O filme “Geraldinos”, dos cineastas Pedro Asbeg e Renato Martins, remonta a um período em que uma área do estádio do Maracanã abrigava os torcedores de times rivais num mesmo espaço. Alegria, emoção, criatividade e solidariedade compunham esse cenário democrático.
O Maracanã, no Rio de Janeiro, foi inaugurado em 1950. O anel junto do gramado foi batizado de Geral. A partir de então, “Geraldino” passou a ser denominado o torcedor que frequentava esse espaço. Chegava cedo ao estádio e a paixão por seu time alimentava sua alma. O valor cobrado pelo ingresso era irrisório. O torcedor assistia ao jogo em pé, fizesse sol ou chuva. Comparecia com a camisa do time ou fantasiado para expressar suas emoções. Pulava, gritava, xingava o jogador, aplaudia, rolava no chão, chorava, abraçava. Suas expressões faciais e corporais acompanhavam cada toque de bola da partida em campo.
Essa película nos brinda com relatos dos jogadores Zico e Romário, dos jornalistas Apolinho e Lúcio de Castro, do historiador Luiz Antônio Simas e do deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo. Todos manifestam suas indignações com a elitização do Maracanã com a voz embargada, olhos lacrimejados e a revolta nas palavras.
“O ‘Geraldino’ era a expressão do Dom Quixote, uma expressão de sonho. Os moinhos de vento ficavam lá fora e na Geral era o lugar em que podiam sonhar realmente”, diz o jornalista Lúcio de Castro. “O ‘Geraldino’ não serve para o novo Maracanã. O lugar dele é em casa com pay-per-view, no subúrbio. O fim da Geral é o fim de uma concepção de estádio e a derrota de um projeto de cidade”, diz Freixo.
“Hoje o futebol é business, é negócio. Nem eu sei de quem é o Maracanã. Só sei que não é meu”, ironiza o jornalista Apolinho. “A lógica fria desses tecnocratas que não entendem nada de futebol é cruel. Diziam que os ‘Geraldinos’ não conseguiam ver o jogo e com a reforma esses torcedores iriam conseguir assistir melhor. Consegue quem? Eles não são burros porque estão ganhando muito dinheiro”, acredita o historiador Luiz Antônio Simas.
No filme, os torcedores também expõem suas opiniões a respeito do fechamento da Geral, que aconteceu em 2005. Para sair do clichê que o Fluminense é o time da elite e o Flamengo do povão, os diretores inverteram essa situação. Contaram a trajetória de dois torcedores que frequentavam a Geral e hoje nem passam perto do Maracanã: o tricolor era negro e morador da favela; pegava ônibus para ir ao Maracanã. O rubro-negro era branco de olhos claros e residia no Leblon, bairro nobre do Rio de Janeiro. Ambos dividiam o mesmo espaço na Geral nos saudosos Fla-Flus.
Hoje, o tricolor assiste o jogo em casa com os amigos e familiares, regado à cerveja e um bom churrasco. O flamenguista vai sozinho para o bar perto de casa que estiver passando o jogo.
Com o “padrão Fifa”, a Geral desapareceu do Maracanã, lar por excelência dos “Geraldinos” durante 55 anos. O que assistimos hoje é um estádio vazio. O encanto desses torcedores não aparece nas cadeiras numeradas do Maracanã. As cores das suas bandeiras e a irreverência das fantasias desapareceram. Suas expressões e emoções não comparecem mais nesse espetáculo. Seus abraços, sorrisos e lágrimas ecoam na lembrança desses momentos de sonhos e realizações.
Denise Maia, Rio de Janeiro
[…] para 200 mil torcedores. Hoje, por medidas de segurança – e para a saudade eterna dos geraldinos (o torcedor que acompanhava os jogos da extinta geral) – o estádio teve sua capacidade […]