Minervino de Oliveira, negro, operário, comunista!

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13 de maio de 1888. Não há o que comemorar, pois não houve nenhuma libertação dos escravos. Mudou apenas a forma de dominação. Devemos utilizar a data para refletir sobre os caminhos que conduzem à verdadeira libertação.  Nesse sentido, cai bem a experiência relatada a seguir.

Três anos após a abolição, nascia no Rio de janeiro um pretinho, filho de José de Oliveira e Augusta Laura (Sinhá Inácia). De família muito pobre, de origem africana, submetida à recém-finda escravidão, o menino começou a trabalhar com 10 anos de idade. Foi aprendiz de tecelão, depois comerciário, trabalhou em fábricas de vidro e móveis, foi lavrador, carvoeiro, empregado da Light (empresa inglesa, distribuidora de energia elétrica), até escolher a profissão de marmorista, isto aos 14 anos de idade. Portanto, ainda muito jovem, um operário experiente, forjado na labuta de sua classe desde a infância.  Indignava-se com as péssimas condições de trabalho,as altas jornadas, os salários baixos. Aprendeu a dizer “não” e aos 20 anos engajou-se na militância sindical. Nas históricas greves da segunda década do século 20, inclusive na greve geral de 1919, lá estava ele, na linha de frente, mobilizando, articulando, agitando. Conheceu o braço pesado da repressão e suas masmorras, mas não fraquejou. Desenvolveu a consciência de classe. Aprendeu a ler e escrever; além de atuar na base, escrevia para os jornais editados pelos anarquistas, a exemplo de A Voz do Trabalhador e Spartacus, a Voz do Povo, e depois, para o jornal comunista A Classe Operária.

Na Vanguarda da Revolução

Em 1922, nascia o Partido Comunista do Brasil (PCB), num congresso iniciado na cidade do Rio de Janeiro e findo em Niterói, de 25 a 27 de março, inspirado na Revolução bolchevique de 1917, na Rússia. No mesmo ano de sua fundação, eclodia a revolta dos tenentes no Forte de Copacabana, reivindicando o fim da corrupção e liberdades democráticas. O PCB nada tinha a ver com a rebelião, mas pagou a conta. O governo de Artur Bernardes decretou estado de sítio, invadiu a sede do Partido e proibiu seu funcionamento.  No governo de Bernardes, foram quatro anos de ditadura com deportações de operários estrangeiros, prisão, tortura e morte de lideranças operárias nas masmorras policiais. O PCB, entretanto, não morreu. Foi nesse contexto que, Minervino de Oliveira, em vez de fugir da luta, ingressou no Partido. Compreendeu que não bastava a luta de massa; era preciso construir a vanguarda revolucionária. Aceitou o programa do PCB para a Revolução no Brasil, em duas etapas: primeira, a instalação de uma “democracia pequeno-burguesa”; segunda, a “democracia proletária”. Por que não a ditadura do proletariado, perguntou. Explicaram-lhe que o povo brasileiro era revoltado com a ditadura de Artur Bernardes; então, ficava difícil contrapor uma ditadura a outra, mesmo sendo da maioria. Seera da maioria, então caracterizava uma verdadeira democracia, a do proletariado. Concordou.

BOC – Como o comunista revolucionário deve atuar na instituição burguesa

Controlado o Movimento Operário e a revolta tenentista, era tempo de abrir para a democracia burguesa, que é o modo preferido da burguesia governar, embora como farsa, a história mostra bem isso e cobra caro de quem se deixa iludir.   O sucessor, Washington Luís, suspende o estado de sítio. O PCB cria o Bloco Operário para participar do processo eleitoral. Era uma frente de lideranças sindicais e populares, não apenas de comunistas, incluindo também setores médios. A unidade se dá em torno de 13 pontos, entre os quais: solução dos problemas do proletariado, legislação social, combate ao imperialismo, liberdades políticas, voto secreto e obrigatório, moradia, educação, direitos dos militares e das mulheres. Não há referência aos indígenas nem aos negros.  O Movimento Sindical retomou sua organização. Minervino de Oliveiro assumiu a Secretaria da Federação Sindical do Rio de Janeiro. O famoso pintor Di Cavalcanti, militante do PCB, o reconheceu, emocionado, numa reunião do Partido: “...Eu fixava os olhos na figura de Minervino de Oliveira, sentado na minha frente.  Era ele, o moleque Minervino, filho de Sinhá Inácia, lavadeira de minha avó Henriqueta, companheiro de meus primos mais velhos. O magro, alto Minervino ali estava. Via-o com novos olhos, sentindo íntima satisfação”.

A abertura durou pouco. No próprio governo de Washington Luís, em agosto de 1927, foi aprovada a “Lei Celerada”, que pôs novamente o PCB na ilegalidade. O Bloco Operário, entretanto, permaneceu e acrescentou o “C” de Camponês, passando a ser o BOC, que se ampliou com a pequena-burguesia oposicionista, embora não tenha conseguido a inclusão do campesinato. Mesmo na clandestinidade, o PCB tinha hegemonia na frente e imprimia sua linha política.  Nascido no Rio, o BOC se estendeu pelos principais centros urbanos do país, notadamente São Paulo (capital), Santos, Niterói, Petrópolis, Ribeirão Preto e Recife. Acrescentou a questão agrária e indígena no seu programa, mas continuou omisso em relação à questão do racismo.Preparou-se para as eleições municipais de 1928, lançando candidatos à Intendência (atualmente, Câmara de Vereadores). No Rio, foram dois os escolhidos, ambos do PCB: Octávio Brandão, intelectual alagoano, dirigente nacional, e Minervino de Oliveira, responsável pelo trabalho sindical. O Jornal do Partido, A Classe Operária, assegurou que Minervino,“…Se for eleito, será no Conselho Municipal, uma alavanca da luta de classes, um organizador, um educador das massas laboriosas”.   O PCB via o parlamento como espaço para agitação e propaganda junto às massas, não como meio de chegar ao poder por via eleitoral. A campanha não contava com recursos de doadores ricos para ganhar a eleição a qualquer custo. Era feita diretamente nas portas das fabricas,com comícios, panfletagens, atividades culturais, porta a porta nos bairros populares, etc. Minervino não mostrava a cor de sua pele, e sim os calos das suas mãos, dizendo: “..Sou operário, aqui está a prova”.  O processo eleitoral era muito complicado: eleitorado resumido, voto não obrigatório e aberto, fraudes de todo tipo. Eram doze vagas. Octávio Brandão ficou em décimo lugar no primeiro distrito, com 7.650 votos. Minervino, em décimo-terceiro, pelo segundo distrito, com 8.082 votos. Era primeiro suplente, mas tomou posse com morte acidental de um dos eleitos. Foi a estreia do PCB no Parlamento. Pela primeira vez, na história do Brasil, um operário assumia um cargo legislativo.

Mandato Revolucionário

No primeiro discurso feito no Conselho Municipal, Minervino conclamou o proletariado a desenvolver a luta contra a exploração capitalista. Os dois intendentes comunistas saíam das sessões e iam para as fábricas, os bairros populares, apoiavam as greves, organizavam comitês do BOC. Já existia a imunidade parlamentar, que foi totalmente desrespeitada. Ambos passaram várias vezes pelo xadrez e sofreram a agressão policial durante as greves e manifestações públicas, mas nunca recuaram. Ocupavam a Tribuna para denunciar a violência policial e conclamar os operários a enfrentarem a repressão e se manterem firmes na luta. Organicamente, Minervino se mantinha vinculado ao setor sindical e foi eleito em 1929, secretário geral da CGTB – Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil.

Candidato à Presidência da República

De 3 a 5 de novembro, se realiza o I Congresso Nacional do BOC, no Rio de Janeiro, com 30 delegados de 12 estados que aprovou o estabelecimento de uma revolução agrária e anti-imperialista como etapa preliminar da revolução proletária. O Congresso incluiu no seu programa as reivindicações indígenas, mas continuou esquecendo a “questão negra”. Decidiu participar das eleições de 1930 para o Senado,Câmara Federal e Presidência da República. Para o Executivo, escolheu como candidato a presidente Minervino de Oliveira, e como vice o ferroviário Gastão Valentim. O congresso do BOC não foi atacado, mas logo após seu término, o Estado burguês fez questão de marcar presença, prendendo e fichando vários delegados, soltos logo em seguida.

A campanha foi muito difícil. Comícios dissolvidos a pancadas e tiros, material de propaganda apreendido, Minervino preso em várias ocasiões. O slogan era: “Votar no BOC é votar para a Revolução”. Embora tenha dificultado a campanha, sob a acusação de propaganda subversiva, o governo ampliou a oposição, visto que até os jornais da burguesia protestaram, dizendo que os candidatos podiam defender o que quisessem. O povo é que deveria responder nas urnas. No Conselho Municipal, muitos intendentes não comunistas, denunciaram também a violação da imunidade parlamentar no caso das prisões do seu colega Minervino. Os candidatos do BOC tiveram apenas 4 mil votos, mas não esperavam muito mais. Seu objetivo não era eleitoral, propriamente.  Nas eleições, o candidato das oligarquias, Júlio Prestes, venceu com 57,44% dos votos. O da oposição, Getúlio Vargas, 39,09%. Mas a Aliança Liberal (Vargas) não aceitou o resultado, denunciou a fraude e desencadeou o levante armado que resultou na “Revolução de 30”. O PCB e o BOC denunciaram que não houve revolução alguma, e sim uma “quartelada pequeno-burguesa contra o povo para impedir a revolução das massas”. Os conselhos municipais foram fechados, o PCB e o BOC postos na ilegalidade. Prisões,foram centenas. Minervino amargou cem dias de cárcere. Depois disso, não há registro de sua militância nem de sua vida pessoal.

A Polêmica Raça X Classe

O fato de Minervino de Oliveira, embora negro, nunca falar de opressão por conta da sua pele, mas apenas da exploração contra o proletariado, se deve ao entendimento do PCB na época, de que não havia uma “questão negra” no Brasil. Questionado pela Terceira Internacional Comunista, que lançara em 1929 uma resolução sobre o tema (leia A Verdade, nº 200) é que reviu essa posição e intelectuais militantes ou simpatizantes do Partido foram responsáveis por estudos científicos a respeito da questão negra no Brasil, especialmente Clóvis Moura e Florestan Fernandes.

É certo que foi um equívoco do PCB achar que não havia questões específicas dos negros a serem tratadas no seu programa, como incluíra as reivindicações das mulheres e dos indígenas. É certo também que o racismo não advém da cor da pele, mas da escravidão imposta pela expansão capitalista, que dizimou os povos nativos (indígenas), que não serviam adequadamente como mão de obra forçada e transformou seres humanos em mercadoria, promovendo a lamentável diáspora de povos africanos. Sendo assim, é preciso ligar o específico ao geral, como nos ensina a Dialética marxista, caso contrário não haverá transformação e os negros permanecerão eternamente patinando em programas compensatórios de inclusão, que salvam indivíduos, amenizam a exploração geral, mas não põem termo à exploração e ao racismo, que são intrinsecamente ligados.

A verdadeira emancipação dos negros e de todos os explorados, o fim do racismo e de todos os preconceitos somente será possível no socialismo, destruída a base material que permite a reprodução dessas ideias destrutivas. Para isso, é preciso construir a aliança de todos os oprimidos – operários, camponeses, indígenas, negros, mulheres, para a criação do poder popular.

José Levino, historiador

Fonte: Minervino de Oliveira: um negro comunista disputa a Presidência da República do Brasil. Petrônio Domingos, doutor em História pela USP, professor da Universidade Federal de Sergipe. Lua Nova, São Paulo, 2017.