A Verdade entrevistou Aníbal Ortega, liderança histórica do movimento comunista na Baixada Santista, São Paulo. Aníbal, 74 anos, conta nesta entrevista um pouco da evolução do movimento popular na região, destacando o papel dos revolucionários e a trajetória da luta popular que formaram a própria história da região que abriga um dos principais portos do País e uma pujante classe trabalhadora.
Matheus Nunes, São Paulo
A Verdade – Como começou sua trajetória no movimento comunista?
Aníbal Ortega – Eu sou de família comunista, por parte de pai e de mãe. Meus pais, em um determinado momento, militaram no PCB. Minha mãe cumpria a tarefa, quando jovem, no Socorro Vermelho. Ela e outras companheiras. Tive dois avós que foram presos por serem comunistas; uma foi dirigente da ANL, ficou dois anos presa, e o outro foi preso algumas vezes. Os dois morreram tuberculosos e o pessoal em casa dizia que morreram tuberculosos porque as prisões eram muito insalubres. Depois, na década de 1950, meus pais se afastam do PCB, mas continuaram recebendo o jornal. Todo mês ia um companheiro levar o jornal e recolher a contribuição deles. Em 1961, o companheiro que ia receber a contribuição do meu pai me perguntou se eu não estava disposto, se eu queria me organizar na juventude comunista. Eu disse que sim, ele depois mandou um camarada que estava no Centro de Estudantes de Santos, o José Alves dos Santos Filho, que era o presidente do Centro de Estudantes, me procurar, e daí começou a minha organização. Comecei a participar do comitê juvenil, fazendo cursos e cumprido as tarefas revolucionárias e participando do Centro de Estudantes.
Como era a vida política e sindical na Baixada Santista?
Eu militava na juventude e nós começamos a ter influência no Centro de Estudantes e ali concentramos o nosso trabalho. O Centro de Estudantes tinha antes uma postura sectária e nós fomos adaptando-o para a nova realidade. O Centro de Estudantes tinha o Concurso Pena de Ouro, tinha bailes, mas, ao mesmo tempo, tinha os aumentos nas passagens do bonde e nós fazíamos manifestação na Avenida Ana Costa e dois camaradas puseram uma mesa jogando xadrez onde passavam os bondes e bloqueamos a avenida. Logo quando os americanos fizeram o bloqueio contra Cuba, recebemos a orientação de pichar as ruas a favor da paz e contra o bloqueio. Saímos em 15 jovens, mas, ao chegar ao Canal Três, a Polícia nos prendeu junto com os trabalhadores da base do petróleo. Foi uma época de muita efervescência, a juventude crescia muito de forma orgânica, nós discutíamos com jovens de outras escolas e desenvolvíamos o trabalho. Na véspera do golpe, estava iniciando um congresso estudantil, operário e camponês, no Sindicato da Administração Portuária. Vieram os camponeses do Vale do Ribeiro, os estudantes do Centro de Estudantes de Santos e os nossos operários.
Foi interessante, mas acabou ali porque foi no dia do golpe. Começou na véspera e no dia 31 de março acabou. Estudávamos o marxismo e a realidade nacional. Foi uma época de muito sonho. Veio o golpe militar e a juventude se manteve organizada. Para o Centro de Estudantes, que tinha sido invadido pelo Exército, eles nomearam como interventor um sargento que era presidente do Grêmio do Colégio Canadá. Em 1968, a juventude retomou o Centro de Estudantes, mas, para isso, fizemos um belíssimo trabalho. Havia um camarada dirigente do partido e da juventude, o Edivaldo. Nós pegávamos o bonde junto e íamos traçando uma estratégia para retomar o Centro e eu fiquei responsável pelo Colégio Martins Afonso e tínhamos camaradas no Colégio Canadá. A gente tinha um bom planejamento.
Fundamos o grêmio e fui eleito presidente. Em 1968, fizemos uma manifestação grande, colocamos na frente os políticos do MDB, alguns ligados ao partido. A segunda manifestação nós chamamos para a Praça Mauá e, quando chegamos lá, tinha mais polícia que estudante e os camaradas tomaram a decisão de ir falar com os trabalhadores da Cosipa. Eu recebi a tarefa de falar para os trabalhadores. Alguns começaram a participar das bases organizadas do partido. E a luta continuou até o fim da ditadura.
Nós tivemos, em Santos, greves gerais políticas, em solidariedade. A primeira foi a do Moinho: quatro trabalhadores do moinho paulista. A empresa ia mandá-los para o Paraná e perderiam o direito, pois, naquele tempo, não tinha Fundo de Garantia e quando o patrão mandava embora, tinha que pagar dois salários por ano. Lá colocavam eles em outra firma e perdiam os direitos. Isso foi denunciado e aconteceu a primeira greve geral. Tudo fechou em Santos sob influência do PCB. Greve em solidariedade aos enfermeiros… teve uma greve em que a Polícia agrediu um trabalhador portuário. E a última greve, mais perto do fim de 1963, em que as direções sindicais foram chamadas para um acordo na Prefeitura e os intermediários ficaram no sindicato dos operários portuários. Quando os dirigentes chegaram à Prefeitura, eles foram presos e a Polícia cercou o sindicato. Um camarada estivador se fingiu de bêbado e conseguiu comunicar à direção do partido. Imediatamente o secretário político do partido foi preso. Foram até a casa de um camarada que tinha telefone para comunicar os responsáveis do partido, focaram no transporte e no porto. O partido tinha uma força muito grande, mas a obrigação naquele momento era preparar os operários. Não bastava fazer a greve, você precisa tomar e cuidar do local de trabalho e ir para as ruas para o confronto.
Como o revisionismo afetou o movimento comunista brasileiro?
Essa é uma doença antiga, a gente sentiu bem em 1964. A forma como o PCB era dirigido, que não preparou os trabalhadores e seus militantes para o enfrentamento maior contra a burguesia reacionária, e isso veio continuando mesmo depois de 1964, apesar de o PCB, em 1972, ter muitos camaradas que foram presos e parte dos membros do Comitê Central assassinada. A Polícia matou os dirigentes comunistas mais consequentes. O revisionismo é uma doença antiga, mas se acentuou no governo Kruschov, quando ele fez as calúnias contra Stálin e defendeu a coexistência pacífica. Como consequência houve o fim da URSS. A coexistência pacífica nada mais é que acabar com a luta de classes internacional. Houve um afrouxamento do trabalho ideológico. Hoje nós precisamos estar atentos, devemos, nas formulações teóricas, procurar estudar também o pensamento de Che Guevara e outros revolucionários latino-americanos para armar nossos camaradas contra o revisionismo
Como é o trabalho da Associação Cultural José Martí da Baixada Santista e quais são suas finalidades?
Fundamos a José Martí em 2011. Minha ligação com Cuba sempre foi muito grande e, quando saí do PCB, o que eu ia fazer da minha vida e com meu tempo? Eu tomei a Associação como uma tarefa revolucionária. A Associação tem tarefas de finanças, todos os meses fazemos a Festa do Aluguel para pagar as despesas. Aqui é uma casa de resistência democrática, participa quem quer, desde que seja solidário a Cuba. Agora estamos organizando a juventude com objetivo de preparar os jovens para o futuro. Somos conhecidos em Santos como um centro de resistência da esquerda.
Que mensagem você gostaria de passar aos leitores do jornal A Verdade, em especial para a juventude que faz as brigadas do jornal?
Eu tenho lido o jornal A Verdade e fico muito satisfeito pela postura do jornal e do PCR. Tenho dito que o PCR mantém uma organização comunista que desloca seus quadros, procura fazer uma educação revolucionária, e a gente vê ele crescendo. Independente de qualquer organização de que participemos, temos que buscar a unidade, a luta contra o capitalismo. Ela obriga que os partidos e organizações mais consequentes e verdadeiramente comunistas tenham que avançar logo para uma plataforma comum. Cada vez que vejo esses jovens lutando, como esses que estão organizando a Juventude Che Guevara da Associação José Martí, fico profundamente emocionado, porque foi assim que eu comecei. Espero que o PCR consiga educar a juventude para que ela se torne revolucionária para sempre.