Diversos trabalhadores e trabalhadoras se manifestaram contra o desmonte da Fundação Rui de Barbosa.
Gabriela Lúcio*
Foto: Jornal A Verdade
BRASÍLIA – A Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB) é instituição federal vinculada ao Ministério da Cidadania (anteriormente ao Ministério da Cultura, dissolvido no governo Bolsonaro), efetivada através da Lei ordinária nº 4.943, de 06 de abril de 1966, que transformava em Fundação a antiga Casa de Rui Barbosa e orientava outras providências. A Villa Maria Augusta – nome da residência e do jardim da família Rui Barbosa – foi então firmada como um Museu-casa, categoria de instituições museológicas que já foram usadas como residência em outros períodos e conservam as características gerais deixadas pelos moradores. Um pouco mais ao fundo, no fim do jardim, está o prédio Américo Jacobina Lacombe, onde estão O Centro de Pesquisa (CP) e o Centro de Memória e Informação (CMI), subdivididos em setores distintos.
Em meados de 2013 fui selecionada em um processo seletivo para ser estagiária do Museu, especificamente para trabalhar no museu com a conservadora-restauradora responsável pelos bens móveis presentes no museu-casa, cumprindo os dois anos permitidos nesse tipo de contração. Em 2014/2015, participei do processo seletivo de bolsas de iniciação cientifica e tornei-me bolsista do SEP trabalhando com gerenciamento de risco. Por fim, em 2016, participei novamente do processo seletivo de bolsas de iniciação cientifica, mas dessa vez, retornei para o museu, com outra orientadora, para investigar os quimonos e a vida de Maria Augusta Rui Barbosa, esposa do patrono. Foram cinco anos circulando na instituição, compreendendo o seu funcionamento, e com imenso pesar, encerrei a minha bolsa em 2018, concluindo também a minha graduação.
A Fundação Casa de Rui Barbosa é (ou era) uma casa, não apenas para Rui Barbosa, mas para cada um que trabalhou, trabalha e trabalhará e passa por lá. No estágio, cheguei ainda despreparada, e contei com um apoio tremendo de todos do museu. Aprendi muito, e pude trocar conhecimentos, ser respeitada enquanto pessoa e graduanda, e observei muitos outros estagiários como eu tornando-se profissionais capacitados. Com as iniciações cientificas, descobri a minha paixão: a pesquisa, o debruçar sobre os arquivos, a busca por aquela mínima informação, a exaltação da descoberta, a oportunidade de dividir com os pares as novidades, de desvendar histórias e pessoas.
A pesquisa no campo das humanidades e artes é normalmente tratada como secundária, inútil e supervaloriza-se investigações no campo da “segurança pública” (que afinal, não está nas humanidades?), biológicas e exatas, que claro, são realmente importantes, porém, faça uma pequena reflexão: você compreenderia plenamente a relevância da vacina de poliomielite sem saber o seu trágico histórico na sociedade? Entenderia a óptica da mesma forma, se o pontilhismo não tivesse sido aplicado no movimento impressionista? E até saberia como era uma melancia antes da intervenção humana se não fosse a pintura de Giovanni Stanchi?
Claro, podemos não ver declaradamente essas questões em nosso dia-a-dia, mas são linguagens e formas de comunicação essenciais para a interação humana e para o viver em sociedade. A pesquisa, seja ela do campo de que for, não é inútil, não apenas pelos motivos citados, mas também porque ela emprega e ensina.
Foto: Jornal A Verdade
Os R$400,00 tabelados pelo CNPq para bolsas de iniciação cientifica podem parecer nada, mas são essenciais para o estudante pobre que tem a chance de desenvolver algo relevante, se alimentar e sobreviver – justamente o meu caso naquela época. Os cinco pesquisadores demitidos pelo governo Bolsonaro através da presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa Letícia Dornellas orientavam muitos bolsistas, e não só de iniciação científica, mas de mestrado e doutorado também. Profissionais extremamente capacitados e reconhecidos que disponibilizavam seu tempo para ensinar, orientar e formar novos pesquisadores, que agora estão desamparados.
Sabemos que é o momento da pós-verdade. É preciso sim fazer um mea-culpa e entender que a pesquisa distanciou-se do público, gerando essa aversão, pseudociências e negação do método científico. É justamente aí que entra a Fundação Casa de Rui Barbosa, uma instituição que recebe a todos em seu jardim, amplia a compreensão de como era a vida no período de Rui Barbosa através do museu, cria um espaço de convivência na Biblioteca Infantojuvenil Maria Mazzetti (BIMM) e nas visitas especiais e teatralizadas, e ainda oferece um programa de mestrado em Memória e Acervo (PPGMA), oferta oportunidades remuneradas para jovens pesquisadores e torna público esse conhecimento? O quão perigoso pode ser um lugar desses no momento da pós-verdade?
Paulo Freire – aquele mesmo que atualmente é alvo de tantas críticas no Brasil, mas amado, respeitado e seu método é aplicado nas escolas do exterior – já dizia que a crise na educação brasileira não é crise, é um projeto. A destruição da cultura e da pesquisa no Brasil está em total acordo com esse pensamento, existe um projeto para desestabilizar e desacreditar a pesquisa, mas aqui, peço uma chance para você entender que ela é importante para difusão do conhecimento, para novas descobertas e renovações teóricas e para a sobrevivência dos jovens pesquisadores e de suas perspectivas.
Conheça os projetos e investigações, pergunte, converse, se interesse, sente com um pesquisador e entenda o que ele faz. Aliás, caso você queira conhecer mais sobre os pesquisadores demitidos da Fundação Casa de Rui Barbosa, separei aqui o currículo lattes – plataforma pública e acessível que reúne todos os projetos dos pesquisadores, quase uma prestação de contas ou portal da transparência científico – onde você entenderá melhor o que eles fazem:
Flora Sussekind: http://lattes.cnpq.br/7163151183156576
Joëlle Rouchou: http://lattes.cnpq.br/3449174755012567
Charles Gomes: http://lattes.cnpq.br/8897264301856597
José Almino de Alencar: http://lattes.cnpq.br/8379579771424108
Antonio Herculano Lopes: http://lattes.cnpq.br/1408236113866904Apoie, lute e valorize a produção de pesquisa nacional, lute pela Fundação Casa de Rui Barbosa, por seus funcionários, bolsistas e estudantes.
*Gabriela Lúcio é Bacharela em Conservação e Restauração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Conservadora-Restauradora no Laboratório de Papel da Câmara dos Deputados – Brasília. Editora-chefe da Revista Desvio. Gosta de dados públicos, por isso, para outras informações.
Acesse: http://lattes.cnpq.br/4426250085374325