No 12 de outubro, comemoramos o Dia das Crianças, mesma data na qual os católicos comemoram Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Tradicionalmente mais um feriado nacional em que milhões de crianças são dispensadas das aulas para ficarem em casa com suas famílias e receberem presentes.
Em teoria, deveria ser este o roteiro para tal data, mas a realidade, infelizmente, tem sido outra. Diante da grave crise econômica pela qual milhares de famílias têm passado, dificilmente sobrarão alguns trocados para comprar brinquedos, que, em sua maioria, são caros. Para muitas crianças o tão sonhado brinquedo não pôde vir. De qualquer maneira, nossa análise deve ir além desse ponto específico, alcançando direitos mais diversos e profundos, sejam eles familiares, escolares ou mesmo urbanos.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), o Brasil tem hoje cerca de 53 milhões de jovens com faixa etária menor que 18 anos. Desses, cerca de 60% estão em situação de pobreza. Ou seja, a cada dez jovens no Brasil, seis estão em situação de pobreza.
O trabalho infantil ainda é uma triste realidade. Cerca de 30 mil crianças, entre cinco e nove anos, e 130 mil, entre 10 e 13 anos, trabalham de forma ilegal. São meninos e meninas que deveriam ter o direito básico de brincar e frequentar uma escola de qualidade, mas têm sua infância roubada. E vai além. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, cerca de 30% dos jovens brasileiros com até 24 anos estão desempregados, números que se aproximam do Haiti e de países do Oriente Médio. O resultado disso é o aumento do trabalho informal, instabilidade financeira, falta de perspectiva e, em alguns casos, centenas de jovens se perdem para o tráfico de drogas, sob a promessa de conseguirem dinheiro rápido e fácil, caminho acompanhado por uma expectativa de vida muito curta.
Sob a perspectiva educacional, a situação é mais grave. Não é de hoje que nosso ensino público é defasado. Na verdade, em nenhum momento de nossa história a educação foi considerada prioridade. O máximo que se alcançou foi uma adequação mínima a normas e padrões internacionais. Mas sabemos que os índices educacionais do Brasil estão longe de serem os ideais. De acordo com o último exame PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – na sigla em inglês), de 2015, ocupamos as últimas colocações dentre 72 países avaliados.
Esses resultados não podem ser jogados nas costas dos estudantes, nem tampouco dos profissionais de ensino. As condições impostas por sucessivos governos municipais, estaduais e federais colocam a escola como um verdadeiro “galpão de alunos”. Não é possível manter uma aula de qualidade com alunos e professores concentrados com 30, ou até 50 jovens, em uma sala de aula, ausência de materiais didáticos adequados, professores mal remunerados e desestimulados e legislações que pressionam a aprovação de jovens quem nem mesmo sem saber ler e escrever.
Sob a ótica do ensino superior, a realidade é mais alarmante: menos de um quarto dos jovens que concluem o ensino médio ingressam no ensino superior, e, quando o conseguem, precisam encarar a dura rotina de trabalhar e estudar, aumentando a evasão.
Outra dificuldade encarada pelas crianças e jovens brasileiros diz respeito à violência. Ser jovem no Brasil é algo perigoso, principalmente se for negro e residir em áreas de vulnerabilidade social. De acordo com a Anistia Internacional, cerca de 30 mil jovens morrem no Brasil por ano. Os motivos são os mais diversos: envolvimento com o crime, acidentes de trânsito, bullying, violência sexual e abuso emocional. Sendo que esta última, muitas vezes, ocorre dentro de casa ou por exploração econômica da sexualização infantil.
Sob o aspecto urbano, o acesso a condições mínimas de saneamento básico impede que cerca de 13,3 milhões de crianças tenham ao menos um vaso sanitário em casa. As regiões Norte e Nordeste possuem os piores índices relativos ao saneamento básico. É absurdo que, em pleno século 21, ainda existam residências brasileiras que não possuem banheiro. A consequência direta disso é que milhares de crianças e jovens são expostos a doenças facilmente evitáveis, sendo esta a causa de uma boa parcela da mortalidade infantil em território nacional. Se encontramos tal situação neste quesito, pior ainda é o acesso a equipamentos de esporte, cultura e lazer. Dos 5.570 municípios brasileiros, é ínfima a quantidade deles que dispõe de espaços para o desenvolvimento artístico e intelectual das crianças e jovens.
Diante da crise política e social pela qual passamos, o Dia das Crianças se tornou mais um momento de reflexão do que comemoração propriamente dita. Os projetos de lei recém aprovados colocam em xeque qualquer grande expectativa quanto ao futuro de nossas crianças e jovens. Como poderemos, por exemplo, investir de forma efetiva em educação, saúde e cultura com a Emenda Constitucional 95 em vigor? Como podemos realizar uma verdadeira transformação na sociedade enquanto o Brasil é um dos países mais desiguais em distribuição de renda do mundo, onde mais se assassinam jovens, onde as expectativas de um futuro lhes são negadas?
O desafio que nos é colocado é grande: lutar para o cumprimento de medidas básicas em nossa Constituição, como acesso à saúde, educação, moradia, cultura. Para isso, será necessário a organização da sociedade como um todo para enfrentar os privilégios das elites, os pensamentos reacionários do fascismo, representados pelo candidato Bolsonaro e, assim, avançar para que o direito à infância seja respeitado.
Guilherme Amorim, professor de História e militante da Unidade Popular
FONTES:
.OIT: 2017 desemprego entre jovens
.PNAE 2017: 60% dos jovens brasileiros estão em situação de pobreza
.PISA 2015: Brasil ocupa as últimas posições do ranking
.Censo da Educação Superior 2017
.Secretaria da Juventude
.Anistia Internacional