Em virtude da legalização da Unidade Popular Pelo Socialismo, analisar seu processo de construção comprova alguns argumentos sobre a organização independente dos trabalhadores.
Thales Caramante
BRASIL – Acima de um fato político, a legalização do partido Unidade Popular (UP) comprova substancialmente alguns argumentos que até então eram menosprezados por parcela do povo e militantes de esquerda. Entre variados setores do reformismo, existiam dúvidas ou até mesmo discordâncias com a criação da Unidade Popular como uma alternativa necessária para os paupérrimos e marginalizados pelo Estado, que busca favorecer apenas os historicamente abastados e privilegiados.
Inicialmente, a afirmação de que a Unidade Popular é construída sem dinheiro dos capitalistas carrega em si um peso político, principalmente contra o argumento dos reformistas e conciliadores de classes sobre a impossibilidade de construir um projeto político independente da burguesia. Porém, o significado desse projeto não termina em si mesmo. Esse fato político, além de enaltecer moralmente a classe trabalhadora, dar orgulho aos simples, comprova que os trabalhadores não precisam do apoio dos ricos, seja material, política e organizadamente. Sendo assim, a classe operária é, mesmo que hoje muito pobre, autossuficiente. Ou seja, ela necessita apenas de si mesma e sua própria organização como arma para conquistar objetivos econômicos e políticos em contraposição ao pensamento parlamentarista reformista de negociar os direitos básicos dos trabalhadores, como ocorreu na recente aprovação do pacote anticrime do ministro Sérgio Moro. Não, os trabalhadores, os escravos modernos assalariados, podem dar infinitos passos sem abrir concessões de seus direitos por interesses individuais dos ricos. A UP demonstrou que é necessária apenas a organização unitária e obstinada para chegar a esses objetivos.
Apoiando essa ideia, Guilherme Brasil (UP) afirma para A Verdade que a experiência de legalização da UP “comprova que nem todo partido precisa de pessoas ricas para conseguir se manter, comprova que o trabalho de base é o que é realmente mais importante. […] ao contrário das outras organizações que esqueceram seus movimentos de base.”
Em segundo lugar, a legalização da UP pôs em xeque uma ideia um tanto estabelecida como princípio entre certos renegados, de que o povo brasileiro é ignorante, passivos, burros etc.. Desistiram de falar em socialismo e poder para os explorados, guardando seus ideais coletivos apenas para suas fantasias pessoais e românticas de como deveria ser a sociedade. Esses intelectuais demonstram toda sua pomposidade ao se colocar acima do povo, não como parte dele, não deixam de gastar sua garganta para atacar os trabalhadores que não seguem seus dogmas, tidas como ordens divinas, advindas de todo sua “intelectualidade”. A Unidade Popular, em antagonismo a essa tese, comprova de maneira eficaz que os trabalhadores não dependem da boa vontade ou dos elogios daqueles que já há muito ignoram os anseios da população pobre e ignorada pelo Estado. Mostrou, ainda mais, o desejo dos assalariados e dos periféricos de conhecer, compreender e desenvolver o socialismo.
Defendendo as opiniões populares, Guilherme – que fez parte das equipes fixas de coletas e cadastros da UP em seu período de legalização – destaca que “o povo quer, sim, saber de partido e que o povo ouve quando falamos [de socialismo] e que o povo quer uma alternativa. Mesmo que essas 1 milhão e 200 mil pessoas não soubessem o que exatamente é socialismo, elas ainda querem uma mudança, uma alternativa, uma transformação. Então, quando a gente ia nos trens, nos ônibus, nas praças, nos bairros, e falava sobre as pautas que a gente defende, as lutas que a gente defende, as posições que o partido defende, as pessoas entendiam também que aquilo também era delas. E aí davam sua assinatura de apoio, […] então isso mostra que o povo reconhece quem são os seus, reconhece quem tá fazendo a luta e reconhece suas próprias necessidades e, assim, perceberam na Unidade Popular uma esperança realmente.”
Assim, a legalização da Unidade Popular comprovou também a possibilidade da classe trabalhadora de construir o poder popular, mesmo que os mais céticos digam que não houve vitória expressiva, ou que o Estado não saiu enfraquecido, não ponderam as condições jurídicas, legais e burocráticas às quais os trabalhadores estavam submetidos para legalizar uma legenda partidária. O estado burguês não é derrotado apenas nas grandes cisões e rupturas, ele pode ser derrotado em objetivos políticos. No caso, a burocracia do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ditava que o objetivo do Estado era impedir novos partidos legalizados no país – mais, que partidos se fundissem com a ideia da cláusula de barreira. Portanto, a UP legalizada quebrou a ideia do Estado de impedir novas legendas, ou seja, uma prova direta da capacidade de derrotar todas as máquinas burocráticas desenvolvidas pelos donos do poder, aproveitando todas as brechas e descuidos do inimigo de classe.
“O Partido não pode se iludir com o parlamento burguês, não pode se iludir com a justiça burguesa. Foi justamente por isso [por essa falta de confiança] que a gente pensou em todos os detalhes, os mínimos detalhes, tentando sempre resolver os problemas que nem aconteciam, mas que a gente achava que iria acontecer, para que não desse problema. […] Fica comprovado para o povo que é possível lutar por algo grande, ou seja, é possível lutar por uma sociedade nova. A legalização da UP foi um laboratório da possibilidade de se construir uma sociedade nova, com muita organização, com planejamento e com a força do povo agindo.” Confirma novamente Guilherme Brasil.
Em suma, a Unidade Popular criou – ou recriou – algo já há muito tempo esquecido no Brasil: uma tradição revolucionária, apoiando-se nos detalhes mais ricos dos trabalhadores pobres. Pelo espírito pós legalização, essas comprovações irão alimentar por muito tempo os militantes e filiados, que agora partem em uma nova etapa: crescer, crescer e crescer.