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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Casa Tina Martins sedia bate-papo internacional de mulheres em Belo Horizonte

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Os desafios que as mulheres enfrentarão nos próximos anos frente ao avanço dos governos de extrema direta na América Latina foi o tema que norteou o bate-papo do dia 02 de abril, na Casa Tina Martins em Belo Horizonte. Com representantes da Venezuela, Uruguai, Peru e Brasil, foram abordados temas como direito reprodutivo das mulheres, direitos maternos, organização territorial, violência contra a mulher e a luta das mulheres indígenas.

Jeisy Ramine, representante do movimento de mulheres Ana Soto na Venezuela, abriu a conversa contando um pouco sobre o movimento, que surgiu há 11 anos e tem um recorte de classe. Ramine relata que o movimento surgiu do anseio em discutir problemáticas específicas das mulheres reunindo sindicalistas, camponesas, estudantes e trabalhadoras.

A venezuelana conta que em seu país as mulheres enfrentam sérias dificuldades em várias esferas. Restringindo-se inicialmente ao âmbito sindical, que acaba sendo o foco do movimento, Jeisy critica o estado: “Apesar de se intitular uma social democracia, continua sendo burguês”, alega. Isto porque os direitos contratuais se veem ameaçados diante da atual conjuntura da Venezuela e, ainda que se tenha uma junta de trabalhadoras para resolver os embates nas empresas, em muitos casos o Estado não permite mudanças ou intervenções por parte destas. Ela ressalta como principais reivindicações das mulheres o pré-natal, creches para os filhos e mais tempo com os filhos recém-nascidos por exemplo.

Ramine conta que em 2012 entrou em vigor a lei que garante que as mulheres passem mais tempo com os seus filhos no pós-parto. Seria um avanço, se isto não refletisse diretamente no seu salário, uma vez que em muitos casos elas recebem menos (cerca de 33%) do pagamento, como se estivessem de descanso. O mesmo não acontece com os homens: eles têm quinze dias no pós-parto, mas não se paga como repouso, e sim como licença paternidade.  Ela relata também o preconceito com as mulheres logo na hora de procurar emprego “hoje em dia não existe esterilização forçada, mas chegam a pedir provas se uma mulher é estéril em uma entrevista de emprego”, conta.

Feminicídio, violência obstétrica, prostituição, violência institucional, laboral e assédio sexual são os principais crimes cometidos no país. Ramine alerta para a necessidade de uma mudança de postura, uma vez que existem tribunais de gênero, mas eles não lidam de forma adequada quando há denúncias deste tipo.

Outro ponto interessante abordado pela convidada foi a questão das milícias na Venezuela. Diferente do que entendemos por milícias aqui no Brasil, tratam-se de tropas populares cujo mote é a proteção territorial da pátria e também do bairro. Ela conta que são realizadas atividades com armamentos e discorre acerca da importância da presença massiva de mulheres, que estão cada vez mais se somando a estes movimentos “Agora as mulheres estão se territorializando, o que é muito bom para que se possam gerar espaços organizativos”, conclui.

Lucía Episcopo, representante do coletivo “Mujeres en Lucha” do Uruguai nos traz uma outra realidade. Ela conta que o coletivo, que tem aproximadamente dois anos, está começando agora sua militância e conta com a presença de muitas companheiras das universidades e também dos bairros mais pobres, tendo um viés classista.

Segundo ela, as principais bandeiras levantadas pelo coletivo dizem respeito ao acesso aos trabalhos dignos por parte das mulheres e o trabalho doméstico, que além de não ser remunerado não é valorizado perante a sociedade. “O trabalho no lar impossibilita às mulheres de buscar outros trabalhos. Além disso, o trabalho que elas fazem no lar beneficia a toda a comunidade”, justifica.

Lucía conta que a violência contra a mulher também é algo preocupante, uma vez que sete em cada dez mulheres relatam ter sofrido algum tipo de violência em um país pequeno como o Uruguai. Ela conta que apesar de os feminicídios serem denunciados, não há nenhuma medida específica para resolver o problema. Aumentam as penas na prisão ampliando o problema do setor carcerário, no entanto, não são criadas políticas específicas para amparar as mulheres diretamente afetadas.

Episcopo critica o despreparo do governo frente a estas questões e fala da necessidade de uma mudança estrutural “Se aprovou a lei da violência contra a mulher, mas o governo não dispõe de recursos, de forma que não tem dinheiro para colocar em curso as reformas implementadas”, conta. Da mesma forma acontece com a saúde reprodutiva, uma vez que o aborto foi descriminalizado em 2012, mas as mulheres que precisam fazer o procedimento passam por um processo extremamente burocrático. Sendo assim, abortos clandestinos continuam existindo, porque as imigrantes, por exemplo, só podem ter acesso ao serviço após um ano residindo no país.

Em seguida, a peruana Diony Gallegos toma a palavra e começa sua fala ressaltando a multiplicidade de movimentos de mulheres no Peru, dando destaque para o movimento indígena. Gallegos, que mora no Brasil há muitos anos, conta que o que se observa em seu país é muito diferente do que ela pode perceber aqui em termos de movimento feminista. Ela afirma que o movimento indígena é o que possui mais autenticidade, uma vez que o movimento feminista que se observa no Peru atualmente tem um caráter burguês e não visa mudar a sociedade de fato. Prova disto é que muitos homens estão à frente destes movimentos, algo que tira completamente sua legitimidade.

Diony afirma ser muito difícil para os homens peruanos compreenderem a importância dos movimentos feministas por se tratar de um país muito machista, o que ela atribui principalmente à colonização espanhola, que subjugava as mulheres de todas as formas possíveis. No entanto, Gallegos diz estar observando uma mudança de paradigmas com a descoberta histórica de mulheres que tiveram grande prestígio no passado.

De acordo com Diony, as mulheres indígenas estão muito mais à frente se falarmos em movimento feminista, porque são muito mais massacradas pelos governos e pela mineração. O governo de Fujimori promoveu a esterilização massiva e forçada destas mulheres, destruindo sua cultura e sua ancestralidade. Desde então países como os Estados Unidos têm permissão para explorar as terras indígenas de tal maneira que conseguiram acabar com a configuração da comunidade em que viviam.

As mineradoras lucram não apenas com o minério, mas também por meio do álcool e da prostituição que levam junto com as empresas para estas comunidades. Além dos problemas da terra e contaminação das águas, as mulheres também precisam lidar com a agressão dos maridos quando estes passam a trabalhar para a mineração. Estas mulheres também possuem uma relação mística com a Terra, na medida em que a Pachamama é uma deidade inca representada pela Mãe Terra que traz consigo todo um misticismo.

No entanto, a convidada evidencia como este quadro contribuiu para que as mulheres indígenas fossem as primeiras a sair para a luta, conseguindo representatividade nos congressos, apesar de sofrerem muita hostilidade nestes espaços, chegando inclusive a serem agredidas fisicamente. Gallegos conclui falando sobre a necessidade de se dar visibilidade a estas mulheres no Peru e na Bolívia, pois são elas as responsáveis por construir o poder popular.

A anfitriã Indira Xavier, uma das coordenadoras do movimento de mulheres Olga Benario de Minas Gerais e da casa Tina Martins, destaca a importância de unir forças com as companheiras latino-americanas, porque esta troca de experiência permite o conhecimento de realidades que sequer sabíamos que existiam. Um dos próximos desafios é a organização do 3º Encontro de Latino-Americanas e Caribenhas, que acontecerá em 2021, no Brasil e na atual conjuntura política que não é nada favorável.

As mulheres latino-americanas são de longe as mais massacradas pela estrutura estatal e pelas diversas formas de dominação promovida em nosso continente pelos países de primeiro mundo. Unir forças, principalmente no atual quadro em que nos encontramos, é primordial para pensar em saídas, estreitar os laços, construir feminismos e, principalmente, nos organizar em vistas a alcançar uma sociedade mais justa e igualitária. Vamos Juntas, porque afinal, não vamos mais tolerar “Ni Una Menos”.

Nicole Alves, jornalista

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