MLB significa Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas. Mas poderia ser também Mulheres de Luta do Brasil. O jornal A Verdade foi até Natal, capital do Rio Grande do Norte, e entrevistou várias companheiras militantes do MLB que se destacam nas ocupações onde moram pela firmeza com que defendem seus direitos, suas famílias, com que lutam por moradia digna, contra o machismo e por uma nova sociedade. Estas mulheres são a face do povo pobre brasileiro em sua luta diária pela sobrevivência e por melhores dias para o país. Através delas, vamos conhecer melhor o trabalho do MLB.
Desde 2004, quando o movimento se organizou na cidade, já foram conquistadas 2.200 unidades habitacionais a partir das Ocupações Leningrado, Emmanuel Bezerra, Oito de Outubro, Djalma Maranhão, Luiz Gonzaga, Frei Tito e Anatália Alves. Estima-se que o déficit no município seja ainda de 48 mil habitações. Por Rafael Freire
Na Cidade das Dunas, como Natal é conhecida, a Ocupação Oito de Março, que conta com cerca de 200 famílias, foi erguida sobre uma extensa montanha de areia fina no bairro do Planalto. O terreno, ocupado há exatos cincos anos, pertence à Prefeitura Municipal. Até dezembro, está prevista a entrega das unidades habitacionais para as famílias em outro bairro. O nome da ocupação, além de uma referência ao Dia Internacional da Mulher, é uma homenagem a Valdete Guerra (data de seu aniversário), coordenadora do MLB e líder da Ocupação Leningrado, falecida de câncer em 2011.
“Estou desde o primeiro dia da ocupação”, afirma Eliane Veríssimo, 33 anos, manicure e mãe de três filhos. Quando perguntada sobre o que significa para ela uma moradia digna, afasta de imediato a ideia de que morar num barraco não é digno: “É digno sim, pois estamos aqui lutando por uma moradia melhor. Os ricos, os poderosos, muitas vezes pensam que aqui somos vagabundos, mas não é isso, não. Sofremos muito, principalmente quando chove e tem gente que não tem condições de ter um telhado e precisa viver debaixo de uma lona. Mas, por exemplo, quando eu morava com minha família na Zona Norte, minha mãe e meu padrasto trabalhavam no forno do lixão para poder pagar aluguel”.
Alzanir Queiroz, 35 anos, empregada doméstica, trabalha “na casa dos outros” desde os nove anos de idade. Cuida sozinha de seus três filhos e de duas enteadas. “Hoje eu reconheço a importância de estar organizada no movimento porque, no início, não participava dos atos, das assembleias, mas depois eu vi que lutar vale a pena, pois só assim a gente sai do aluguel e conquista a casa própria”.
Outra companheira que também foi convencida pelo exemplo de luta e de conquistas do MLB é Lidiane de Assis, 36 anos, dona de casa, mãe de Laura, de cinco anos. “Eu tinha uma visão muito negativa de quem participava de movimentos, pois pensava que quem ocupava era desocupado, gente que fazia protesto só pra trancar o trânsito, atrasar os trabalhadores no serviço. Mas quando eu tive a necessidade, porque não tinha mais como pagar aluguel, encontrei abrigo aqui, fui acolhida pelo movimento, aí vi que essa visão que eu tinha era totalmente contrária à realidade. Aqui só tem gente que precisa e que vai pra rua cobrar aquilo que é direito nosso. Nós lutamos por moradia digna, saúde e educação”.
“A gente tem que estar sempre junto com o MLB, porque é o movimento que realmente luta com o povo aqui em Natal. Quando conquistar minha casa, no final do ano, vou continuar divulgando o MLB para outras famílias porque a gente sabe que os companheiros vão organizar novas ocupações”, afirma Vera Lúcia, 59 anos.
Maria das Vitórias, 38 anos, dona de casa, mãe de dois adolescentes e que está com uma gestação de cinco meses, marcou o início da nova vida riscando numa das tábuas da parede de seu barraco a data em que chegou com seus filhos e sua irmã para morarem na ocupação: 8/2/2015. “Sei o dia em que cheguei aqui e tenho certeza que, por conta da nossa luta, meu bebê já vai nascer no nosso apartamento”, afirma.
Presença nas comunidades
Como explica Wellington Bernardo, da Coordenação Nacional do MLB e que atua no Rio Grande Norte, o movimento também acompanha comunidades pobres com ocupação territorial já consolidada. Um exemplo é a comunidade Camboim, que surgiu há quase 20 anos, escondida por trás de um trecho de mata, debaixo de uma linha elétrica de alta tensão. Nela vivem hoje 160 famílias.
Adriana Gomes, 42 anos, dona de casa, mãe de duas filhas, está entre as primeiras pessoas a morar no local. “Na época, não tínhamos dinheiro. Meu marido trocou um passarinho por um barraco onde só cabia uma cama de casal, uma quartinha de água e uma rede. Essa foi nossa primeira moradia aqui. Era muito formigueiro, inseto, muita lama. Só dava pra atravessar a rua com o burrinho que a gente tinha porque a gente sobrevivia com o trabalho de carroceiro”. Depois de todo esse tempo de abandono, após a presença do MLB na comunidade, os moradores da Camboim estão na expectativa de conquistar a casa própria no mesmo empreendimento habitacional das ocupações Oito de Março e Padre Sabino.
A luta por moradia na região central de Natal
Nanci Ferreira, pensionista, tem 66 anos, três filhas e nunca havia participado de uma mobilização ou movimento social. Há dois anos, ingressou na Ocupação Padre Sabino, feita num galpão desativado na região central de Natal, e que conta atualmente com cerca de 100 famílias. “Eu conheci o MLB através de uma amiga que participava das reuniões. Ela não teve paciência, mas eu tive e estou aqui até hoje. Cheguei e fiquei. Eu gosto muito daqui. Acreditei na palavra dos companheiros da coordenação e minha visão do mundo mudou pra melhor. Eu nunca aceitei injustiça e falsidade. Eu tinha um marido que bebia muito e ameaçava me bater, mas, antes que isso acontecesse, eu decidi me juntar ao movimento e estou feliz por isso”.
Ana Paula Mendonça, 30 anos, mãe de quatro filhos e grávida de mais uma criança, também não conhecia nada sobre movimento popular. “Comecei só no apoio da cozinha comunitária, mas hoje estou na coordenação da ocupação. Nas assembleias a gente divide as tarefas porque aqui é um lugar fechado, e aí não podemos deixar as ruas sujas nem fazer muito barulho. Se aqui é nossa casa agora, temos que cuidar dela”, afirma.
“Quando entrei no MLB foi que eu vim entender o extremo que temos que viver e lutar para ter direito à moradia digna. Aprendo muito a cada dia”, conta Valéria Patrícia, 31 anos, mãe de três filhos. Ela trabalhava como avulsa numa empresa de processamento de pescado, mas está desempregada há três anos. “Hoje, aqui dentro, a gente pode até dormir um pouco mais tranquila, sabendo que não vai ter que pagar um aluguel caro, uma luz cara. O MLB entrou na minha vida num momento muito difícil, quando eu estava sendo despejada da casa onde morava em Brasília Teimosa. Antes eu só me preocupava em como pagar as contas, porque não tinha trabalho certo. Hoje eu sonho com o dia em que meus filhos vão estar dentro de uma casa podendo olhar a chuva cair pela janela”.
Além de participar das atividades da ocupação, Valéria, Ana Paula e outras companheiras e companheiros do MLB estão na linha de frente das coletas de assinaturas para a legalização da Unidade Popular (UP), uma alternativa política aos partidos tradicionais. “A gente corre atrás dos direitos de todos. Em cada sábado, estamos arrecadando assinaturas para a UP e, mesmo que alguns pensem que é só uma assinatura, a gente sabe que não é, pois temos que lutar para mudar o Brasil”, finaliza.
Mulheres nas coordenações das ocupações
Na Ocupação Tiradentes, surgida há quase um ano e meio no bairro de Felipe Camarão, a reportagem de A Verdade conversou sobre a luta do MLB, das mulheres e sobre os problemas do Brasil com as companheiras Suênia Bezerra (31 anos), Jesselene Carla (22 anos), Micarla Pontes (28 anos) e Renata de Freitas (31 anos).
A Verdade – Pela experiência de vocês, qual a importância de ter um movimento organizado que luta por moradia?
Suênia – O MLB é muito importante porque organiza trabalhadores e mães de família que lutam para dar uma vida melhor para seus filhos.
Renata – Lutamos não só aqui, mas em todo o Brasil. Quem mais nos prejudica são aqueles que estão no poder e deveriam nos defender. O MLB entrou em nossas vidas para nos organizar, nos reeducar, mostrando que existe um caminho, sim.
Vocês são mulheres jovens. O que as motivou a entrar no movimento?
Jesselene – Eu passava muita dificuldade, meu marido estava desempregado, mas desde que o MLB apareceu, mudou tudo, porque hoje não dependo de mais ninguém.
Micarla – Quando eu conheci o MLB, morava de aluguel, passava muitas dificuldades por não estar trabalhando, dependia do Bolsa Família e da ajuda da minha mãe. Hoje está bem melhor porque aqui na ocupação todo mundo se ajuda.
Estamos vivendo um momento de vários cortes de direitos e de verbas no Brasil como, por exemplo, no programa “Minha Casa, Minha Vida”. O que vocês esperam do futuro, já que não há uma perspectiva de mudança em curto prazo?
Jesselene – Eu acredito que, com o MLB, a gente pode vencer esta batalha. Mas sem o MLB não tem como acreditar que nenhum desses governantes vai nos dar nada.
Renata – Vemos as dificuldades que o país está passando, mas antes de conhecer o movimento é que eu via meus sonhos cada vez mais distantes. Hoje, não. Acredito que tudo é possível de ser transformado, basta estarmos organizados, mesmo que para isso seja preciso fazer uma revolução.
A maioria das pessoas que participa das coordenações das ocupações é de mulheres. Qual a importância disso?
Suênia – Eu me considero uma mulher batalhadora por ter força de lutar pelos direitos das mulheres. Muitas ainda dependem de seus maridos, mas muitas vão à busca de emprego, da sua sobrevivência, de batalhar por seus direitos.
Renata – Isso é muitoimportante porque a gente é discriminada em todos os setores por esses machistas, pela burguesia, que acham que só o homem é capaz, que pode tudo. Mas estamos firmes na luta das ocupações, das nossas famílias e por um Brasil melhor. É isso que a gente tenta passar para as famílias que o MLB organiza: que a mulher é, sim, capaz de fazer tudo que ela quiser.
Jesselene – A mulher é guerreira, tem que estar mesmo onde ela quiser. Não pode ficar só em casa, debaixo das asas do marido, ela tem que voar e expressar todos os seus sentimentos.
Micarla – Assim como os homens, as mulheres têm direitos e deveres. Todos nós juntos devemos lutar por um Brasil melhor, e só juntos podemos vencer.