No último dia 20 de agosto, lideranças dos enfermeiros, médicos, trabalhadores da saúde, professores e estudantes universitários de graduação e pós-graduação lançaram, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), uma proposta de trabalho pelo resgate do Sistema Único de Saúde (SUS).
Com base no manifesto “A conjuntura atual e a saúde”, foi decidido mobilizar sindicatos e entidades do movimento popular para a defesa do SUS, atualmente ameaçado pela política de cortes do governo federal e pelos interesses privados que se locupletam do sistema público de saúde.
De fato, desde o Golpe Parlamentar de 2016, o SUS vem sendo cada vez mais prisioneiro de interesses econômicos privados que dele se aproveitam para realizar negociatas de toda ordem e maximizar lucros em prejuízo da população que o financia e dele necessita. Hoje, a maior parte dos serviços de especialidades e hospitalares do SUS é oferecida pelo setor privado, dominado por grupos comerciais e políticos que se mancomunam para tirar o melhor proveito dos péssimos serviços que prestam aos usuários.
Dessa forma, grandes fornecedores de equipamentos, medicamentos e insumos de saúde vêm impondo seu domínio de forma crescente ao SUS. Esses produtos são muitas vezes vendidos de forma indiscriminada e a preços extorsivos para o setor público. As decisões sobre a compra desses bens e serviços se faz na calada da noite, através de diversas artimanhas de corrupção para driblar a legislação e os instrumentos oficiais de controle, de forma a aumentar as faturas a favor das empresas e contra o interesse público.
Como se não bastasse, as unidades de saúde públicas vêm sendo entregues à gestão privada através de mecanismos diversos como as Organizações Sociais (OS), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e fundações de direito privado. Tais entidades submetem o interesse público e os trabalhadores do SUS a uma agenda privada, dificultam o controle sobre um patrimônio construído e mantido com recursos públicos e precarizam as relações trabalhistas.
Os principais ataques ao SUS
Desde 1995, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) autorizou o abatimento no valor devido ao imposto de renda de 100% das despesas feitas por empresas e pessoas físicas com planos e seguros de saúde, consultas e outros procedimentos de saúde, o Estado brasileiro abriu mão da arrecadação de tributos que poderiam financiar a saúde pública. Os supostos benefícios oferecidos aos clientes dos planos de saúde constituem um verdadeiro estelionato, porque a maior parte das pessoas tem acesso a eles pelas empresas onde trabalham numa idade em que têm menos necessidades desses serviços, perdendo o acesso ao se aposentarem, quando mais precisam de cuidados de saúde.
A transferência da gestão do SUS para os municípios, feita com a ilusão de aproximá-la dos cidadãos, acabou gerando efeito contrário. Como mais de 70% dos municípios brasileiros têm menos de 20 mil habitantes, eles não podem ter sistemas de saúde que contem com atenção especializada e hospitalar, limitando-se à atenção primária ou básica. A municipalização e a entrega da gestão do SUS às entidades privadas impedem o controle público do sistema e vêm criando condições para a alienação e a desumanização do exercício do trabalho nos serviços públicos de saúde.
Defender o SUS é tarefa dos trabalhadores
Desde a criação do SUS, o movimento organizado dos trabalhadores, através de suas associações, sindicatos, federações e confederações, se manteve relativamente afastado da saúde pública. Como foi reconhecido no 6º e no 11º congresso da CUT, a grande maioria dos sindicatos continua lutando pela inclusão da oferta de planos e seguros privados de saúde nas negociações coletivas com os patrões em vez de lutar pelo fortalecimento da saúde pública e do SUS. Este afastamento dos trabalhadores enfraquece a saúde pública e alimenta a ilusão num sistema privado que não os protege e toma seus recursos para alimentar a ganância e os lucros das empresas de planos e seguros de saúde.
O governo golpista de Temer vem desencadeando diversos ataques ao SUS, que envolvem, entre outras coisas, a redução dos recursos necessários ao seu financiamento, o afrouxamento das regras de transferência de recursos federais, a entrega cada vez maior dos seus serviços e de sua gestão aos interesses privados, a descaracterização da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) para favorecer o abandono da Saúde da Família e o desmonte do Programa Farmácia Popular.
Contra essa situação, é preciso que os trabalhadores, através dos seus sindicatos e outras organizações do movimento popular, se apropriem do Sistema Único de Saúde, pois o SUS é a única forma de assegurar o acesso de todo o povo a uma saúde de qualidade. Para isso, é necessário que os trabalhadores não caiam mais no canto da sereia dos planos e seguros privados de saúde.
Outras bandeiras de luta fundamentais de serem levantadas são o fim do subsídio fiscal às empresas de planos e seguros de saúde, para que esses recursos venham a financiar o SUS, permitindo a ampliação da rede pública de saúde para acabar o mais rapidamente possível com a prestação de serviços privados no SUS; o fim da gestão privada por OS, empresas e fundações dos serviços públicos de saúde e o retorno delas à gestão pública, com o fim dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal; a transformação do SUS num sistema público, nacional, organizado em regiões de saúde e gerido por autoridades sanitárias regionais responsáveis pelos recursos financeiros, materiais e humanos, que respondam pelos seus atos perante o Ministério da Saúde e a conselhos regionais de usuários; e a criação de carreiras nacionais para todas as profissões de saúde e o exercício do trabalho valorizado pelo serviço público e em dedicação exclusiva.
Continuaremos engajados na mobilização da classe trabalhadora, dos sindicatos e do movimento popular para a defesa do SUS e do direito do povo brasileiro a uma saúde pública gratuita e de qualidade.
Paulo Henrique de Almeida, professor do IMS/UERJ; Gabriela Nascimento, enfermeira residente no Instituto de Psiquiatria da UFRJ; Nayá Puertas, diretora do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro