Ao longo de 10 meses, de outubro de 2016 a 23 de julho de 2017, a 20ª Romaria das Águas e da Terra do estado de Minas Gerais foi gestada e realizada de forma processual. Fruto de várias reuniões de preparação, o tema e o lema guiaram e orientaram nossa atuação. O tema: Povos da Cidade e do Sertão, clamando por Água, Terra e Pão; e o Lema: Povos, Rios, Veredas e Nascentes são Dons de Deus em Romaria e Resistência. Fizemos 12 pré-romarias, com a participação de 6 mil pessoas no total, nas cidades de Uruana de Minas, Buritis, Arinos, Chapada Gaúcha, Serra das Araras, Urucuia, Santo Antônio do Boqueirão, Três Marias, São Gonçalo do Abaeté, João Pinheiro, Bonfinópolis de Minas e Unaí. Fizemos uma Caravana Cultural com sete Shows Eco Lógico apresentados pelos cantores Carlos Farias e Wilson Dias, em sete cidades. Com 80 missionárias/os da CPT e da Cáritas, vindas/os de várias regiões de Minas, de Campinas e da Prelazia de São Félix do Araguaia, MT, fizemos uma semana de Missão, de 15 a 22/7/2017, nas 4 paróquias de Unaí, em comunidades urbanas e camponesas. Registramos em vídeo e divulgamos na internet parte do que aconteceu nas pré-romarias, nas missões e na Celebração “Final” da 20ª Romaria (cf. www.xxromariadasguasedaterramg.blogspot.com.br e no Facebook: XX Romaria da águas e da terra de Minas – 2017).
Faremos avaliação conjunta e planejaremos o processo de pós-romaria. Muitas sementes do Evangelho de Jesus Cristo foram semeadas. Precisam ser regadas. Nossa eterna gratidão às milhares de pessoas que, em mutirão gratuito, participaram da organização e realização das pré-romarias, da Caravana Cultural e da Celebração “Final” da 20ª Romaria, dia 23 de julho, em Unaí, das 8h às 16h30.
Dos inúmeros pontos marcantes da 20ª Romaria citarei sete:
- Em 20 anos de Romarias das Águas de da Terra acontecendo nas dioceses de Minas Gerais foi a primeira vez que aconteceu Romaria das águas e da terra estadual na Diocese de Paracatu.
- A 20ª Romaria ter acontecido de forma processual foi muito significativo e viabilizou ouvirmos os clamores da mãe terra, da irmã água, dos biomas e dos povos da cidade e do sertão em 12 municípios. Assim, a 20ª Romaria não foi apenas um evento.
- A 20ª Romaria deu visibilidade ao projeto violentador socioambientalmente que está em curso no noroeste de Minas e revelou uma verdade que liberta, mas dói: “O agronegócio com hidronegócio, em grandes monoculturas, com uso abusivo de agrotóxicos, se continuar, irá exterminar todos os rios e já secou praticamente todos os córregos, além de matar milhares de nascentes, veredas e grotas. Em nome das crianças, das próximas gerações, em nome da dignidade humana e da dignidade de todos os biomas, a 20ª Romaria levantou a mensagem que diz: só teremos futuro se frearmos os grandes projetos devastadores do meio ambiente, se pararmos de considerar terra e água como mercadorias, se nos tornarmos, de fato, cuidadores/ras das nascentes, das matas ciliares e empreendermos processos práticos de revitalização de todas as bacias e micro bacias hidrográficas. Todos somos corresponsáveis por essa luta de revitalização e cuidado com nossa Casa Comum. Para isso, compreender que a terra é mãe sagrada é imprescindível. Dona Terezinha, da Comunidade do P.A Curral do Fogo, em Unaí, MG, nos aponta o caminho. Todos os dias, após levantar, dona Terezinha ajoelha e beija a mãe terra, que é sagrada e nos sustenta. Louva a Deus pela maravilha que é toda a natureza que nos sustenta. (cf. Depoimento de dona Terezinha no vídeo https://www.youtube.com/watch?v=bWJ9uGcj9ik&feature=youtu.be )
- Como uma estrela de Belém, a 20ª Romaria guiará as pessoas de boa vontade na luta comunitária e coletiva por direitos sociais e pela construção de uma sociedade justa, solidária e sustentável ecologicamente. A estrela de Belém gerou esperança para os magos do oriente e para o povo oprimido, mas também incomodou o rei Herodes e a classe dominante da época que trataram logo de mandar assassinar as crianças para tentar impedir o nascimento de Jesus Cristo. Assim, a 20ª Romaria consolou muita gente e gerou esperança, mas também incomodou.
- O quarto evangelho da Bíblia afirma que “a verdade liberta” (João 8,32), mas a verdade dói, pois revela as injustiças e propõe um caminho de superação das violências, um caminho de paz com justiça social, agrária, urbana e ambiental. Feliz quem não se fechar para ouvir os apelos da mãe terra, envenenada pelo uso abusivo de agrotóxico e sequestrada em grandes propriedades. Feliz quem tiver a humildade de ouvir os clamores da irmã água, sacrificada em nome do ídolo capital – agronegócio com hidronegócio. Feliz quem, além de ser solidário com as pessoas que estão contraindo câncer, der as mãos para lutarmos pela superação das causas do que está gerando tantos casos de câncer no noroeste de Minas. 50 anos atrás, o noroeste era um paraíso de natureza e não tinha tantas doenças.
- O desmatamento e as monoculturas com uso abusivo de água estão causando desertificação no noroeste de Minas. Unaí e Paracatu são municípios campeões em área irrigada e em número de pivôs, mais de 150 mil hectares de lavoura irrigada. No noroeste há 77 assentamentos de reforma agrária, muitos estão precisando de caminhão pipa para o abastecimento humano. Temos o compromisso de reverter esta situação, de modo que as águas e a terra sejam preservadas como Dádivas de Deus para as gerações futuras e para todos os organismos vivos.
- A acolhida e o apoio de dom Jorge Alves Bezerra, bispo da Diocese de Paracatu, durante todo o processo da 20ª Romaria, confirmou a justeza da causa levantada: a defesa da mãe terra, da irmã água, de toda a biodiversidade e dos povos do campo e da cidade. A homilia de dom Jorge na missa de encerramento da 20ª Romaria foi profundamente espiritual e profética. Fez um bem enorme a todos/as que participaram da celebração eucarística de conclusão da 20ª Romaria. E, no final, da missa, dom Jorge alegrou mais ainda a todos ao dizer que, se quisermos e precisarmos, poderemos realizar a 21ª Romaria das Águas e da Terra de Minas Gerais, em 2018, na Diocese de Paracatu. “As portas estão abertas”, arrematou ele.
Agora é hora de avaliarmos e planejarmos a continuidade da caminhada.
Por frei Gilvander Moreira, da CPT
Belo Horizonte, MG, 27/7/2017