A primeira coisa que vem a mente quando se fala do estilo e escrita do pernambucano José Nivaldo Júnior é sem dúvida, a expressão latina “ridendo castigat mores” (Sorrindo, corrigi-se os costumes), muito utilizada pelo dramaturgo português Gil Vicente (1465-1536) para tecer duras críticas a sociedade feudal decadente no final do período chamado Idade Média. O humanismo de Gil permitia ironizar, criticar e denunciar os desmandos dos poderosos. “Zé”, como é conhecido, é autor de “Maquiavel- o Poder” (1991, Martin Claret), “O Atestado da Donzela 2” (2011, Edições Bagaço) e “1964- O Julgamento de Deus” (2014, Bagaço), eleito membro da Academia Pernambucana de Letras em 2015, lançou no ultimo mês seu mais recente livro: “Tudo Pelos Ares (Amor e Cólera em Tempos de Lava Jato)”. Com muito bom humor, o escritor nos apresenta a história de amor entre “JB”, um lobista envolvido com o mundo das tramoias e arrumadinhos, tendo como pano de fundo a Operação Lava Jato, a situação política do país e uma história de amor com uma bela, misteriosa (e casada) Elisa. A trama se inicia com o personagem principal encontrando com ele mesmo morto junto à amante em seu apartamento e segue mostrando os bastidores da corrupção numa alegoria metafórica sobre nosso momento político atual, tudo sem deixar de prender e divertir o leitor em mais um romance maravilhoso. A Verdade esteve no lançamento do livro no Recife e conversou com o escritor.
“JB levantou, apanhou os óculos, dirigiu-se para o quarto. Bateu
na porta para avisar que estava entrando e, na tentativa de descontrair
o retorno, imitou o personagem do antigo desenho animado:
Querida, cheguei. Quando abriu a porta, tomou o maior susto da sua
vida. No quarto, mais desarrumado do que deixara, dois corpos estendidos,
ensanguentados, aparentemente mortos: o de Elisa e o
dele próprio”. (pg. 19)
A Verdade: você lançou seu mais recente trabalho, “Tudo pelos Ares” e já disponibilizou de forma gratuita na internet. A mesma coisa você fez com seu último livro, “1964: O Julgamento de Deus”. Como você encara essa nova relação autor, obra, público e literatura em uma época aonde o mercado editorial vem mudando e passando por mais uma profunda crise?
José Nivaldo Júnior: O mercado editorial passa por grandes transformações, como a maioria dos segmentos da sociedade. A concentração crescente determinada pelo capitalismo internacional chegou fortemente ao setor. Por um lado, as editoras preferem investir em talentos consagrados ou títulos estrangeiros de sucesso. É muito difícil conseguir publicar por uma grande editora, independente da qualidade. Na outra ponta, as grandes redes de livrarias dominam a distribuição e impõem condições muito duras. As editoras menores ou regionais não têm cacife para esse jogo. O escritor comum fica espremido nesse processo. Alguns escritores brasileiros e nordestinos, poucos, cada vez menos, conseguem de uma forma ou de outra romper este cerco. Eu consegui com o “Maquiavel, o Poder”, que tornou-se Best Seller internacional quase acidentalmente. E vou contar um segredo: às custas de o autor ter aberto mão dos direitos autorais, revertidos em divulgação. Já os romances que publiquei partem com uma distribuição limitada a algumas livrarias do Recife. Então, restam duas opções: realizar sucessivos lançamentos, que são caros e exaustivos ou disponibilizar as obras nas redes sociais. Optei por esse caminho. Mas, reconheço, estou fazendo isto de forma amadora e voluntarista. É um esforço quase braçal de divulgação. Preciso melhorar muito nesse ponto. As redes sociais são um caminho natural para a democratização da literatura.
A Verdade: “JB” acaba sendo o exemplo de várias situações e recentes acontecimentos em nosso país. Como você enxerga esse momento, sobretudo com tanta exposição e divulgação por meio da internet, redes sociais e velocidade de informação, temas abordados também em teu livro?
José Nivaldo Júnior: No novo livro, “Tudo Pelos Ares”, que tem o subtítulo “Amor e Cólera em tempos de Lava Jato” a proposta é desenvolver uma narrativa de ficção inserida no quadro do Brasil dos nossos dias. A pretensão é contar uma história empolgante, envolvente, com a pulsação da contemporaneidade. Diferente do “Julgamento de Deus”, por exemplo, que é um livro que toma partido, tem lado claro com relação ao Golpe de 64, agora o autor evita tomar partido. Não existem heróis e bandidos. Nem os maus são necessariamente punidos. JB é o personagem que sintetiza isso. O cara é um cretino adorável. Aliás, parece regra: você já viu um trambiqueiro desagradável? Todos que conheci no mundo real são simpáticos e parecem bons vizinhos. A mega exposição de tudo o que acontece, na mídia e nas redes sociais, ajuda o leitor a mergulhar no enredo e até se sentir participando dele.
A Verdade: falando do estilo de tua escrita, vemos que você consegue prender, empolgar e cativar o leitor por meio de um enredo sempre interessante e inusitado. Nesse caso, por ser um tema atual, delicado, vemos que tal estilo consegue suavizar temas tão difíceis, como foi a ditadura em “O Julgamento de Deus”, ou sobre a mulher em “O Atestado da Donzela”, esse, aliás, um desafio, sobretudo se tratando de um livro homenagem a seu pai, continuando uma obra dele. Tudo com um bom humor e narrativa bem característica. O termo “ridendo castigat mores” é um de seus lemas ou uma característica de sua escrita?
José Nivaldo Júnior: Você usou uma palavra fundamental sobre os meus romances: suavizar a realidade. Não é meu propósito amenizar as contradições econômicas, sociais, políticas ou ideológicas, mas atrair o leitor com um texto mais ameno. Optei por fazer literatura e não História exatamente para ter liberdade criativa sem ficar preso aos detalhes documentais, entretanto respeitando o sentido histórico de cada momento abordado. Parafraseando o Che: os meus romances pretendem ter ternura sem perder a dureza, jamais.
A Verdade: por fim, qual a passagem ou cena que você mais gosta no novo livro?
José Nivaldo Júnior: As minhas passagens preferidas são, por motivos muito diferentes, os finais do primeiro e do último capítulo. O primeiro apresenta um enigma inédito e muito forte em torno de um assassinato. O final é uma ode ao amor. Entre um e outro, não destaco passagens, mas situações diversificadas, desafiadoras, que se renovam e surpreendem a cada novo capítulo. E o mais importante: ao mesmo tempo em que prendem a atenção e empolgam os leitores, revelam sem piedade as entranhas do poder, da justiça, das relações sociais e do capitalismo bandoleiro.
O livro “Tudo Pelos Ares” é um lançamento das edições Bagaço, e está também disponível, além das livrarias, para ser lido gratuitamente pelo endereço: http://www.tudopelosares.com.br/. Uma grande iniciativa do autor, que só quer que digam mais tarde sobre ele: “esse Zé inventa cada uma!”
Clóvis Maia – PE