Viva os 184 anos da Cabanagem, revolta que conquistou o poder popular no Grão-Pará

1608

O ano de 2019 começou com uma acentuação, maior ainda, dos ataques à classe trabalhadora, aos aposentados e à juventude, junto às ameaças de repressão e extermínio à indígenas, quilombolas, população LGBT e movimentos sociais. A Revolta da Cabanagem, há 184 anos, ocorrida na então maior província do Brasil Imperial, a província do Grão-Pará, levou o povo cabano (termo dado em referência às suas moradias ao longo dos rios) e comunidades indígenas a enfrentar as tropas do governo regencial, derrotá-las em combates heroicos e tomar o poder em janeiro de 1835, influenciando o estopim de várias outras revoltas por todo o país.

A revolta teve início em 6 de janeiro de 1835 quando o quartel e o palácio do governo de Belém foram tomados por indígenas tauias, cabanos e negros, liderados por Antônio Vinagre. O então presidente da província foi assassinado. O militar Félix Clemente Malcher foi o primeiro presidente provincial eleito pelos cabanos para assumir a chefia do novo governo popular, contudo o mesmo traiu o movimento cabano ao assinar acordos com o governo regencial, foi deposto e condenado à morte por traição.  Os cabanos elegeram o lavrador Francisco Pedro Vinagre para a presidência da província, sendo sucedido por Eduardo Angelim, ambos líderes que promoveram uma série de melhorias econômicas, como o fim dos altos impostos cobrados pela Regência.

Durante dez meses, no governo de Angelim, a elite se viu atemorizada pelo controle cabano sobre a província do Grão-Pará. A falta de um projeto com medidas concretas para a consolidação do governo rebelde provocaram seu enfraquecimento. Diante da vitória das forças de Angelim, o império reagiu e nomeou, em março de 1836, o brigadeiro Francisco José de Sousa Soares de Andrea como novo presidente do Grão-Pará, autorizando a guerra total contra os cabanos. Em fevereiro, quatro navios de guerra se aproximavam de Belém, prontos para atacar a cidade.

Foi realizado um bloqueio naval na cidade pelo brigadeiro Soares de Andrea, que atracou sua esquadra em frente a Belém. Os cabanos insurgentes escapavam pelos igarapés em pequenas canoas, enquanto Eduardo Angelim e alguns líderes preparavam o recuo para dentro da mata. Uma esquadra inglesa chegou a oferecer ajuda a Eduardo Angelim para que acabasse com o bloqueio naval brasileiro, mas este recusou. Eduardo Angelim conseguiu furar o bloqueio naval e se refugiou no interior.

Soares de Andrea, em nome do governo regencial brasileiro, toma Belém em 1836 e promove um massacre gigantesco, que dizimou cerca de 1/4 dos 119 mil habitantes da província, contando com o suporte dos grandes comerciantes e fazendeiros portugueses que ainda residiam no Grão-Pará. O brigadeiro, entretanto, julgando que Angelim, mesmo foragido, seria uma ameaça, determinou que seus homens fossem ao seu encalço. Em outubro de 1836, numa tapera na selva, ao lado de sua mulher, Angelim foi capturado, feito prisioneiro na fortaleza da Barra, até seguir para o Rio de Janeiro e depois Fernando de Noronha. A Cabanagem, porém, não acabou depois da prisão de Eduardo Angelim. Os cabanos, internados na selva, lutaram até 1840, até serem completamente exterminados.

Nações indígenas, como os Murá e os Mauê, praticamente desapareceram, e o Grão-Pará, depois dividido em outros estados, como Pará, Amazonas e Amapá, passou a viver períodos de profunda crise, desemprego, conflitos por terra e espoliação de suas riquezas, quadro vivenciado até hoje por sua população. Contudo, a magnitude e impacto provocados pela revolta cabana, que, nas palavras do advogado Flávio Moreira, que escreveu o livro “Pródromos da Cabanagem”, se assemelha à Comuna de Paris pela tomada do poder, resistência e número de vítimas, permanece como uma profunda lição a todos que almejam transformar esse sistema de injustiças e exploração. O poder popular somente poderá ser conquistado por uma revolução, e sua manutenção será por meio do povo organizado defendendo suas conquistas e destruindo as correntes que os prendem.

 

Em homenagem ao movimento Cabano, foi erguido um monumento projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, na entrada da cidade de Belém: o Memorial da Cabanagem. A estrutura simboliza a mão do povo sobre nosso território e, abaixo, o mausoléu de Eduardo Angelim.