Dados e dossiês indicam a necessidade de organização e a luta contra a lesbofobia. Milhares de mulheres e centenas de movimentos sociais irão se manifestar hoje (29) pela visibilidade de suas condições.
Carolina Caires Souto e Luiza Chara
Foto: Carolina Caires
BRASIL – É sabido por todas e todos nós que mulheres lésbicas sofrem uma série de violências simplesmente pelo fato de expressarem a sua sexualidade ou, melhor dizendo, pelo fato de amarem outras mulheres. Os números da violência contra a população LGBT espantam, e no Brasil essa realidade é muito dura. Segundo o Grupo Gay da Bahia (GGB) o Brasil registrou 141 mortes de pessoas LGBT entre janeiro e maio de 2019: foram 126 homicídios e 15 suicídios, o que representa a média de uma morte a cada 23 horas.
O levantamento utilizou somente notícias publicadas em veículos de comunicação, já que não há informações estatísticas governamentais sobre tais mortes. Sendo assim, podemos afirmar que certamente o valor real é muito maior, uma vez que os números de casos são sub-notificados para a imprensa e muitos não são sequer denunciados. Ter acesso a esses números é ainda mais difícil quando se trata de mulheres lésbicas. O Dossiê sobre lesbocídio no Brasil representa um marco na pesquisa sobre violência contra a mulher lésbica. Organizado pelo Grupo de Pesquisa Lesbocídio, do Núcleo de Inclusão Social (NIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Dossiê denuncia a escalada da violência contra a mulher lésbica e propõe o termo “lesbocídio” para designar as mortes das mulheres lésbicas que são motivadas pela sua condição lésbica. Entre 2014 e 2017, 126 lésbicas foram brutalmente assassinadas no país, segundo o Dossiê.
A militância LGBT vêm denunciando constantemente as violências sofridas por esse grupo e protagonizam a luta tanto pelo reconhecimento de direitos e cidadania, como a luta por políticas públicas para um grupo que é tão marginalizado e estigmatizado. Mas por que é importante falar de lesbofobia, e não apenas de homofobia? Mesmo dentro da militância LGBT, muitas vezes ocorre o apagamento das mulheres lésbicas, que também lutam por visibilidade e igualdade nesses espaços. Isso acontece, entre outros motivos, porque as mulheres lésbicas além de enfrentarem a discriminação pela sua sexualidade, ainda sofrem a misoginia e o machismo.
A lesbofobia é o conceito utilizado para se referir ao conjunto de práticas que discriminam, negam e oprimem mulheres que se relacionam com outras mulheres afetivamente/sexualmente, e que culminam nas violências sofridas por essas mulheres. Essas violências podem ser simbólicas, psicológicas, verbais e, ainda mais graves, físicas. O crescimento de estupros corretivos, os quais têm por intenção “corrigir” a orientação sexual da vítima por meio da violência sexual, é uma expressão grave da lesbofobia e também da misoginia.
Outros exemplos de lesbofobia são a fetichização do relacionamento entre mulheres; a negação das relações lésbicas, como quando duas mulheres que se relacionam são tratadas como “amigas” ou “irmãs”; os preconceitos e o próprio despreparo no tratamento à saúde sexual das mulheres lésbicas; a privação de ocupar postos de trabalho pela condição lésbica, e todos aqueles preconceitos “sutis”, que vão desde agressões verbais e discursos de ódio contra essas mulheres, a questionamentos sobre a sua sexualidade, como, por exemplo, desvalidando as relações entre mulheres chamando-as de “confusas”, dizendo que “é só uma fase” e assimilando sua sexualidade como “falta de conhecer um homem bom o suficiente”; e ainda questionamentos sobre as formas de se vestirem, cortarem seus cabelos, etc. Diante de tanta invisibilidade lésbica, é muito importante que a gente fale cada vez mais sobre as violências contra essas mulheres e as formas de combatê-las.
O dia 29 de agosto é reconhecido como dia Nacional da Visibilidade Lésbica. A data foi escolhida após o acontecimento do 1º Seminário Nacional de Lésbicas, a partir da iniciativa do Coletivo de Lésbicas do Rio de Janeiro (COLERJ) realizado neste dia, em 1996 no Rio de Janeiro e dedicado a temas como sexualidade, saúde, trabalho e cidadania. O evento é considerado um importante símbolo do combate à lesbofobia e dos avanços dos direitos das mulheres lésbicas no país.
Além disso, anos antes, em 1983, mais especificamente no dia 19 de agosto, aconteceu um levante no Ferro’s Bar, um bar frequentado na época por mulheres lésbicas, no centro de São Paulo. As frequentadoras do estabelecimento foram impedidas de vender panfletos de luta e liberdade sexual, durante a Ditadura Militar. Naquele dia 19, as mulheres resolveram dar um basta a essa proibição e lançaram o manifesto pelos direitos das mulheres lésbicas. No dia 19 comemora-se o orgulho lésbico. Assim, durante todo o mês de agosto acontecem diversas ações e atividades organizadas por coletivos, movimentos sociais, entidades e instituições que reivindicam os direitos das mulheres lésbicas: São oficinas, rodas de conversa, exposições, debates, seminários, festas, shows; enfim, uma série de ações espalhadas pelo Brasil todo para dar voz e luz a esse debate tão fundamental na sociedade em que vivemos, ainda muito marcada pelos padrões heterossexuais que condenam qualquer diversidade.
Nesse dia 29, acontece o ato da resistência e visibilidade lésbica, que se concentra a partir das 18h na Praça do Ciclista, na região central de São Paulo. O ato deste ano também traz a memória dos três anos da morte de Luana Barbosa dos Reis Santos, mulher negra, periférica, mãe e lésbica que foi assassinada pela Polícia Militar de São Paulo, motivada pelo racismo e pela lesbofobia. É preciso que se ocupem as ruas e todos os espaços públicos, que se denuncie a negligência do Estado, que essas vozes sejam ouvidas e que as mulheres lésbicas possam viver o amor de maneira livre e sem violências.
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