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sábado, 23 de novembro de 2024

A luta do povo dominicano contra a intervenção imperialista e pela independência

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A Verdade entrevistou, em Santo Domingo, Efraim Sanches Soriano, conhecido como Pocholo, dirigente sindical, membro do Comitê Central do Partido Comunista do Trabalho da República Dominicana (PCT) e um dos principais quadros políticos da esquerda dominicana. Semelhante ao ocorrido no Brasil, um general dos Estados Unidos foi sequestrado durante a ditadura de Balaguer e, em troca, Pocholo foi libertado junto a outros presos políticos. Com 77 anos de idade, depois de enfrentar duas ditaduras e uma invasão militar dos EUA, e após quase 50 anos de militância, Pocholo faz um balanço da luta revolucionária no Caribe e aponta as perspectivas para o próximo período.

Sandino Patriota, Santo Domingo

A Verdade – Quando você iniciou sua militância e qual era a situação política da República Dominicana na época?

Efraim Sanches Soriano Comecei aos 19 anos, durante a ditadura de Trujillo (Rafael Leónidas Trujillo). A ditadura começou em 1930 e, em 1961, o ditador foi justiçado por um grupo de militares e civis que giravam em torno dele próprio. Foi uma ditadura feroz imposta ao nosso povo a partir da primeira invasão militar estadunidense, que cassou todo tipo de liberdade política. Ao mesmo tempo, muitos dominicanos e dominicanas se instalaram em diversos lugares no exterior, em especial na Venezuela, trabalhando de maneira aberta ou clandestina para denunciar o regime de Trujillo. Denunciavam a repressão, a negação da liberdade, a situação econômica, etc. Também foi se formando em Cuba um movimento antitrujillista com objetivos insurrecionais. Em 1952, com apoio de Trujillo, um golpe de Estado se instala em Cuba e leva o ditador Fulgêncio Batista ao poder. Fulgêncio tinha ótimas relações com Trujillo. Dessa maneira, muitos exilados dominicanos que se encontravam em Cuba foram assassinados a mando de Trujillo. Entre eles, Pablo Martinez, membro do Movimento Popular Dominicano (MPD), um movimento anti-imperialista formado em 1957 se converteu ao marxismo-leninismo.

O triunfo da Revolução Cubana, em 1959, no entanto, reativa a possibilidade de um local democrático no exílio. Muitos exilados vão a Cuba e aos Estados Unidos e retomam a atividade para a derrubada da ditadura. Fidel Castro apoia os exilados e contribui na preparação de uma nova incursão armada contra Trujillo, em 14 de julho de 1962. Essa incursão contava com mais de cem combatentes, entre eles um jovem chamado Pablito Mirabal, guerrilheiro que havia lutado na Sierra Maestra cubana. O local de aportamento da incursão é descoberto pelo serviço secreto da ditadura e os combatentes são exterminados em sua chegada. Os que sobreviveram, entre eles, Pablito, são presos e apresentados como troféus pelo regime. O malogro dessa incursão inicia um novo ciclo de organização da luta clandestina no interior do país através de uma organização insurrecional chamada Movimento 14 de Julho. A este movimento pertenciam as três irmãs Mirabal (Minerva, Pátria e Antonia), assassinadas pela ditadura de Trujillo. A crueldade do assassinato das Mirabal impressiona porque elas foram assassinadas a pauladas e não a tiros, sendo que o governo tentou fazer suas mortes passarem por acidente. Isso repercutiu enormemente, inclusive dentro da própria burguesia que vinha apoiando a ditadura. Este fato faz aumentar a conspiração contra Trujillo no interior do próprio regime.

Um grupo de militares que formavam parte da segurança do presidente decide assassiná-lo no momento em que ele saía do palácio presidencial. Naquele momento, em 1961, eu tinha 20 anos e militava no Movimento Popular Dominicano (MPD). Depois que fracassou a incursão armada, o MPD se aproveita de um pequeno espaço democrático aberto pelo regime que permite o funcionamento das organizações políticas. Depois que Trujillo é assassinado, os presos políticos saem das prisões, não só do MPD, mas também do Partido Socialista Dominicano, nosso velho Partido Comunista, e iniciam a luta política aberta. As sedes partidárias são abertas e os militantes saem da clandestinidade. Nesta época, eu trabalhava como funcionário da municipalidade e estudava em um Liceu. Estava aberto um processo novo de luta política na República Dominicana.

Como se desenvolveu a luta revolucionária a partir da morte de Trujillo?

Assumiu então o poder um Conselho de Estado que começa uma abertura política. Nesta época, havia apenas uma central sindical, reconhecida pela ditadura, a Federação Nacional dos Trabalhadores Dominicanos. Neste período, o movimento sindical começa a se dividir, pois todas as correntes políticas vão criando suas centrais e essa desunião enfraquece o movimento operário, ao mesmo tempo em que as reivindicações econômicas dos trabalhadores vão ganhando relevância, como a defesa de uma previdência social, salário mínimo, etc. É importante ter claro que o conselho de Estado formado após Trujillo era anticomunista. O movimento social avança no sentido de exigir a realização de eleições em 1962.

Quando se realizam as eleições, em setembro de 1962, grande parte das organizações progressistas se abstêm do processo, cometendo um grave erro político, pois era a primeira vez em anos que se realizavam eleições no país. Dessa maneira, as eleições se realizam entre dois grandes polos: a oligarquia e o Partido Constitucional Dominicano. Nestas eleições, é eleito o professor Juan Bosch, sendo uma derrota para a direita oligárquica.

O próprio MPD não participa das eleições porque defendia a consigna de “eleições não, insurreição sim”. Na verdade, não estávamos preparados para nenhuma das duas coisas. Então, a partir de 1963, começa este governo democrático com uma constituição também democratizada. Os partidos já podem agir abertamente, ter seus escritórios e a propaganda política não era mais restrita.

Os sindicatos começam a crescer, levantar reivindicações e fazer greves. Fruto da luta popular, começa a nacionalização de algumas empresas, aumento salarial, etc. Em  setembro de 1963, um grupo de militares organiza um golpe e derruba o presidente Juan Bosch. Ele subestima os golpistas e não organiza a resistência, sendo deportado para Porto Rico. Assume o poder um triunvirato militar apoiado pelos Estados Unidos, que começa de novo a perseguição, proibindo todos os partidos políticos, mas mantendo os sindicatos abertos. O MPD passa à clandestinidade, ao mesmo tempo que começam grandes greves contra a nova ditadura e pela volta de Juan Bosch e da constituição. Forma-se um grande movimento de massa sindical e social pelo retorno da constituição. Este movimento social vai gestando uma luta de insurreição. Neste período, nosso partido lança um foco guerrilheiro, em 14 de julho de 1963, que foi derrotado. Eu permaneci nas cidades, organizando ações de guerrilha urbana, na clandestinidade e passo a participar do Comitê Central em 1963. Em novembro de 1963, este foco guerrilheiro foi dizimado e a maioria dos combatentes assassinados.

Em 24 de abril de 1965, os setores constitucionais das Forças Armadas promovem um levante para trazer Juan Bosch de volta ao poder. O MPD apoia os militares e começa a assaltar os quartéis, distribuindo armas ao povo pelo retorno da constituição. Assaltamos a fortaleza militar principal que está na zona colonial de Santo Domingo e começamos a constituir comandos armados na cidade. Eu dirigi o primeiro comando da zona norte, que era uma das principais zonas populares à época. Era uma zona liberada sob o comando das forças constitucionalistas. Para derrotar este movimento, os ianques resolvem invadir nosso país no dia 28 de abril de 1965, quatro dias após o levante militar. O controle da cidade de Santo Domingo já era das forças constitucionalistas e o setor do exército fantoche dos EUA já havia sido derrotado. Com a invasão ianque, mais de 42 mil marines, a cidade é dividida. Foi uma operação da qual participaram as ditaduras latino-americanas em coalizão com os EUA. Estavam o Brasil, Honduras e Nicarágua. A direção formal era de um general brasileiro, Hugo Panasco Alvim. Os ianques chamaram a ação de “operação limpeza”. Não pudemos resistir em combate aberto com os ianques, e nos aquartelamos junto ao nosso comando central, na zona colonial. Os ianques tentaram nos atacar várias vezes, com diferentes táticas de incursão e armamento muito superior. Nos dias 14 e 15 de junho, os ianques fizeram a mais forte tentativa para tomar a zona colonial, e a resistência foi tão grande que os fez recuar. Eles apenas conseguiram tomar dois quarteirões da zona velha. Com o fracasso das tentativas ianques, a ONU intermediou uma negociação, que foi concluída em novembro deste mesmo ano. Acordou-se a saída do país dos militares constitucionalistas e um governo fantoche dos EUA assumiu o país. Em 1966, ocorrem as eleições que dão início, na prática, a outra ditadura, a de Balaguer. Enquanto o Partido Revolucionário Dominicano, de Juan Bosch, participa das eleições, nós, do MPD, continuamos nos abstendo. A ditadura de Balaguer dura de 1966 a 1978. Nosso partido, o MPD, foi o que mais combateu a ditadura. Tivemos quatro comitês centrais eliminados. Em todo esse período, eu estive na clandestinidade. É preciso ressaltar a valentia e o ardor dos militantes comunistas do MPD que deram a vida contra a ditadura de Balaguer (Joaquín Antonio Balaguer). Enquanto isso, a maioria do velho partido, o Partido Comunista Dominicano (PCD), se foi do país, resguardando-se para momentos mais democráticos.

E como ocorreu sua prisão e a libertação em troca de um general dos Estados Unidos?

Fruto dessa repressão, eu caí preso em 1969. Na prisão, me dediquei a organizar a vida revolucionária dentro do cárcere, organizando células de presos, debatendo a conjuntura do país e preparando o futuro. Em 24 de março de 1970, um grupo do MPD sequestra o general estadunidense Donald Joseph Crowley e exige em troca de sua liberdade a soltura de 21 presos políticos, a maioria deles do MPD. Inicialmente, o governo se nega a negociar, mas, com a pressão dos EUA, atende ao comando do MPD e envia os 21 presos políticos ao México. Entre eles, estava eu. Quando comprovada nossa chegada em segurança à cidade do México, o general estadunidense foi libertado. A partir daí, abril de 1970, começa um período muito duro da história de nosso país, em que os EUA priorizam a dominação ideológica ao invés das armas. As regiões mais combativas das zonas populares começam a se modificar. Os mais destacados ativistas eram ameaçados e a eles dava-se o visto para que saíssem do país.

No México, recebemos a informação de que o governo havia destacado um grupo de agentes secretos para assassinar o dirigente do MPD Maximiliano Gomez, El Moreno, que junto comigo havia saído da prisão. Em função desta ameaça, decidimos nos trasladar a Havana. Foi onde conheci Carlos Marighella, em uma reunião, em 1971. É bom ressaltar o caráter muito firme que tinha Marighella. De fato, expressava o que é a ideologia revolucionária. Seu comportamento, sua atitude era de um chefe. Ele tinha o caráter de chefe.

Desde Cuba, seguimos recebendo notícias de vários dirigentes, que, na clandestinidade, estavam sendo assassinados pelo governo de Balaguer, em Santo Domingo. Nós, que estávamos exilados, começamos a debater propostas de ação para ajudar os companheiros que resistiam no interior do país. Um grupo de companheiros seguiu para a Europa para desenvolver conversações com os revolucionários argelinos com o objetivo de formar uma frente anti-imperialista. Em maio de 1971, em Bruxelas, a CIA e o governo de Balaguer logram envenenar e matar Maximiliano Gomez. Depois se avaliou como um grande erro a presença dos militantes do MPD em Bruxelas, uma vez que ali estava um centro internacional de espionagem. O assassinato de Moreno se insere no contexto das ações de coordenação internacional da chamada Operação Condor. Essa operação assassinou muita gente, brasileiros, uruguaios, argentinos e bolivianos. Eles pensavam que o assassinato de Moreno acabaria com o movimento revolucionário.

Em 1972, eu saí de maneira clandestina de Havana e fui para a Itália promover a propaganda internacional contra os crimes do governo de Balaguer. Lá fizemos contato com revolucionários exilados chilenos e argentinos.

A denúncia dos crimes internacionais do governo e a resistência interna conquistam uma anistia política, que é decretada em novembro de 1972. Imediatamente eu retorno ao país para me integrar à luta política. Nesse momento, já estava em curso uma luta interna no MPD, avaliando os erros que haviam sido cometidos durante todo o processo. Havia uma fração marxista-leninista e outras frações socialdemocratas. Além disso, no âmbito internacional, havia uma divisão entre militantes que se referenciavam no modelo cubano, outros pró-China e outros com posições de caráter nacional.

Balaguer segue no poder ainda até 1978, período conhecido como os “12 anos”. Apenas em 1978 vem a verdadeira abertura política e os partidos e sindicatos puderam atuar com maior liberdade. Essa luta desemboca em 20 de junho de 1980, período em que a luta política no interior do MPD amadurece e torna possível a fundação do Partido Comunista do Trabalho da República Dominicana, que recolhe as melhores tradições de luta do nosso povo. Rapidamente o PCT se insere no trabalho de massas nas fábricas, sindicatos, universidades e bairros. Também entre os camponeses o partido afirma uma presença.

Desde então, resistimos à ofensiva ideológica e econômica neoliberal. Com a queda da União Soviética (URSS), todas as organizações que se afirmavam pró-China ou pró-URSS colapsaram ou mudaram de nome e se tornaram socialdemocratas. O PCT vem se consolidando como principal organização da esquerda do país, fortalecendo a formação marxista-leninista através da Escola José Stalin e impulsionando a Conferência Internacional de Partidos e Organizações Marxista-Leninistas (CIPOML) desde a sua fundação.

Fazendo um balanço sobre todo este período de militância política, como você se sente tendo dedicado tanto tempo à causa revolucionária?

Primeiro é preciso dizer que quando se está convencido, firmemente convencido de uma ideia, de um princípio, a relação destas ideias com a luta sempre será correta, sempre será positiva. É necessário ser firme nos princípios e nas ideias que se defende. Em segundo lugar, é importante reafirmar o papel da ideologia marxista-leninista. A passagem do tempo me deu a segurança para dizer que é possível construir um mundo diferente, independente das adversidades. Também há que ressaltar que é preciso ser crítico aos erros, não escondê-los, mas superá-los. Nós cometemos muitos erros no passado, erros que precisaram passar por uma autocrítica na prática, orientada pela teoria marxista-leninista. Todo esse tempo também me dá a segurança de dizer às novas gerações que é bom seguir lutando. Eu sou o exemplo. Temos a consciência de que é necessário passar a responsabilidade às novas gerações. Outra geração nova, jovem, de posse dessa experiência, assumirá a direção do partido e da revolução.

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