Nascido em 17 de junho de 1947, Emmanuel Bezerra lutou durante toda sua vida por uma sociedade mais justa e livre de opressões. Membro da direção do Partido Comunista Revolucionário (PCR), foi preso e torturado até a morte pela ditadura militar de 64, sua memória porém segue viva e inspirando a luta por uma nova sociedade.
João Paulo de Holanda
Foto: Reprodução/Jornal A Verdade
Emmanuel
Felizes os que são perseguidos
por causa da justiça…
Mateus 5:10
I
A Alvorada
São as horas iniciais de uma manhã de setembro. Tecendo a morna paisagem, silenciosas luzes incidem em azul, amarelo e verde. Corre, sem pressa, o vento de São Bento do Norte; e sobre a oscilação das águas, estendem-se as redes morosamente. Vai o vento, suave, arrastando as rútilas areias desta terra. As jangadas pousadas, ainda que trêmulas. Como aves, como aves. Emmanuel. Dispara o vento: em estalos, contra o próprio vento. Bezerra. Pouco a pouco, soou o teu nome. Dos Santos. Fez-se a alvorada.
II
Duas Fotografias
Nesta, suportável, de pronto sobressai tua fronte espessa. E se se descem os olhos que a contemplam, olham os teus, inexoravelmente contempladores. Olhos miúdos, de menino, vibram em graça e verdade. Olhos de menino e, não obstante, argutos e penetrantes. Movem-se, cerrados no campo de força que é o retrato: estás vivo. Sem remorsos, miras as faces ocultas das coisas, lês o hieróglifo social. Ainda sonhas. E isto importa. Mas nesta outra, já não se sabe se és. Debaixo, números: 5205-73. As marcas não deixam dúvidas que o ódio daqueles que te perseguem alcançara o seu objetivo brutal. Cabelos revoltos. Carne mirrada. Lábios desfigurados. E os olhos, bem, não veem mais coisa alguma: ausentes. Pareces ter ido de um espanto. Causa da morte: hemorragia interna por ferimento por projétil de arma de fogo. Assinada: médico-legista Harry Shibata. Ora, não é o que diz o teu espanto. Tampouco o teu corpo mutilado. Dedos. Umbigo. Testículos. Pênis. Provas vivas, mortas, de que a história, Emmanuel – quando feita pelas mãos de teus verdugos –, não é senão um matadouro.
III
Sobre o que Importa
Natal se desenrola em bairros, tardes e fábricas. Continuamente, a cidade dissimula a si mesma e, mais ou menos ciente disso, nela me desloco. Foi-se o tempo, voraz; e, ao que parece, está seco o sangue do poeta.
Mas se num instante em que me ocorre um clarão, se num átimo em que desfaço essa teia que me envolve em fábulas, de fato vejo – então é inequívoca a tua presença. Clandestina, mas clara, em bairros, tardes e fábricas. Nas gentes e em mim, a iluminar o outro sentido da história. Ainda sonhas, Emmanuel, o teu sonho: uma grande rosa. É isto que realmente importa. Estás vivo.