma forte pressão do Coletivo para medidas institucionais da Universidade, a fim de punir os responsáveis. Os funcionários terceirizados – em sua maioria negros – também são alvo de pichações carregadas de ameaças.
Uma das situações absurdas que pode ser destacada é o distanciamento das funcionárias terceirizadas de limpeza, majoritariamente mulheres. Elas são orientadas para não conversar com alunos, apenas fazendo o serviço da limpeza. Essa orientação trabalhista as coloca em um nível de vulnerabilidade e invisibilidade dentro da convivência hierárquica da Universidade. A expressão dos preconceitos passa desde a origem das pessoas, abordando xenofobia contra nordestinos, chegando à intolerância, incluindo homofobia com pichações nos banheiros dos blocos Alfa 1 e Beta, do campus de São Bernardo do Campo, como: “Viado tem que morrer”.
Parafraseando Stephanie Ribeiro (escritora e ativista feminista negra): vemos as principais escolas e universidades sem alunas e alunos negros, como a Universidade de São Paulo (USP), que ainda não instituiu cotas, e mesmo a Universidade Federal do ABC (UFABC), com cotas, inserida em um cenário de reprodução do racismo. Vemos as prisões e periferias marcadas pela juventude negra e vemos notícias de mortes e assassinatos de pessoas negras todo dia, sem acesso a saúde e educação, por exemplo.
Precisamos conhecer a história de resistência do povo negro e permanecer na luta pelos nossos direitos, enquanto negros e negras, combatendo toda forma de racismo nos espaços que estivermos.
Diana Mendes, Coletivo Negro Vozes – UFABC