UM JORNAL DOS TRABALHADORES NA LUTA PELO SOCIALISMO

sábado, 20 de abril de 2024

Para além de setembro …

Lutar pelo direito ao acesso a saúde mental é dever da juventude. O aguçamento da crise do sistema capitalista em sua fase final, o imperialismo, gerou uma geração de pessoas com um sofrimento mental e emocional gigante, mas isso definitivamente não é de hoje, é um problema que acompanha o desenvolvimento capitalista. Nesse processo, a parcela mais afetada é hoje a juventude e o povo pobre, e por isso é nosso dever defender a saúde mental para todos.

A história da luta antimanicomial

Na década de 70 o Brasil vivenciava uma ditadura militar que, além de reprimir o povo, usava as instituições psiquiátricas como ambientes de torturas para os taxados de ‘’subversivos’’ ou ‘’comunistas’’. Essas instituições já funcionavam como lugar de abandono, abuso e tortura para pessoas com transtornos mentais de todo o tipo, incluindo autistas e até pessoas LGBT (na época considerado um transtorno). Isso motivou o surgimento do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), com importante participação do Movimento Sanitarista, que fazia constantes denuncias aos crimes cometidos dentro dos manicômios, além da precarização do ambiente e do próprio trabalho nos hospitais psiquiátricos. Esse movimento colocou em evidência a necessidade de uma reforma psiquiátrica no Brasil. No dia 18 de maio de 1987, já após o fim da ditadura, um encontro de pessoas ligadas à luta antimanicomial propôs uma reforma no sistema psiquiátrico brasileiro. Por isso, hoje é um dia importante para a saúde mental no Brasil.

O intuito da reforma psiquiátrica era substituir, aos poucos, o modelo de manicômio (internamento e abandono do paciente) encorajando o paciente a ter acesso a uma vida social, trabalho, estudo, família etc. Para além disso, o Estado agora teria a obrigação de fornecer o serviço de saúde mental que antes era feito na sua maioria por instituições ligadas a empresários da “saúde” que se utilizavam dos manicômios para lucrar. Em alternativa às internações foram propostos atendimentos psicológicos, atividades alternativas, como arte e lazer, e tratamentos menos invasivos num geral; nesse modelo a família teria um papel fundamental na melhora do paciente, sendo responsável por ele.

O Movimento de Luta Antimanicomial foi extremamente importante na conscientização do povo mostrando que os portadores de algum tipo de transtorno não são ameaças para a sociedade e a participação ativa deles na sociedade como principal fator de sua melhora. Em compensação, seria necessária uma reeducação no modo de compreender os transtornos mentais como ‘’outras formas de ver o e reagir ao mundo’’. Nesse modelo, o respeito e a informação seriam os eixos para a saúde mental no Brasil. 

Essa reforma começou nos anos 80 e até hoje não foi concluída.  Tendo em vista que ainda existem muitos hospitais psiquiátricos no Brasil funcionando como ponto de abusos e mortes por negligencia, a exemplo do Hospital Vera Cruz em Sorocaba (SP), que só de 2006 a 2009 registrou 102 mortes e só veio de fato a ser desativado no dia 06 de março de 2018.

A alternativa

Em 1990 o Ministério da Saúde cria os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) como alternativa aos antigos manicômios.  A partir das leis federal 8.080/1990 e 8.142/90 foi instituída a rede de atenção à saúde mental junto com a criação do SUS (Sistema único de saúde). As leis obrigam o Estado a promover um tratamento humanizado às pessoas com transtornos mentais e dependência química. Além dos CAPS foram criados Serviços de Residências Terapêuticas (SRT), Unidades de Acolhimento (UAs) e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais e CAPS tipo Transtorno).
Fruto da luta antimanicomial, o CAPS tem como ferramenta o atendimento individualizado e coletivo, com terapia, rodas de conversa, oficinas de artes e atendimento com psiquiatras, psicólogos, clínicos gerais e assistentes sociais. O objetivo é um atendimento humanizado em alternativa às internações compulsórias.

No entanto a realidade da saúde mental no Brasil ainda é precária e elitizada: de acordo com a OMS, o Brasil é campeão mundial em pessoas com ansiedade (TAG) – cerca de 9,3% da população manifesta o quadro e como sempre as mulheres são as mais afetadas (7,7% das mulheres tem ansiedade e 5,1% tem depressão).  Quando se trata dos homens, a porcentagem cai para 3,6% em ambos os casos. Em pesquisa feita pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a taxa de suicídio entre jovens e adolescentes cresceu em 24% no Brasil, ao subir de 1,60 para 1,99 entre 2006 e 2015. Ao todo, 20.445 adolescentes tiraram a própria vida naquele ano. Apesar desse quadro preocupante, em 2018 o governo cortou quase R$ 78 milhões da verba para os CAPS, afetando 319 unidades em todo Brasil.

Em fevereiro, o Ministério da Saúde, por meio de nota, dá aval e incentiva a compra de aparelhos para o uso de ‘’eletrochoques’’ (ECT – eletroconvulsoterapia) que, apesar de ser apontada como um recurso para pacientes com depressão grave, é um método associado a abusos e torturas aos pacientes em hospitais psiquiátricos. A nota também reforça a possibilidade de internação de crianças em hospitais psiquiátricos. “O texto publicado não é uma nota técnica, mas um documento político que agrada hospitais, setores que lucram com manicômios e com a medicalização”, afirmou Paulo Amarante, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e integrante da Associação Brasileira de Saúde Mental.

E decreta, em abril, fim da politica de redução de danos. O conselheiro do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Paulo Aguiar, afirma que “é muito ruim para a população, porque aponta a abstinência como o único caminho. A lógica da redução de danos é o princípio básico de respeito ao sujeito, sua condição, sua autonomia preservada, para que ele possa ressignificar a sua relação com a droga, ela não se opõe a alcançar abstinência”. Paulo Amarante explica que “enquanto o mundo inteiro caminha para a mudança, o Brasil volta ao modelo anterior”. Este decreto presidencial atende aos interesses do mercado que visa lucrar com a saúde mental do povo brasileiro, que hoje já é extremamente elitizada e de pouco acesso à grande maioria da população.

Saúde Mental e Juventude

Diante do que foi dito anteriormente, é possível perceber que as políticas públicas de saúde mental são as mais negligenciadas, isso quando não são usadas para controle da população em épocas de fascismo (como aconteceu na ditadura e atualmente). O sistema capitalista não só atinge a população pelo desmantelamento desta, mas também pelo tipo de vida imposto à população, sobretudo aos mais pobres.

A realidade da juventude brasileira é cercada pela violência. Cotidianamente jovens, em sua maioria negra, são assassinados no Brasil com o aval do Estado.  A juventude também compreende boa parte da população carcerária do país, está refém do desemprego, é a camada da população mais atingida pela reforma trabalhista e não consegue estudar, pois na maioria das vezes precisa trabalhar e não consegue vagas nas escolas e universidades.  Expostos ao trabalho informal, sem acesso ao esporte e lazer, sem atividades que os façam se desenvolver enquanto pessoas e profissionais, a juventude se vira como pode.

Isso tem impactos significativos na saúde mental da juventude pobre. O desenvolvimento de ansiedade, Transtorno generalizado de ansiedade, desnutrição ou obesidade e até mesmo o suicídio e a automutilação são problemas frequentes nessa fase da vida. Infelizmente isso acaba sendo considerado como falhas individuais dos sujeitos ou manobras pra chamar a atenção e também por causa disso a atenção especializada demora muito a chegar.

O estímulo ao uso abusivo de álcool e outras drogas é também uma forma de garantir que a juventude vivencie as demandas capitalistas sem se rebelar. A oferta dessas substâncias é propositalmente descontrolada. Não há fiscalização para a venda de cigarro e bebida alcoólica para menores e as drogas ilícitas são muito fáceis de achar (apesar da guerra contra o tráfico matar milhares de jovens, comprovando sempre que é uma política ineficaz).

Resistir e lutar

A luta antimanicomial não acabou. Estamos sob um governo que quer retornar, como já foi dito, a esse modelo caduco de ‘’cuidado’’ da saúde mental, governo que quer sucatear as unidades de saúde para nos empurrar cada vez mais para a iniciativa privada para enriquecer os bolsos dos que lucram com nosso sofrimento físico e emocional. Falar de saúde mental é cada vez mais necessário dentro do ambiente de trabalho, estudo e familiar, mas não apenas isso. Precisamos nos engajar de fato nessa luta por uma sociedade sem manicômios, onde a saúde mental seja vista como prioridade pro nosso povo.

 “Que tipo de sociedade é esta, em que se encontra a mais profunda solidão no seio de tantos milhões; em que se pode ser tomado por um desejo implacável de matar a si mesmo, sem que ninguém possa prevê-lo? Tal sociedade não é uma sociedade; ela é, como alcunhou Rousseau, uma selva, habitada por feras selvagens.”

(MARX, Sobre o Suicídio)Vivian Alves, psicóloga clínica e tesoureira do Psicosind-PE, e Luiza Rodrigues, militante da UJR e usuária do CAPS III, Recife.

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