Luís Eduardo Gomes – Reprodução de Sul21
Com bombas de efeito moral, spray de pimenta e um forte aparato do Grupo de Ações Táticas Especiais, a Brigada Militar começou no início da noite desta quarta-feira (14) a ação de reintegração de posse da Ocupação Lanceiros Negros, que ocupa um prédio pertencente ao governo do Estado na esquina das ruas General Câmara e Andrade Neves, no Centro de Porto Alegre. A BM cumpre uma ação autorizada pela Justiça na segunda-feira, que permitia a utilização da força a qualquer momento.
A ação iniciou, por volta das 19h, no momento em que era realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa justamente sobre a ocupação. Proponente da reunião, o deputado Jeferson Fernandes (PT) levou a audiência para a porta da ocupação, o que não impediu a Brigada de empregar força para liberar a entrada do prédio antes mesmo de um oficial de justiça comunicar aos moradores a decisão judicial, o que só ocorreu por volta das 19h20.
Antes da chegada do oficial de justiça, Fernandes já denunciava agressões por parte da polícia. Logo após a comunicação do oficial, os agentes usaram spray de pimenta e atacaram os manifestantes que estavam diante do prédio, incluindo o deputado, que posteriormente foi algemado e detido.
Por volta das 19h45, os policias arrancaram a porta da ocupação com uma caminhonete e entraram no prédio para iniciar a remoção dos moradores, que tinham se trancado dentro do prédio.
Ação de surpresa
Apesar de a decisão da Justiça permitir que fosse realizada a reintegração de posse a qualquer momento, até o final da tarde de hoje não havia nenhuma confirmação oficial de que algo estava prestes a ocorrer. Procurada por volta das 18h30, a assessoria de imprensa da BM não confirmava que nenhuma ação estivesse prevista.
Por outro lado, os moradores da ocupação já esperavam que algo pudesse ocorrer ainda nesta quarta. No final da tarde, realizaram um ato para marcar a intenção de resistir à decisão, mas rapidamente já se fecharam dentro do prédio. Segundo o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que coordena a ocupação desde o seu início, em novembro de 2015, entre 100 e 150 pessoas moram na Lanceiros Negros, divididos em 42 “apartamentos”. Pelo menos 34 crianças, sendo seis com menos de um ano, vivem no local. Há também duas mulheres grávidas.
“A gente tem bastante certeza porque amanhã é feriado, o Centro vai estar vazio, então a gente sabe que vai ser amanhã. Dado o que aconteceu na última reintegração de posse, a gente sabe que nas próximas horas o nosso perímetro vai ser fechado, para tentar impedir que as pessoas venham”, disse Nana Sanches, coordenadora do MLB, cerca de duas horas antes do início da ação da Brigada.
Lucimara de Lara Mira, 19 anos, que mora na ocupação com o marido e a filha, de um mês, prometia resistir até as últimas consequências. “A gente não tem para onde ir. Não tem outra opção, ficar até o último, não tem outra escolha”, dizia, acrescentando, porém, temer uma ação da polícia. “Eles já estão com vontade de pegar a gente desde o ano passado. O medo é por causa deles. Só por causa deles”.
No fim, o medo acabou sendo justificado. Menos de duas horas depois, dezenas de policiais militares fortemente armados iniciaram a operação.
Quinta reintegração de posse
Esta é a quinta ação de reintegração de posse do prédio, que estava abandonado há cerca de 10 anos antes de ser ocupado, autorizada pela Justiça. Nas quatro vezes anteriores, os advogados da ocupação conseguiram reverter a decisão.
Na mais dramática delas, em maio de 2016, a Brigada Militar chegou a montar uma grande operação, isolando todos os acessos ao prédio durante a noite com a expectativa de remover os moradores pela manhã. Foram horas de tensão em que as famílias da Lanceiros permaneceram divididas entre quem conseguiu chegar em casa antes do bloqueio e aqueles que voltaram do trabalho quando a BM já havia isolado o perímetro. Ao amanhecer, porém, todos receberam a notícia de que uma liminar obtida na Justiça obrigava o Estado a suspender a ação.
Em todas as ocasiões em que as ações foram suspensas, a Justiça determinara que o governo do Estado oferecesse alternativas para as famílias, o que eles negam que tenha acontecido. “Eu tenho certeza que a Procuradoria do Estado vai dizer que deu muitas alternativas para nós. As alternativas dadas foram ‘voltem para a casa de vocês’. Nós dizíamos: ‘Quais casas? Vocês querem que a gente vá para a periferia, para o tráfico de drogas? Nós não vamos’”, diz Nana.
Ela ponderava ainda que a alternativa apresentada pelo governo do Estado mais próxima de ser de fato uma opção foi a possibilidade do aluguel social. No entanto, ela afirma que este programa apresenta atrasos constantes, o que motivou uma ocupação, no ano passado, do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) de Porto Alegre.